Bezerra – Passo a passo e trajetória de um jacarandá
Eduardo Gomes
@andradeeduardogomes
O quadro de saúde de Carlos Bezerra é de domínio público. Seu histórico político, no entanto, não é conhecido por todos, muito embora seja o mais massificado em Mato Grosso. O passo a passo de Bezerra na vida pública e sua quase atemporalidade estão neste texto.
Nunca em Mato Grosso um partido foi controlado por tanto tempo por um político quanto o MDB de Carlos Gomes Bezerra – que o preside desde tempos imemoriais. Por isso, não lhe faltam apelidos: cacique, mandachuva, ditador, morubixaba, kamarada Bezerroff. Para mim, ele é apenas o Bezerra, mas nem o respeito ao seu sobrenome me impede de vê-lo do modo que imagino que seja – Mão de Pilão. Desde 1970 acumulando disputas eleitorais e desde 1941 soprando velinhas de aniversário. ele é um verdadeiro jacarandá sempre correndo atrás de votos.
Bezerra é forte e não sabe mais chorar. A única vez que derramou lágrimas foi em 4 de abril de 1941, quando nasceu na zona rural de Chapada dos Guimarães. Dona Celina Fialho Bezerra, a mãe, emocionada, comemorava o nascimento do filho. Arão Gomes Bezerra, o pai, era fazendeiro, garimpeiro e não gostava de moleza. Seo Arão se incomodou com o choro e mandou o recém-nascido calar a boca.
Chapada era pequena para o Carlos do seo Arão. Cuiabá foi seu destino. Matriculado, militou no movimento estudantil secundarista e o liderou. Foi pra faculdade e conquistou canudo de advogado. De tendência socialista, se filiou ao PTB. Com o bipartidarismo correu para o Manda Brasa – apelido popular carinhoso do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que fazia oposição ao governo militar politicamente representado pela Aliança Renovadora Nacional (Arena), que em Mato Grosso era chefiada por Filinto Müller, José Fragelli, Garcia Neto, Vicente Vuolo, Afro Stefanini, Gastão Müller, Emanuel Pinheiro, Fiote Campos, Valdon Varjão e outros.
E dá-lhe palanque!
Em 1970 Bezerra lançou-se candidato a deputado estadual e deu com os burros n’água. Quatro anos depois, chegou à Assembleia Legislativa. Em 1978, se destacou em Mato Grosso e se elegeu deputado federal.
Ao se eleger deputado estadual Bezerra advogava em Rondonópolis, onde mais tarde montou a Cerâmica São Carlos. Nunca mais deixou aquela cidade. Deputado federal, tratou de costurar seu caminho para a prefeitura – e dali ao governo.
Em 1982 Bezerra saiu para a prefeitura tendo o médico Fausto Faria em sua chapa. Assumiu o mandato em 1983, antes mesmo da diplomação o prefeito estava em cena articulando sua candidatura ao governo em 1986.
Olha o Dante ai!
Entre Bezerra e o Palácio Paiaguás havia um obstáculo, Um obstáculo, não: um grande obstáculo: Dante de Oliveira (PMDB). Dante era o Homem das Diretas, o deputado federal autor da famosa emenda das Diretas e queria ser governador.
A emenda de Dante foi submetida ao plenário da Câmara em 24 de abril de 1984, avançou pela madrugada de 25 de abril e não foi aprovada, mas despertou a consciência coletiva de que era hora de dizer basta à ditadura. Para ser aprovada pela Câmara e seguir para o Senado, a emenda precisaria de dois terços dos votos – o ‘sim’ de 320 deputados federais – o que não aconteceu. A propositura de Dante recebeu 298 votos, 65 parlamentares foram contrários e 113 não compareceram ao plenário.
Dante caiu para cima. Era jovem e virou paixão política nacional. Ser governador de Mato Grosso seria a coisa mais lógica. Seria, mas aí entrou em cena a Mão de Pilão. Bezerra controlava o diretório do PMDB, sua bancada na Assembleia, o movimento comunitário – que estava nascendo – e a Imprensa, que regiamente comparecia à Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Rondonópolis. Em suma: Dante era forte fora, de Goiás pra lá.
Depois de um período sem eleição para prefeito, as capitais, e as cidades de fronteira e da zona de segurança nacional voltaram a elegê-los em 1985. Bezerra montou cenário para Dante ser prefeito de Cuiabá e o fez com objetividade. Quando Dante deu fé já havia dinheiro abundante pra sua campanha e até o jingle
Dante sim / Dante já /
O futuro prefeito de Cuiabá estava gravado.
O Homem das Diretas recebeu 61% dos votos e no começo de 1986 assumiu o Palácio Alencastro com seu vice, o coronel do Exército Estevão Torquato. Na noite da posse Bezerra tinha 44 anos, era um frondoso jacarandá e não economizou nos goles de Antarctica. O dia clareou e o endereço mais nobre em Rondonópolis ainda festejava.
