Arica é tão perto e ao mesmo tempo distante de Vila Bela
Eduardo Gomes
@andradeeduardogomes
eduardogomes.ega@gmail.com
Em termos de logística internacional, Arica, importante porto da cidade do mesmo nome no Norte do Chile, é vizinho de Vila Bela da Santíssima Trindade, distante 1.600 km de seu cais, mas esta rota rodoviária para efeito de carga pesada, somente será consolidada com a pavimentação de 198 km no Brasil e na Bolívia. Trata-se de uma obra de custo relativamente baixo, principalmente se levado em conta o desenvolvimento econômico que promoverá do lado brasileiro. No entanto, esse elo da integração continental esbarra na cuiabania que vê Mato Grosso como sendo a área compreendida entre o Trevo do Lagarto e o Coxipó da Ponte; a falta de conhecimento da realidade mato-grossense por boa parte da classe política; e os interesses econômicos do grupo empresarial de Blairo Maggi.
As instalações portuárias de Arica povoam a mente de Vila Bela. A pavimentação de 78 km da MT-199 em Vila Bela e de 120 km do lado boliviano, até a cidade de San Ignacio de Velasco, liga não somente Vila Bela, mas Mato Grosso com Arica, no Pacífico, cruzando o mercado consumidor boliviano. Faz parte do plano do governador Mauro Mendes (União) pavimentar 40 km a partir de Vila Bela, e o restante ainda depende de negociação entre um proprietário rural no trajeto e o governo. O governante assegurou que ainda neste ano dará a ordem de serviço para a obra em 40 km. A lentidão burocrática, os entraves ambientais e o rito da contratação do serviço criam um cenário que no melhor dos mundos, somente permitirá o começo dos trabalhos daqui a um ano e meio – ou seja, caberá ao sucessor de Mauro Mendes realizar a pavimentação, inclusive dos 38 km inicialmente em aberto.
Do lado boliviano há interesse na obra, mas o Departamento (Estado) de Santa Cruz não tem orçamento nem capacidade de endividamento para contratar empréstimo internacional. Porém, o governador Luís Fernando Camacho Vaca informou ao prefeito de Vila Bela, André Bringsken (MDB), que tem a chancela do presidente Luís Arce para dar em concessão por 25 anos, a rodovia – carretera para os hermanos.
Mato Grosso ainda não se atentou para o significado do corredor Vila Bela-Arica. A cuiabania setorizada, a falta de conhecimento da classe política e a resistência de Blairo Maggi podem até não jogar a pá de cal no corredor, mas certamente o empurrarão com a barriga.
A pavimentação na Bolívia não seria jogar dinheiro pelo ralo como aconteceu com o porto de Mariel, em Cuba. A cobrança do pedágio na rodovia que terá tráfego intenso de pesadões, e de veículos leves, sobretudo do turismo, poderá despertar interesses de grupos brasileiros, a exemplo do que acontece em relação a um grupo chinês, de olho na concessão. Além disso, existe flexibilidade que permite uma espécie de extraterritorialidade mato-grossense na Bolívia, desde que a classe política saia da zona de conforto e se interesse em saber a importância da rota para a economia, sobretudo na fronteira, na faixa de fronteira e adjacências, para um bloco de municípios formado por Vila Bela, Pontes e Lacerda, Cáceres, São José dos Quatro Marcos, Mirassol D’Oeste, Araputanga, Lambari D’Oeste, Salto do Céu, Curvelândia, Reserva do Cabaçal, Jauru, Vale de São Domingos, Porto Esperidião, Indiavaí, Figueirópolis D’Oeste, Rio Branco, Glória D’Oeste, Nova Lacerda, Conquista D’Oeste, Porto Estrela, Barra do Bugres, Nova Olímpia e Tangará da Serra, que são municípios produtores de soja, milho, algodão, açúcar, minérios, carne bovina, frangos congelados, lácteos, ração animal, DDG e outros produtos da pauta de exportação.
Carga no sentido porto, não faltará. No trajeto inverso, há retorno de uma infinidade de containers com ferramentas e eletroeletrônicos, além de produtos chilenos e bolivianos, incluindo minério, tanto para Mato Grosso quanto para outras regiões.
