Boa Midia

Rondonópolis ganha o pós-liberalismo de Cláudio Ferreira

Eduardo Gomes

@andradeeduardogomes

eduardogomes.ega@gmail.com

O Poguba dos bororos é o nosso rio Vermelho

Nenhum morador novato ou pioneiro há poucas décadas bebendo água do Poguba de Malagueta, que insistimos em chamar de rio Vermelho, seria capaz de explicar o perfil rondonopolitano, a vocação de liderança da cidade de Irmã Luiza e o verdadeiro papel de sua classe política. Numa matéria sucinta também não é fácil. Porém, estes temas precisam ganhar capilaridade perante todos, principalmente em razão da guinada na administração do município, que acontecerá a partir de janeiro, com a posse do pós-liberal deputado estadual Cláudio Ferreira (PL) na prefeitura e de seu vice-prefeito Altemar Lopes da Silva.

A têmpera rondonopolitana foi esculpida pelo sonho com dias melhores, suor, calos e muito trabalho. Gente de muitos lugares vislumbrou o amanhã em Rondonópolis. No vazio demográfico do solo avermelhado e arenoso à margem do Poguba milhares de mãos construíram uma cidade que a cada dia é mais metrópole e que é endereço de 259 mil cidadãos e onde o trem da Rumo Logística apita no maior terminal ferroviário de cargas agrícolas da América Latina.

A referência urbana para os sonhadores que chegavam era Rondonópolis, porém os mesmos exerciam atividades na vasta região que tem polo naquela cidade, e que  drena para as três bacias hidrográficas mato-grossenses, de Alto Taquari a Paranatinga, de Tesouro a Jaciara, de Poxoréu a Itiquira.

A imagem diz tudo: é o algodão do Medeirão

Independentemente dos acertos e erros da classe política, a iniciativa privada promoveu desenvolvimento, gerou empregos, transformou a cidade em polo regional industrial e de prestação de serviços, em centro universitário e a divulgou mundo afora. Em todas as áreas o cidadão foi o grande responsável pelas conquistas do município.  Elias Medeiros, o Medeirão, era o destino do algodão das roças de toco em São José do Povo, Nova Galileia e outras regiões no entorno de Rondonópolis; de seu armazém Medeirão o enviava para as indústrias Gessy Lever. Joaquim Português encheu as ruas e estradas com o Fusca e a Kombi vendidos por sua Rondolândia. Djalma Pimenta nos ensinou a beber o gostoso Guaraná Marajá. Artêmio Capelotto massificou a Brahma. João Belmonte e Dilson Cardozo, na Somai, inundaram o cerrado com o CBT 1090. Adão Riograndino Salles, com assistência agronômica do pesquisador Hortêncio Paro, desafiou o cerrado para Mato Grosso produzir soja pela primeira vez. Getúlio Balbino, Miguel Avena & Cia, dominaram o mercado do café empacotado nos municípios mato-grossenses. Garcia e Bonfim criaram a primeira rede regional de lojas de móveis, a Ultra Móveis Garcia. Vilson Pires à frente da Riachuelo deu ares de elegância à população. Osvaldo Pinto, criou o hábito do cinema. Aguinaldo Rufino alegrava as noites com as brincadeiras na ABR, que dirigia. Chico Félix fervilhava o carnaval com seu bar. Noel Paulino era show sertanejo na TV com patrocínio da Sementes Adriana, de Odílio Balbinotti, que em trajes gaúchos e ao som da sanfona anunciava seu produto. Aroldo Marmo de Souza chegava todas às manhãs aos lares, por meio de seu jornal A Tribuna. João Batista Ferreira Borges e Jairo Antônio da Cruz (Patureba) asseguravam o fornecimento às fazendas que eram abertas no Pantanal, no Cerrado e no Vale do Jurigue. Zeca D’Ávila sonhou e liderou a construção do Parque de Exposições Governador Wilmar Peres de Farias. O comandante Messias Magalhães revirava os céus pelo avesso com seus teco-teco. Rondonópolis não parava, não para.