No ano seguinte Bezerra seria governador. Internamente os principais nomes do PMDB brigavam pela vaga de vice na chapa do partido. A palavra final foi a do candidato: “escolhi o Edison”. Isso mesmo, Bezerra escolheu o médico Edison Freitas de Oliveira, sem peso político e que não acalentava sonho com o poder, pra lhe fazer sombra. A Mão de Pilão voltou à cena. Em 1970 Edison foi prefeito de Jales (SP) pelo MDB e mantinha relação de amizade com Orestes Quércia, um dos caciques paulistas do partido.
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A escolha de Bezerra o livrou do canibalismo partidário mato-grossense e o aproximou ainda mais de seus correligionários em São Paulo.
Dom Pedro Casaldáliga, bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, foi um dos homens fortes do governo Bezerra, que tinha discurso socialista, que apoiava movimento de trabalhadores rurais e invasões de propriedades rurais e urbanas em Cuiabá, mas que ao mesmo tempo prestigiava o empresariado que atua na construção de obras públicas.
Em maio de 1990 Bezerra deixou o governo para concorrer sem sucesso ao Senado. Edison o substituiu, mas um acidente aéreo em Chapada dos Guimarães o levou a renunciar.
Com a saída de Edison, o presidente da Assembleia Legislativa, Moisés Feltrin, assumiu constitucionalmente o Palácio Paiaguás por 34 dias, até a posse do novo governante, Jayme Campos – agora senador pelo União Brasil.
Fracasso administrativo
O governo de Bezerra não agradou. Em 1990 o PFL elegeu Jayme governador, e seu irmão, Júlio Campos, senador. Os peemedebistas não conseguiram nem uma cadeira na Câmara dos Deputados. Na transmissão da faixa governamental de Moisés Feltrin para Jayme, o funcionalismo acumulava folhas salariais em aberto, fornecedores do governo estavam a ver navios.
Uma vez Mão de Pilão, sempre Mão de Pilão. Em 1992 Bezerra voltou a disputar a prefeitura de Rondonópolis. Venceu tendo em sua chapa o vice Rogério Salles. Mal assumiu o município, tratou de pegar a estrada para aplainar sua candidatura ao Senado em 1994, o que aconteceu. Sua eleição foi tranquila.
TROPEÇO – Em 1998, quando havia cumprido apenas quatro dos seus oito anos de mandato, Bezerra se lançou à reeleição, numa dobradinha com o democrata Júlio Campos, também senador, mas que concorria ao governo. Júlio e Bezerra morreram abraçados. Dante sorriu vitorioso à espera da chave do Palácio Paiaguás, onde permaneceria por mais quatro anos, já que fora eleito ao cargo pela primeira vez em 1994.
Em 2002, ainda jacarandá, aos 61 anos, Bezerra tentou a reeleição ao Senado, num pleito onde haviam duas vagas, mas perdeu para Jonas Pinheiro (PFL) e Serys Slhessarenko (PT). Foi para casa sem mandato.
Câmara, Câmara, Câmara…
Em 2006, 2010, 2014 e 2018 Bezerra acumulou vitórias à Câmara dos Deputados. A cada eleição, mais idade, mas a disposição continuava, só que menos intensa com o passar dos anos. No horário eleitoral, um jingle nordestino o enalteceu nas disputas:
O Bezerra é firme /
O Bezerra é forte…
Câmara é um lugar conhecido pelo casal Bezerra. Em 1994 Bezerra disputou o Senado e lançou sua mulher Teté deputada federal pelo PMDB e ela se elegeu. Quatro anos depois, Teté se reelegeu. Em 2002, Bezerra perdeu a eleição ao Senado e Teté foi derrotada para a Câmara, mas ficou com a primeira suplência – o deputado federal Rogério Silva foi cassado por compra de votos e Teté assumiu sua cadeira.
Em 2006, Teté saiu do cenário eleitoral para Bezerra se eleger deputado federal. Em 2010, Silval Barbosa que foi eleito vice-governador de Blairo Maggi em 2006, governava, pois o titular deixou o cargo para concorrer e vencer o pleito ao Senado.
Em 2010 Silval disputou mandato de governador vencendo a eleição. Naquele ano, Teté se elegeu deputada estadual e mais tarde seria secretária de Turismo de Silval.
Em 2014 o PT se aliou ao PMDB lançando o petista Lúdio Cabral ao governo com Teté de vice. A eleição foi vencida em primeiro turno por Pedro Taques (PDT) com o vice Carlos Fávaro (PP).
SUSTOS – Em fevereiro e maio de 2018 Bezerra passou mal e baixou enfermaria em Cuiabá. Na segunda vez foi levado a uma UTI do Hospital Santa Rosa. O jacarandá permanecia firme, mas abalado. Em outubro Bezerra tomou o medicamento que mais lhe faz bem: uma injeção de 59.155 votos e garantiu mais um mandato à Câmara.
INDIGESTÃO – Bezerra é amigo do ex-presidente Michel Temer, e esse nomeou Teté presidente da Embratur. Em março de 2019 o presidente Jair Bolsonaro a demitiu alegando que Teté ofereceria um jantar de R$ 290 mil a operadores de turismo Teté jura que entregou o cargo e Bezerra diz amém, mas Bolsonaro bate na mesa e sustenta que foi demissão mesmo.
Até tu, Marcos Valério?
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