O frete cheio nos dois sentidos, para cargas pesadas e de intensa movimentação é difícil. O terminal ferroviário da Rumo Logística em Rondonópolis, que escoa commodities para o porto de Santos, recebe diariamente mais de 1.200 bitrens, muitos dos quais oriundos de Sinop, distante 750 km e não há retorno para todos, mas nem por isso o modal rodoferroviário sofre interrupção.
O milho mato-grossense interessa ao Chile. Os aviários no deserto do Atacama tratam as aves com ração de peixe, cujo sabor incorpora-se ao do frango. A região é a mais árida do mundo num raio de centenas de quilômetros, o que inviabiliza sua produção agrícola e abre mercado para o cereal produzido em Mato Grosso.
A rota Vila Bela-Arica será mais uma alternativa para a ZPE de Cáceres, instalada e alfandegada, escoar produtos mundo afora, como acredita Adilson Reis, o presidente da AZPEC – administradora da ZPE – que acontecerá em breve. A distância de Cáceres a Vila Bela é de 300 km por rodovia pavimentada.
TRAVA – O acesso de Mato Grosso a Arica e aos demais portos chilenos foi um dos temas mais debatidos nos meios empresariais em Cuiabá na segunda metade dos anos 1990. Caravanas mato-grossenses visitavam o litoral do Pacífico, e chilenos traziam delegações para mesas redondas em Cuiabá. Porém, em 2002 Blairo Maggi elegeu-se governador e jogou um balde de água fria nas conversações.
Com a posse de Blairo no governo, a imprensa cuiabana passou a divulgar que a rota para o Pacífico era inviável por conta da Cordilheira dos Andes, que além de ser uma rodovia perigosa causaria desgastes nos caminhões. Articulistas considerados renomados queimavam pestana produzindo textos para desqualificar o que é chamado de Corredor Bioceânico Atlântico-Pacífico. Em 21 de fevereiro de 2005 o site da Secretaria de Estado de Fazenda postou o título Portos do Pacífico não suportam a demanda de exportação brasileira. Coincidentemente ou não o grupo empresarial de Blairo acabava de criar um pool de transporte de commodities do Chapadão do Parecis para o porto do rio Madeira em Porto Velho, onde as mesmas são embarcadas em comboios da Hermasa (do mesmo grupo) para Itacoatiara, no Amazonas; e também no período o então governante iniciou uma parceria para armazenagem de grãos em Cubatão (SP) ao lado de Santos.
QUADRANTE – Em Cáceres, no dia 21 de junho deste ano os ministros da Agricultura, Carlos Fávaro; do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet; e da Integração e do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, apresentaram a Rota Quadrante Rondon, uma das cinco Rotas de Integração Sul-Americana. É um ousado plano para interligar o Brasil por rodovias e hidrovias ao continente. Quadrante Rondon contempla Mato Grosso, mas seu enfoque é alcançar os portos peruanos no Pacífico; nenhuma obra nesse sentido interfere na ligação de Vila Bela com Arica.
A principal obra do Quadrante Rondon para a fronteira é a ampliação e modernização do Aeroporto Comandante Nelson Dantas, em Cáceres, pois na avaliação do governo federal, este aeroporto é um importante canal de acesso ao Pantanal.
AÇÃO – Por sua localização geográfica Mato Grosso tem saídas naturais em todas as direções, e o fortalecimento de suas regiões não as fazem concorrentes entre si. Para Sinop, distante 940 km de Vila Bela, o interessante é o embarque nos portos do Arco Norte, no Pará. É assim com Vila Rica, Rondonópolis, Água Boa etc. O que se faz necessário é ação política, participação da Imprensa e o interesse coletivo ou pelo menos da maioria.
Na Assembleia, sem prejuízo da realização de sessão solene para homenagear brilhantes advogados e sessões itinerantes para discutir a cor da folha da cebolinha, e mesmo destinando emendas para exposição de carros velhos ou se desmanchando em gentileza entre deputados, porque esse rito faz parte da essência legislativa, é preciso abrir espaço para a lógica parlamentar, que no momento é a rota Vila Bela-Arica. É tempo de ação objetiva, pois cada ano que passar será mais uma safra de grãos da faixa de fronteira pagando frete mais caro e perdendo competitividade no mercado internacional.
