História mal explicada de Oscip no Hospital Central de Cuiabá
Eduardo Gomes
@andradeeduardogomes
eduardogomes.ega@gmail.com
Goela abaixo. O governo estadual tem pressa para entregar a gestão do Hospital Central de Cuiabá para uma Oscip. O governador Mauro Mendes agendou para o próximo dia 22 a assinatura de um contrato com uma Organização Social de Saúde (OSS) da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, que responde pelo famoso Hospital Albert Einstein, na capital paulista. Para o jamegão, a Assembleia terá que aprovar, hoje (16), um projeto entregando um cheque em branco ao governante para Mato Grosso pagar 34,9 milhões mensais pela gestão, que será feita pela Oscip citada, que está sob palavra empenhada para sua contratação ao fio do bigode, sem chamada pública e com a transparência de fundo de garrafa de Coca Cola.
Assim, ó! – A Secretaria de Estado de Saúde (SES) e o Albert Einstein estão unidos antes mesmo da contratação da Oscip. O hospital presta duas consultorias ao governo, por mais de 5 milhões.
Tão logo a Assembleia assine o cheque em branco, a SES deixará a gestão do Hospital da Santa Casa de Cuiabá e seus pacientes terão que ser transferidos para o Hospital Central. Isso mesmo! A bicentenária e escandalosa em alguns momentos Santa Casa de Cuiabá, que virou Hospital Estadual Santa Casa, sairá de cena. Será página virada. Esse pode ser um capítulo aterrador.
O Hospital Estadual Santa Casa é referência estadual em hemodiálise pediátrica. Pacientes não apenas de Cuiabá e Várzea Grande, mas de todas as regiões fazem sessões naquela instituição de saúde a um passo da desativação. Desativação porque a Prefeitura de Cuiabá não tem condições de levá-la adiante e não há nenhuma sinalização sobre a possibilidade de sua federalização.
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Os funcionários contratados do Hospital Estadual Santa Casa poderão ser jogados no olho da rua. Os servidores estaduais da Saúde Pública que aguardam convocação para seus postos, não deverão fazer parte da gestão do Hospital Central.
Fica um alerta: o desmonte do Hospital Estadual Santa Casa praticamente neutralizará a lógica da capacidade atendimento do Hospital Central, senão vejamos: ao invés de ser encaminhado para o primeiro, o paciente regulado irá para o segundo – pura mudança de endereço, com o Hospital Central canibalizando o Hospital Estadual Santa Casa. Essa realidade precisa ser levada em conta pelos deputados e a população.
O governo aplica 221,8 milhões na obra do Hospital Central e mostra forte contradição: abrirá 287 leitos de enfermaria e ao mesmo tempo fechará 177 leitos no Hospital Estadual Santa Casa, unidade de saúde assumida em 2 de maio de 2019, por determinação de Mauro Mendes, pois desde 11 de março daquele ano a Santa Casa estava em greve, mergulhada numa dívida de 118 milhões e os seus 800 servidores não recebidam salário há seis meses.
Avaliem: Não há razoabilidade administrativa nem respeito aos municípios que enfrentam graves problemas de saúde. O governo investir mais de 221 milhões para abrir 110 leitos (considerando-se o fechamento de 177 leitos no Hospital Estadual Santa Casa) em Cuiabá é algo que não pode ser admissível. Parte da dinheirama é destinada a construir para receber pacientes que já são atendidos. Fica até difícil qualificar uma atitude assim.
Em suma em Cuiabá o governo fecha um hospital, abre outro que será destinado a boa parte dos pacientes daquele que será riscado do mapa, enquanto os municípios agonizam por falta de leitos, UTIs e até médicos.
CONHECIMENTO – A legislatura da Assembleia Legislativa mudou pouco em relação a anterior, quando da estadualização da Santa Casa, medida essa que recebeu aval dos deputados, o que permitiu a retomada do atendimento, muito embora a massa falida tenha ficado sob a tutela do Tribunal Regional do Trabalho da 23ªRegião e que hoje representa uma dívida trabalhista de 52 milhões.

