Boa Midia

Flecha em comum entre eles

Aos sábados, domingos e feriados nacionais Curtas transcreve um capítulo do livro “Dois dedos de prosa em silêncio – pra rir, refletir e arguir“, escrito pelo jornalista Eduardo Gomes de Andrade, sem apoio das leis de incentivos culturais. A ilustração da obra e nesta postagem é de Generino.

Nhambiquara não erra alvo. Tanto não erra que acertou o peito do coronel Rondon com uma flecha envenenada. O herói mato-grossense foi salvo pela bandoleira de couro de sua espingarda, onde a haste encravou. Ao invés de mandar seus subordinados reagirem, bateu em retirada, não sem antes cunhar aquela que seria sua frase mais conhecida e que tão bem emoldura seu perfil humanista: “Morrer se preciso for; matar nunca”.

A flechada em setembro de 1913, no cerrado do Chapadão do Parecis, é referência obrigatória na biografia daquele que mais tarde seria o Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, Patrono das Comunicações no Brasil, Patrono da Arma de Comunicação do Exército e que emprestaria seu nome ao Estado de Rondônia, a cidades, avenidas, ruas, bairros, praças, conjuntos habitacionais, lojas maçônicas, viadutos, rodovias, faculdades, escolas, quartéis, aeroportos, prédios, centros acadêmicos e etc.

A flecha que acertou a bandoleira do mato-grossense mais ilustre e famoso foi guardada como relíquia, virou peça importante do acervo histórico do grande militar e sertanista que pacificou povos indígenas, demarcou fronteiras e que escreveu a maior e mais bela página da brasilidade nos séculos XIX e XX.

Em 2007, Mato Grosso celebrou o centenário do início das atividades da “Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas”, que foi comandada pelo então major Rondon. O ponto culminante do evento foi reservado a Mimoso, a vila onde o herói nasceu, no município de Santo Antônio de Leverger, à margem da Baía Chacororé, no Alto Pantanal.

O governador Blairo Maggi foi a Mimoso com seu secretariado celebrar o centenário. Também foram senadores, deputados federais e estaduais, prefeitos, vereadores, outras autoridades, jornalistas e o professor e político Aecim Tocantins, que ainda muito jovem foi amigo do Marechal Rondon, com o qual se correspondia.

A jornalista Edina Araújo, então assessora de imprensa da Agência de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Estado de Mato Grosso (Ager) acompanhava e cobria a celebração.

Jornalistas corriam pra lá e pra cá, trombando num mar de autoridades. Edina era um deles, muito embora o assunto não tivesse nada a ver com regulação de serviços públicos.

Blairo encerrava a solenidade com um pronunciamento sem economizar elogios ao Marechal Rondon. No salão onde as autoridades se encontravam não cabia mais ninguém; mesmo assim os jornalistas teimavam na correria pra lá e pra cá. Do lado de fora os músicos da banda da Polícia Militar, todos suados pela alta temporada e a inclemência do sol, aguardavam; pouco antes aqueles policiais militares executaram hinos e rasqueado, que é a música da terra.

O pronunciamento de Blairo é interrompido várias vezes por palmas. Ao lado do governador, que fala em pé, a famosa flecha que por pouco não tirou a vida do herói ali reverenciado.

Com um caderninho à mão e de salto alto Edina tenta passar por trás do orador, mas não consegue: escorrega e cai sobre a flecha. Um silêncio ensurdecedor toma conta do ambiente. A jornalista tenta se levar, mas não dá conta. Blairo deixa o microfone sobre a mesa, lhe estende a mão. O ex-secretário de Educação e à espera de ser nomeado presidente do Dnit, Luiz Antônio Pagot, a segura pela cintura ajudando a levantá-la. Lentamente ela sai do chão. Antes que se erguesse por completo uma moradora com sotaque bem carregado no cuiabanês a repreende com firmeza: “Xia, e ixxo é cojá que se fazzz com a fretcha do Marechá Randão?”.

O governador se contém, mas os presentes se desmancham em risada com a fala da cuiabana, captada pelo microfone. Edina sente fortes dores e vai para Cuiabá em busca de hospital. A jornalista sofreu deslocamento do ombro esquerdo e durante 60 dias fica presa a uma tipoia.

Depois do socorro à jornalista o governador pega novamente o microfone, mas não há nada mais a ser dito sobre o herói. Blairo sente que precisa tocar no fato e improvisa: “Bem, gente, a Edina agora é igual o Marechal Rondon; ela sobrevive à flecha, com o detalhe que a flecha não sobrevive a ela”.

 

EDUARDO GOMES/blogdoeduardogomes

ILUSTRAÇÃO; Generino

 

 

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