A Comissão de Relações Internacionais da Assembleia Legislativa, presidida pelo deputado Júlio Campos (União), deverá promover uma mesa redonda com a participação de representantes do governo boliviano, para debater a pavimentação da rota Vila Bela-Arica, na Bolívia.
A realização do debate foi discutida por Júlio Campos, em seu gabinete, com uma delegação de Vila Bela, com a participação do presidente da Câmara e vice-prefeito eleito Elias da Ricardo Franco (PSB) e os vereadores Flávio Ferreira de Souza e Edcley Coelho (ambos do PSB).
O ato deverá contar com a presença dos senadores Jayme Campos (União), Wellington Fagundes (PL) e Margareth Buzetti (PSD) e da bancada federal na Câmara, composta por Gisela Simona e Coronel Assis (ambos do União), Emanuel Pinheiro e Juarez Costa (ambos MDB) e Coronel Fernanda, Nelson Barbudo, José Medeiros e Abílio Júnior (todos do PL).
Wellington Fagundes preside a Frente Parlamentar Mista de Logística e Infraestrutura (Frenlogi), que será fundamental para o aprofundamento do entendimento pela pavimentação na Bolívia. O senador sempre defende a interligação com o país vizinho.
O governo estadual, superavitário no campo orçamentário, precisa cortar os gastos supérfluos, inclusive reduzindo drasticamente o orçamento para a divulgação oficial, ou seja, o jabazinho para a Imprensa. A gordura economizada poderá ganhar destinação de real interesse, como na pavimentação da MT-199.
A mídia tem que diversificar o noticiário. Sair do campo bajulativo com os cofres públicos que a patrocinam e vestir a camisa de Mato Grosso. Os textos dourados, de superficialidade não contribuem em nada para a melhoria da saúde, o reforço da segurança que tanto precisamos, a educação de ponta, a qualidade de vida, ao passo que a rota Vila Bela-Arica poderá injetar mais tributos à receita, em função do aumento de produção que desencadeará e os dólares convertidos em reais, que injetará na circulação da moeda em Mato Grosso.
TURISMO – A matéria não estaria completa se não falasse no incremento turístico que haverá quando a rota Vila Bela-Arica entrar em operação.
Em Mato Grosso o turista sai do nível do mar, no Pantanal, e chega nos Andes Bolivianos, às cidades das missões espanholas, às geleiras, Deserto do Atacama, aos animais andinos, e dependendo da rota, poderá se encantar com o Lago Titicaca a mais de 3.800 metros de altitude e o curso d’água navegável mais alto do mundo. A música andina; a cultura vila-belense, que é a maior manifestação da Mãe África fora do continente africano e que abrigou a Rainha Tereza de Benguela; as ruínas da Catedral de Vila Bela; o Curussé boliviano que incorporou-se a Porto Esperidião; o Museo de la Coca (Museu da Coca), em La Paz e a Igreja Nossa Senhora de Copacabana, naquela capital, são algumas das atrações, que poderão movimentar milhares de turistas nos dois sentidos do roteiro.
Além de incontáveis atrações, dentre as quais os botos nas águas do rio Guaporé, em Vila Bela, o turista transporá a fronteira Bolívia-Brasil demarcada pelo lendário coronel, arqueólogo e aventureiro inglês Percy Harrison Fawcett, que em 1925 desapareceu na Serra do Roncador, no Vale do Araguaia, quando buscava aquela que ele julgava ser a Cidade Z, sob a referida serra e onde viveria uma civilização muito avançada.
NARCO – Mato Grosso tem 983 km de fronteira com a Bolívia, em Poconé, Cáceres, Porto Esperidião, Vila Bela e Comodoro; desta extensão, 730 km são em solo firme. A densidade demográfica na região é baixa e disso aproveita-se o crime organizado para os crimes transnacionais, trazendo cocaína e levando veículos roubados e furtados para o país vizinho.
A topografia plana e o bioma cerrado facilitam a travessia da fronteira por vias abertas na vegetação, as chamadas cabriteiras. O vácuo do Estado na região é visível e o narcotráfico aproveita-se dessa situação.