O curso da trajetória institucional da cidade aconteceu por um período que a faz septuagenária e que começou com a emancipação em 10 de dezembro de 1953 pela força de uma lei de autoria do deputado João Marinho Falcão, da UDN de direita, que levou o jamegão do governador udenista Fernando Corrêa da Costa. Assim Rondonópolis deixou de ser distrito de Poxoréu e ganhou ares de cidade. Para administrar a prefeitura até a posse do primeiro prefeito eleito,  o juiz de paz assumia o cargo. Em Rondonópolis, Otacílio Fontoura era juiz de paz, mas não aceitou a indicação – seu suplente Rosalvo Fernandes Farias entrou para a história na condição de primeiro mandatário do município.

Rosalvo não dispunha de nenhuma estrutura para administrar e apenas manteve o funcionamento burocrático. Daniel Martins de Moura, primeiro prefeito eleito, destacou-se pela distribuição generosa de cartas de aforamento para os novos moradores, e visionário, construiu uma PCH no rio Ponte de Pedra, que assegurava energia firme na ponta para todos. Daniel Moura foi sucedido por Luthero Lopes que enfrentou turbulência política sendo substituído pelo vice-prefeito Lauro Mendes, e esse pelo presidente da Câmara, Antônio Joaquim Alves, o Abóbora.

Rondonópolis tinha ritmo provinciano no período de Rosalvo a Luthero Lopes. Pouco a prefeitura podia fazer socialmente para o cidadão; à época, nas pequenas cidades, a elite era quase abstrata; o mesmo chão que ficava marcado com a sola do pé do operário recebia a marca dos dedos dos abastados; sem eletroeletrônicos, sem nenhum tipo de comunicação que não fosse os Correios, sem ar-condicionado, com as ruas sem veículos; sem academias e cirurgias estéticas, havia um certo nivelamento social.

Alternância no bipartidarismo começou com Castilho

O engenheiro civil Sátiro Castilho se elegeu prefeito em 1962 e dois anos depois aconteceu a ruptura institucional. Os militares assumiram o poder e criaram o bipartidarismo. Castilho e seus sucessores Hélio Cavalcante Garcia, Zanete Cardinal, Candinho Borges Leal e Walter Ulysséa, todos abrigados na Aliança Renovadora Nacional (Arena) se revezaram no poder, até que em 1982,o deputado federal Carlos Bezerra (PMDB) conquistou a prefeitura do município, que tinha 86.028 habitantes e crescia desordenadamente pelo constante fluxo migratório.

De Castilho a Bezerra o município não desenvolveu política social, mas em compensação em Vila Operária o padre Lothar Bauchrowitz levava adiante um duplo programa em forma de guarda chuva, de construção de moradias populares e creches. A ausência da prefeitura não era tão sentida por conta das ações de padre Lothar.

Para chegar ao poder na prefeitura Bezerra lançou mão de um discurso com forte apelo social, e que foi reforçado pelo apoio que padre Lothar lhe deu e da manipulação que fazia sobre parte do recém-criado movimento comunitário.

De perfil esquerdista, Bezerra pregou justiça social, mas nada fez nesse sentido – ao contrário, apunhalou sem tetos. A eleição de Bezerra somente foi possível graças aos votos de Antônio Estolano, que concorreu para prefeito por uma sublegenda do PMDB. Eleito, Bezerra escorraçou Estolano e montou um secretário recheado por nomes importados, a exemplo de Luiz Alberto Esteves Scaloppe (de São Paulo e indicado por Orestes Quércia), Hermes de Abreu (derrotado por Cezalpino Mendes Teixeira, o Pitucha, na eleição para prefeito em Alto Garças) e Osmir Pontin, que era capitão do 18º GAC.

Bezerra iniciou a administração sem ritmo, com a inércia predominando. Seu grande trunfo publicitário para se mostrar bom administrado e abrir caminho ao Paiaguás foi uma farsa, que lamentavelmente nasceu de uma ideia que sugeri a ele – dou a mão à palmatória, mas o fiz tão somente com a intenção de projetar Rondonópolis e, consequentemente contemplar um grupo de famílias. Sobre o grande trunfo leiam nesta página no ícone Cultura, o título Bezerra.