Quando a Assembleia avalizou o governo a assumir a Santa Casa, 17 dos atuais deputados estaduais exerciam mandato: Wilson Santos e Nininho (ambos do PSD), Dilmar Dal Bosco, Eduardo Botelho e Sebastião Rezende (todos do União Brasil), Elizeu Nascimento e Gilberto Cattani (ambos do PL), o presidente Max Russi e Dr. Eugênio (ambos do PSB), Carlos Avallone (PSDB), Paulo Araújo (PP), Lúdio Cabral e Valdir Barranco (ambos do PT), Thiago Silva, Janaína Riva e Dr. João (todos do MDB) e Valmir Moretto (Republicanos). Portanto, o Legislativo conhece bem os fatos, o que facilita o juízo de valor sobre a proposta de varrer o Hospital Estadual Santa Casa da face da terra e levar seus pacientes para o Hospital Central. Vale observar que Avallone e Dr. Eugênio estão licenciados pelo sistema de rodízio parlamentar e substituídos por Adenilson Rocha e Marildes Ferreira, respectivamente; em situação assim o suplente assume compromisso de votar com o interesse do titular ou volta para a suplência.
MEMÓRIA – O Hospital Central começou em 1984, o vice-presidente da Assembleia, Júlio Campos (União) era governador. Em 1986 ao desincompatilizar-se do cargo para concorrer e vencer a eleição para deputado federal, Júlio Campos havia construído cerca de 60% daquela unidade hospitalar. Seus sucessores Wilmar Peres de Faria, Carlos Bezerra, Edson de Freitas, Jayme Campos, Dante de Oliveira, Rogério Salles, Blairo Maggi, Silval Barbosa e Pedro Taques não o levaram adiante; Mauro Mendes assumiu o governo em 2019 e cumpriu o mandato sem retomar a obra, mas o fez ao reeleger-se em 2022.
Oscip – Falar em Oscip em Mato Grosso é o mesmo que mencionar corda em casa de enforcado. No passado, não foram poucos os escândalos na Saúde Pública envolvendo esse tipo de organização. A contratação da Oscip do Hospital Albert Einstein suscita algumas questões:
Primeiro – A contratação ao fio do bigode sem consulta pública desqualifica as regras vigentes e joga por terra todos princípios da ética na gestão pública. Com consulta pública cria-se condições para que interessados na gestão tenham condições de competir com os demais apresentando custos menores. Sem a consulta é o mesmo que alguém disputar sozinho uma corrida e chegar em segundo lutar – é vitória na certa.

Segundo – A previsão é que o hospital entre em funcionamento em setembro, de modo gradual. No entanto, o contrato especifica apenas o pagamento do atendimento cheio, de 34,9 milhões. Porém, até que o atendimento alcance 100% da capacidade a Oscip estará recebendo por serviços não prestados. Qual será o critério para eventual redução do desembolso da SES, ou tudo funcionará em termos de cortesia entre as partes? Ontem (14) cobri uma coletiva do deputado estadual e médico Lúdio Cabral (PT) e o questionei sobre isso. Lúdio não teve resposta, mas assegurou que fará cobrança nesse sentido.
Mauro Mendes ao citar o montante destacou que os 34,9 milhões serão reduzidos para 24,9 milhões por conta de um aporte mensal de 10 milhões do Ministério da Saúde, como pagamento por habilitação de serviços para determinados atendimentos especializados.
Terceiro – Para contratar a Oscip, o secretário de Saúde, Gilberto Figueiredo, não ouviu as entidades sindicais dos servidores da Saúde Pública, nem o Conselho Regional de Medicina e sequer comentou o fato com diretores de hospitais públicos, prefeitos que participam de consórcios regionais de saúde; ninguém.

O tema foi tratado apenas uma vez com a Assembleia Legislativa, numa audiência pública no dia 14 deste mês. Mais e pior: o projeto enviado pelo governo à Assembleia pedindo o cheque em branco é em regime de urgência. Avaliem: a obra do hospital permaneceu paralisada 34 anos e ao ser retomada Mauro Mendes quer definir o modelo de gestão sem tempo para análise profunda pelos parlamentares.
Na audiência o presidente do Sindicato dos Servidores da Saúde (SISMA), Carlos Mesquita, deixou claro que o SISMA e os servidores são contrários ao modelo de gestão apresentado por Gilberto Figueiredo.
Também na audiência, a presidente da Federação dos Servidores do Estado de Mato Grosso, Carmen Sílvia Campos Machado, disse de sua preocupação com o modelo de gestão defendido por Mauro Mendes e Gilberto Figueiredo. A sindicalista acrescentou que terceirização e privatização de serviços públicos “historicamente têm gerado prejuízos para os profissionais da Saúde e para a população”.
Do ponto de vista democrático, a gestão do Hospital Central precisaria ser debatida com profundidade e a decisão da Assembleia não deveria ser resultante da força da base governista, mas da razoabilidade em defesa da população que depende do sistema de Saúde Pública.
Quarto – Lúdio Cabral questiona o fato de a Oscip do Albert Einstein não ser credenciada para operar em Mato Grosso. Gilberto Figueiredo rebate sustentando que ela tem um ano para atender às exigências. Além disso o secretário insiste em destacar a excelência dos serviços do Albert Einstein, de padrão internacional, porém sem que os mesmos se repitam na Oscip.
RESUMO – Amanhã (16) os deputados decidirão sob pressão do regime de urgência se aprovam ou não o projeto de Mauro Mendes. Mantida a tradição governista do Legislativo, o dia 22 não será apenas a data da descoberta oficial do Brasil, mas o marco da entrega da gestão do Hospital Central de Cuiabá a um Oscip contemplada com uma escolha sem consulta pública por um montante decidido entre as partes restando ao povo de Mato Grosso o jus sperniandi.
Fotos:
1,2,3 e 7 – Secom MT
4, 5 e 6 – ALMT
Excelente artigo. Me permita uma única sugestão:
No nosso governo, junto com o setor produtivo, Júlio da Ginco, Júnior Verdão, dentre outros, construímos 4 mil metros de obras no hospital central, com piscina aquecida, consultórios etc. e transferimos para lá o Centro de Reabilitação Dom Aquino Corrêa, o CRIDAC, que funcionava na frente do Dutrinha. Mais de 4.000 pacientes, inclusive do interior, passaram a ser atendidos.
Na política, como na guerra, a primeira vítima é a verdade.
Obrigado. Paz e bem
Pedro Taques – ex-governador de Mato Grosso