No mundo inteiro a melhor forma de defesa de território é a ocupação populacional, o que não acontece na fronteira com a Bolívia; por falta de emprego e de oportunidade de vida, jovens são arrastados para o crime, o que faz do narcotráfico o principal empregador na área.
O fenômeno do envolvimento de jovens e mulheres com o narcotráfico é antigo e o governo mato-grossense nunca desenvolveu política para reverter esta situação. A criação da rota Vila Bela-Arica poderá desencadear o processo da agroindustrialização regional, como por exemplo esmagamento de soja, descaroçamento de algodão, curtumes e o fortalecimento da indústria frigorífica e aviária, e essas atividades poderão absorver a mão de obra ociosa, que em parte migra para a criminalidade. Falta política pública para a fronteira, e a rota Vila Bela-Arica poderá levar o governo a sair do marasmo e agir administrativa e socialmente na região, que recebeu o mais antigo processo de colonização mato-grossense, pois Vila Bela foi fundada em 19 de março de 1752 e permaneceu como capital mato-grossense até 28 de agosto de 1835, quando o governador Antônio Pedro de Alencastro transferiu a sede dos poderes para Cuiabá.
Fotos:
1 e 2 – Governo do Chile
3 e 9 – Prefeitura de Vila Bela
4 – Agência Brasil
5 – Edson Rodrigues
6 – Agência Senado
7 – Governo da Bolívia
8 – Wikipedia
O senhor é único. Permaneço sua fá número 1
Minhas reverências ao seu saber, Mestre
Excelente texto, claro, embasadoe corajoso. Interesses políticos/empresariais não podem (nem devem) sobrepor-se aos interesses coletivos.
Omar Pichetti – Engenheiro agrônomo, ex-vereador – Água Boa -via WhatsApp
A fronteira do Mato Grosso não produz nada e não tem nada para a exportação. Quem escreveu esta baboseira não sabe o que está falando.
Por favor jornalista não use artifícios para desqualificar minha Cáceres. Vila Bela é secundária. Quem tem uma ZPE, exporta e produz é a minha cidade. Francamente.
Vai ser um show de logística para a região Oeste do Mato Grosso
Se o asfalto sair a fronteira vai ser um polo de desenvolvimento.
Arnon de Freitas – Cuiabá – via WhatsApp
Excelente matéria
Dalva Peres – vereadora – Cocalinho – via WhatsApp
Infelizmente temos políticos ágeis quando a obra é de interesse pessoal e parecidos com tartarugas quando a obra é de interesse social. Esse, infelizmente, é o tipo de político que gostamos.
Valdecy Vieira – vereador – Conselvan (de Aripuanã) – via WhatsApp
Meu amigo Eduardo Gomes, quero mais uma vez, como sempre, parabenizá-lo pela excelente matéria dando oportunidade a Mato Grosso e ao Brasil para conhecerem um pouco da história e conhecer um pouco dessa importante rota que foi desarticulada há alguns anos, e que agora está ganhando força para se concretizar. O que precisamos é de pessoas como você para divulgá-la a nível de Mato Grosso e Brasil. Como sempre, uma excelente matéria. Muito obrigado mesmo.
Edcley Coelho – vereador – Vila Bela da Santíssima Trindade – via WhatsApp
Meu máximo respeito. Faço das palavras dele as minhas.
Yael Botelho – publicitária – Cuiabá (sobre o comentário do vereador Edcley Coelho) – via WhatsApp
Eduardo Gomes, estou boquiaberto, sem palavras para dizer o quanto esta reportagem sua, sensacional, abrangeu, em todos os aspectos envolvidos, puxou a orelha de quem deveria puxar. Eu vou mandar para todos, no PV do governador, do Otaviano Pivetta, do Marcelo, dos deputados que eu tenho, para que eles possam acelerar esses passos ai. Muito obrigado, pois a região Oeste depende muito dessa rota para alavancar seu desenvolvimento e a consolidação de toda a estrutura que trará renda para nossos munícipes e em especial para nossa fronteira. Então, muito obrigado mais uma vez. Um grande abraço.
André Bringsken – prefeito de Vila Bela da Santíssima Trindade – áudio – via Whatsapp
Bom dia. Muito boa a matéria
Rui Prado – produtor rural, veterinário e ex-presidente do Sistema Famato – Campo Novo do Parecis – via WhatsApp