Boa Midia

Capítulo (quase) escondido da luta contra a aftosa

Eduardo Gomes

@andradeeduardogomes

eduardogomes.ega@gmail.com

 

Até 1995 a febre aftosa era o grande nó da pecuária mato-grossense e focos da doença pipocavam permanentemente em todas as regiões, tanto nas grandes fazendas quanto nos sítios. No ano seguinte, graças ao começo de uma fiscalização sanitária intensa, o cenário melhorou parcialmente. O último foco de aftosa foi notificado em 12 de janeiro de 1996 numa propriedade com 116 cabeças no município de Terra Nova do Norte, no Nortão. Não houve comprovação laboratorial, apenas certificação clínica – tantos eram os casos. Em Cuiabá, o Instituto de Defesa Agropecuária (Indea) foi notificado e quatro dias depois divulgou o fato. Desde então, nunca mais a doença infectou bovinos mato-grossense, epara efeito referencial 16 de janeiro entrou para a história como sendo o dia da erradicação daquela doença com forte apelo econômico.

Acima, o registro histórico. Na sequência, considerações sobre os caminhos que levaram Mato Grosso a banir a aftosa de suas invernadas.

Com a aftosa avançando sobre as invernadas Mato Grosso enfrentava barreiras sanitárias e não tinha mercado internacional para sua carne. Seu rebanho era de 14,87 milhões de cabeças com fortes indicativos de expansão, com a formação de pastagens, e com investidores do setor, que voltavam seu olhar para a faixa de fronteira com a Bolívia, Nortão, Chapadão do Parecis e o Vale do Araguaia.


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No começo dos anos 1990 o Ministério da Agricultura elaborou o Programa Nacional de Erradicação da Febre Aftosa. Em 31 de dezembro de 1979 o governador Frederico Campos instalou o Indea, que permaneceu com atuação reduzida até o começo desse programa de erradicação federal, do qual se tornou executor regional. Para reforçar o enfrentamento, em 1994 o setor pecuário liderado pela Federação da Agricultura e Pecuária (Famato) criou o Fundo Emergencial da Febre Aftosa (Fefa), que funcionou até 14 de agosto de 2009, quando foi substituído pelo Fundo Emergencial de Saúde Animal (Fesa). O pecuarista Zeca D’Ávila, então presidente da Famato, liderou e dirigiu o Fefa. Mesmo com todo o aparato oficial de enfrentamento da doença, o sucesso da erradicação tem que ser creditado em sua maior parte aos pecuaristas, que sempre cumpriram seu papel de vacinar.

O trabalho de Zeca pela vacinação foi fabuloso. De porta em porta nos sindicatos rurais ele levava a mensagem pela vacinação, nem sempre compreendida e aceita no primeiro momento, pois até então ainda havia a cultura de se aplicar querosene na nuca de mamando a caducando, como se aquela prática tivesse poder de imunização. Com paciência, mas sem abrir mão da  determinação, Zeca sacudiu Mato Grosso e merece reconhecimento por sua atuação. Presenciei e registro que certa vez, em Planalto da Serra, ele bateu na mesa com tanta força, que fraturou a mão direita.

Um calendário de vacinação associado a uma intensa fiscalização sanitária liderada pelo Indea com suporte da Delegacia Federal da Agricultura e a participação do Fefa, os sindicatos rurais e sindicatos representantes dos diversos elos da cadeia pecuária criaram uma blindagem para Mato Grosso. Em todas as etapas da vacina o índice decobertura vacinal sempre ficou acima de 98%. A doença saiu das invernadas mato-grossenses, mas permaneceu infectando do outro lado das divisas com Mato Grosso do Sul, Pará e Amazonas, além da Bolívia que tem fronteira de 983 quilômetros com Poconé, Cáceres, Porto Esperidião, Vila Bela da Santíssima Trindade e Comodoro. O rigor para impedir o ressurgimento da aftosa obrigou o uso de rifles sanitários em bovinos e ovinos em algumas ocasiões.

O reconhecimento pelo trabalho e da qualidade sanitária do rebanho aconteceu no ano de 2001, em Paris, quando a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) conferiu a Mato Grosso a certificação de zona livre de aftosa com vacinação. Ou seja, aOIE abriu a porteira do mundo para a carne bovina mato-grossense, o que lhe permitiu invadir as gôndolas do exigente mercado da União Europeia.

Sem aftosa e com o mundo escancarado aos seus produtos, os pecuaristas investiram em cruzamentos, transferência de embriões, melhoria genética do rebanho, manejo para obtenção de precocidade no abate, confinamento, semiconfinamento e outras práticas que resultaram na liderança mato-grossense na pecuária nacional. Com essa evolução e o fim das barreiras sanitárias internacionais por conta da aftosa, as plantas frigoríficas, laticínios, cooperativas e curtumes passaram a ocupar nichos de mercado mundo afora, no país e internamente, com carne bovina com osso e desossada, enlatados, miúdos comestíveis, leite, lácteos e couro.

Em 2023 o Indea retirou a obrigatoriedade da vacinação contra a aftosa nos bovinos e búfalos, e em 2024 Mato Grosso foi oficialmente reconhecido pelo Ministério da Agricultura como livre da Febre Aftosa sem vacinação. Assim, o maior rebanho bovino brasileiro, com mais de 31.5 milhões de cabeças pasta sem necessidade de cobertura vacinal contra a doença que motiva este texto.

1 comentário
  1. Yael Botelho Diz

    Grande Zeca D’Ávila! 👏🏽👏🏽

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