Lula descarrila a Fico ao misturá-la com a Fiol
Eduardo Gomes
@andradeeduardogomes
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Uma audiência pública vazia e esvaziada. Assim foi a que debateu a concessão de uma ferrovia que nem mesmo o governo federal sabe qual é e para onde vai, e cuja única certeza é a de que Mato Grosso está sendo duramente penalizado.
O ato foi realizado nesta sexta-feira (14) em Cuiabá por iniciativa da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Para Mato Grosso o que interessava era a Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico), mas quanto a ela, necas de pitibiribas, pois o governo do presidente Lula deu um nó nos trilhos imaginários, que dará muito trabalho para ser desatado. A audiência foi vazia, pois contou com apenas 31 participantes sem incluir os jornalistas. Foi esvaziada pela sisudez dos burocratas da ANTT, que montaram uma mesa para dirigir o evento, onde havia apenas cinco cadeiras, uma para cada um dos barnabés de luxo.

Sobre a Fico e o que a espera em razão do nó nos trilhos imaginários, terei que sintetizar bem para evitar virar quase um livro. A Fico foi sonhada para ligar Água Boa à Ferrovia Norte Sul, em Campinorte (GO).
Em 2007 o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) contemplava a Fico, mas a mesma não saiu do papel nos governos Lula 2 e Dilma 1 e 2. Temer assumiu a Presidência e a Fico permaneceria no limbo, se não fosse a intervenção do então ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Blairo Maggi. Temer gosta de Blairo e o ouvia.
Blairo fez uma proposta para um investimento cruzado, bem ao seu estilo comercial, em outras palavras, ao mandatário ele disse: “Vamos renovar as concessões das estradas de ferro Carajás (Pará e Maranhão) e Vitória a Minas (Espírito Santo e Minas), da Vale, que vencerão em 2027, e permitir que a Vale pague essas duas outorgas construindo e entregando prontas as obras da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico)?”
Temer topou. Blairo montou uma equipe ministerial coordenada por ele e integrada por Carlos Marun (Secretaria de Governo) e Valter Casimiro (Transportes, Portos e Aviação Civil). A Vale abraçou a proposta com as duas mãos. O trajeto original seria de Água Boa a Campinorte, mas por questões topográficas foi alterado para Mara Rosa (GO). A extensão é de 383 km. Porém, a proposta original seria a ferrovia avançar para Lucas do Rio Verde e Vilhena (RO) numa extensão de 1.641 km, mas nunca houve nada de concreto para o trecho Água Boa/Vilhena.

Em 17 de setembro de 2021 o então presidente Jair Bolsonaro lançou a Fico, num ato em Mara Rosa, com a presença do governador anfitrião, Ronaldo Caiado, e sem a participação do governador Mauro Mendes (União); o deputado federal José Medeiros (PL); o deputado estadual Dr. Eugênio (PSB); e autoridades municipais, e dentre elas o prefeito de Cocalinho, Baco (União), representaram Mato Grosso.
A construção da Fico está atrasada. O cronograma, otimista, previa o final de 2025, mas obra ferroviária não se destaca pela celeridade.
GUINADA – Lula assumiu o governo e deu o nó nos trilhos imaginários da Fico. O presidente tem olho eleitoral no Nordeste e resolveu fazer uma pajelança ferroviária, misturando Fico com Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), criando um monstrengo que não será uma nem a outra. A obra planejada por Lula terá 1. 878 km segundo a ANTT ou 2.700 km segundo a mesma agência, que não tem definição clara para a ligação entre Lucas do Rio Verde, via Água Boa a Ilhéus no litoral baiano. Ou seja, se uma não sair a outra empaca. Além disso, Ilhéus não tem porto para embarque de commodities agrícolas nem para receber fertilizantes importados da Ucrânia, Rússia e outros países.
Uma das maiores autoridades sobre transporte no Brasil é Luiz Antônio Pagot, que presidiu o Dnit, e mostrou a realidade sobre os imaginários trilhos. Sobre a inexistência do porto em Ilhéus, Pagou disse, “Se nós não tivermos nessa ponta o porto de Ilhéus devidamente estruturado para todos os tipos de cargas que esse corredor ferroviário poderá transportar, obviamente vai ficar um projeto capenga”. E completou em tom apocalíptico, “Se o governo não tiver comprometido com o porto de Ilhéus, esquece, que esse projeto não fica de pé.”