Bezerra via a prefeitura como trampolim para o Paiaguás, que conquistou em 1986 tendo em sua equipe os mesmos secretários importados. Em 1990 Bezerra saiu esfolado pelas urnas, quando seu partido não elegeu deputado federal e perdeu as eleições majoritárias para governo e o Senado, com ele concorrendo para senador.

Em 1992 Bezerra novamente foi eleito prefeito e dois anos depois conquistou uma cadeira no Senado deixando a prefeitura ao vice Rogério Salles. Naquele período estava em ebulição um grande movimento de sem teto, que mantinha acampamento no Jardim Guanabara. Ao invés da classe política buscar solução para o problema, Bezerra partiu para uma decisão ortodoxa: promoveu uma limpeza agrária. Com sua influência no governo de Dante de Oliveira Bezerra transformou sem teto em sem terra e numa rápida ação o Estado os embarcou para projetos de assentamentos em Juína, Castanheira e outros municípios, incluindo São José do Povo. O termo limpeza agrária pode parecer pesado, mas foi isso o que ocorreu e ainda com um fato grave: o ex-prefeito de São José do Povo, Geraldo Eustáquio de Carvalho, o Geraldo da Reserva, precisava vender uma fazenda naquele município, e o Intermat generosamente a comprou para fim de reforma agrária, mas a aquisição não observou que para tal finalidade o imóvel rural precisava ter 500 hectares ou mais, o que a propriedade de Geraldo da Reserva não tinha.

Confidências entre Pátio e Bezerra

Depois do primeiro mandato de Bezerra a prefeitura foi administrada pelo vice Fausto Faria, Hermínio Barreto, por ele novamente, Rogério Salles, Alberto Carvalho, Percival Muniz, Adilton Sachetti, Zé Carlos do Pátio, Ananias Filho (num curto período), Percival Muniz, Zé Carlos do Pátio e novamente Zé Carlos do Pátio, ora no exercício do cargo. Nesse período ações sociais da prefeitura foram ínfimas, mas houve compensação com os programas de transferência de renda e de habitação do governo federal, além da ampliação da oferta de atendimento pelo SUS. Fausto, Rogério, Alberto Percival e Pátio foram moldados politicamente por Bezerra.

Em outubro deste ano as urnas entregaram Rondonópolis para Cláudio Ferreira (PL), rondonopolitano de família pobre, residente em Vila Operária, de conduta irretocável na vida pública e de berço evangélico. Cláudio, político de direita pós-liberal, administrará o município que é referência na economia agrícola nacional. Na campanha o prefeito eleito garantiu que humanizaria a relação da prefeitura com o cidadão vulnerável socialmente e que faz parte de milhares de moradores considerados invisíveis em meio ao turbilhão de desenvolvimento alavancado pela iniciativa privada. Naturalmente há dúvida por parte de alguém na concretização do propósito do prefeito eleito, o que é natural. Porém, Cláudio tem perfil do pós-liberalismo, o pensamento que rejeita o enfoque liberal sobre a economia de mercado, globalização e a visão individual sobre o conjunto social, e que propõe o princípio comunitário. Este conceito é o que falta a Rondonópolis e espero que Cláudio o implemente o mais rapidamente possível.

O compromisso de Cláudio permanece após a eleição, o que deixa claro que não se tratava de promessa política por promessa política. Sempre acreditei que ele agirá conforme disse, mas na quarta-feira (13) minha crença foi reforçada. De longe acompanhava uma coletiva do líder da direita mato-grossense, Odílio Balbinotti Filho, no Salão Negro da Assembleia Legislativa, ao lado de Cláudio que o levou àquele encontro com jornalistas. Odílio falou sobre seu projeto político para disputar o governo em 2026. Cláudio mantinha semblante alegre. Discretamente perguntei ao prefeito eleito a razão da felicidade. Em outras palavras ele disse que sente que poderá fazer mais pelos que estão na linha da pobreza ou abaixo da mesma, do que havia prometido. A resposta de Cláudio facilitou minha comparação entre o discurso socialista de esquerda de Bezerra, e a prática que o novo prefeito vai nos mostrar pelo pós-liberalismo. Melhor ainda seria se em 2026 esse modelo se expandisse de Rondolândia a Ponte Branca, de Comodoro a Vila Rica e de Apiacás a Alto Taquari, pelas mãos de Odílio.

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