Não há clareza sobre o sonho de Lula, pois não há projeto para tanto. A ANTT e o restante do governo não sabem se a União ou a iniciativa privada construirão a ferrovia, ou se a mesma será compartilhada por ambas e quais trechos ficarão afetos a uma e a outra. Na antevéspera da audiência, o vice-presidente da Assembleia Legislativa, Júlio Campos (União) postou um artigo em vários sites mato-grossenses questionando a ANTT por transparência sobre a Fico e observando que o tema deveria ser tratado em audiências em Água Boa e outras cidades no eixo de influência da Fico.
Na audiência, o deputado estadual Wilson Santos (PSD) questionou o ouvidor da ANTT, Robson Crepaldi, e pediu que ele o respondesse de imediato, pois teria que participar de uma audiência em Jangada sobre a rodovia BR-163/364. Crepaldi não o atendeu e lacônico lembrou ao parlamentar que o conteúdo da audiência seria disponibilizado no Youtube.

O trajeto da Fico é no Vale do Araguaia, região representada na Assembleia Legislativa pelo deputado Dr. Eugênio, que na sua participação na audiência lamentou a falta de audiência pública em Água Boa, onde é domiciliado, e em outras cidades do percurso dos trilhos. Num desabafo, Dr. Eugênio pediu à ANTT que interferisse para desatrelar a Fico da Fiol, para não comprometer a conclusão da primeira, cujas obras estão atrasadas.
SÍNTESE – O nó dado por Lula nos trilhos imaginários desconfigura a Fico. Não pensem que a Vale irá questionar o governo pela pajelança. O presidente quer empurrar a obra com a barriga, mas sem deixá-la parar, em busca de votos na Boa Terra. Mato Grosso pagará o pato, porque a construção da Fico não poderá ser concluída, pois se isso acontecer a exportação das commodities do Araguaia mato-grossense será pela Norte-Sul via Maranhão, e Lula defende a saída por Ilhéus. Mais detalhado ainda: sem a pajelança a rota natural seria Água Boa, Mara Rosa e Maranhão. Com a pajelança o caminho passará por Correntina (BA) até Ilhéus. A distância de Mara Rosa a Correntina, pelos trilhos, será de 838 km. O pior é que nem mesmo a madrinha de batismo de Lula acredita que a obra para tanto seja abraçada pela iniciativa privada – o governo não tem recursos para tanto.

Resumidamente: Lula amordaçou o Vale do Araguaia. Lamentável que o governador Mauro Mendes; o vice-governador Otaviano Pivetta (Republicanos); toda a bancada federal, incluindo o senador Wellington Fagundes (PL), presidente da Frente Parlamentar Mista de Logística (FRENLOGI); o secretário estadual de Infraestrutura e Logística, Marcelo Oliveira; os prefeitos Mariano Kolankiewicz (MDB), Narizinho (PSB) e Baco, respectivamente de Água Boa, Nova Nazaré e Cocalinho, no trajeto da Fico, sequer tomaram conhecimento da audiência pública e permanecem tão calados quanto antes da mesma. Mas, o pior silêncio será o do apito do trem, pelo menos nos próximos anos, pelo destempero de Lula e a omissão de tantas vozes falantes em Mato Grosso.
Fotos:
1 e 5 – Diogo Palomares/ALMT
2 – Eduardo Gomes
3 – Agência Brasil
4 – Edson Rodrigues/ALMT
6 – Poder 360