40 ANOS – Uma pitada cultural
Por dever de ofício, como funcionário de um banco federal, trabalhei em várias cidades mato-grossense na última década do milênio passado, principalmente para laborar na aquisição do ouro in natura. Já na década seguinte participei como chefe de equipe de um time de motocross, que percorreu outras tantas cidades do estado, o que me deu uma boa visão do nosso continente mato-grossense.
Vivi, ouvi e participei das mais diversas ações que envolvem a nossa cultura.
Desde histórias curiosas em Nova Xavantina – que chegou a ser cotada para se tornar capital brasileira – do seu ouro com coloração e teor diferentes dos que conheci nas demais cidades, passando pela Cavalhada e Festa de São Benedito de Poconé, com suas cores berrantes e coreografias cinematográficas, até os desfiles escolares nos setes de setembro em Peixoto de Azevedo, onde víamos pessoas assistindo da porta das farmácias-clínicas, segurando o suporte com o soro para combater a malária vivax ou falciparum – definidas pela cor da medicação – onde a primeira era comum.
Convivi com artistas das mais diversas áreas.
Tenho demandas com o escultor Sebastião Veloz e sua esposa GivaGomes, artista plástica.
Residem em Guarantã do Norte, onde o primeiro desenvolve com perfeição obras de arte usando madeiras descartadas pelas fazendas.
Vi nascer do pau-brasil, mogno e amoreira queimada e inutilizada para a comercialização, uma bela mulher indígena e em profusão esculturas representando a fauna e a flora do Mato Grosso, além de uma série especial com alusão à literatura, com livros se esparramando dos troncos das árvores.
Como produtor cultural de uma exposição da GivaGomes, notei que ela jogou nas telas, toda uma década em que permaneceu na Congregação “Filha de Santa Maria da Providência”, em Anchieta, Rio de Janeiro, de 1980 a 1990, em naïf, através de cores vivas, tudo que se podia imaginar do cotidiano de freiras para o dia a dia das pessoas comuns, como um piquenique, um jogo de vôlei ou uma ceia.
Nos anos 2000 ingressei de cabeça na sétima arte e realizamos o filme “Esse aqui não!”, tendo o Joelson Santos como ator principal, ele que detém por duas oportunidades o título de melhor ator mato-grossense.
Levamos algumas peças teatrais para Tangará da Serra e intercambiamos com os grupos teatrais de Juína e Alta floresta.
Bairrista que sou realizei por algumas oportunidades, um concurso de fotografia em Rondonópolis, e o último foi do Ipê-amarelo da Praça Brasil, que veio ao chão este ano por uma lufada de vento, mas o resultado do concurso transformamos em cartão-postal, quem sabe para a posteridade.
Resultado do concurso em 2014.
Das artes plásticas tenho um bom acervo, com obras de Victor Hugo, Adir Sodré, Gervane de Paula, Márcio França, Valcides Arantes, Nilson Machado, Petterson Silva e Wander Melo.
Considero-os importantes ícones da nossa cultura, mas por afinidade e conviver na mesma cidade tenho mais contato com o Wander Melo, pois divagamos de várias formas, tanto eu tentando atrapalhá-lo nas suas concepções, como foi o caso da pauta do “Catador de Soja”, ou nos textos que produzo a seu respeito e de suas obras, como: Mouros e cristãos em Poconé:
Ouvi guizos,/ Tarol,/ Trotes e fogos./ É um farol./ Você pode até visitar/ Todo o Mato Grosso,/ Chapada, floresta e o Cerrado,/ Mas Poconé é um colosso./ Tradição/ Passada,/ De pai para filho:/ É a Cavalhada./ Cavalos e cavaleiros/ Ornamentados./ Numa guerra de muita paz,/ Muito bem coreografados./ Registro para a posteridade./ Alguém vê ali o belo./ Obra/ De Wander Melo.
Temos um vasto campo a explorar nas artes plásticas e para não ficar só num gênero faço questão de citar trabalhos que realizei como produtor cultural da Tânia Pardo, que sabe explorar os três biomas de Mato Grosso, como ninguém usando as mãos como pincéis, e teve privilégio de expor no Museu Catavento, de maior circulação e no coração de São Paulo, numa oportunidade única até agora para um artista; Marlene Trouva, com a encáustica, que é o uso de cera quente pigmentada; e a já citada GivaGomes.
São importantes personagens da nossa cultura, com trabalhos ratificados pela curadoria do competente Laudenir Antonio Gonçalves, que é Membro da Associação Brasileira de Críticos de Artes.
Não dá para esquecer o trabalho musical do nosso estado.
Fiquei feliz quando ouvi o Alfredo da Mota Menezes dizer lá da Rússia que se ouve música do nosso país por lá, principalmente a música popular brasileira. Há um programa cultural aos sábados veiculados por uma emissora estadual, que mostra muito bem nossa cultura, e o forte mesmo é a música, tanto pelo apresentador que é músico, como pela facilidade de atender e produzir o programa. Desfilam por ali grandes artistas e dá oportunidade para os novos talentos.
Como a gama é enorme prefiro me abster de nominá-los, mas deixo o registro da eterna Banda Marinho & Seus Beat Boys, sempre atuante, que leva o nome do seu fundador para todos os rincões dessa terra imensa, mesmo tendo sido dividida pela Lei Complementar Nº 31, de 11 de outubro de 1977.
Bom, já disse que sou bairrista, mas sendo piegas tenho que falar da arte que defendo com quatro pedras na mão: literatura.
Parafraseando o mito Raul Seixas, sempre digo que invento que escrevo e escrevo que invento.
Fundamos recentemente a novel Academia Rondonopolitana de Letras – ARL, pequena, modesta, sem teto, mas com o endereço fixo no coração dos seus membros. Poderia falar aqui dos seus pares, que por si já encheriam outro tanto de páginas, mas vou mesmo é referenciar o nosso imortal confrade Doutor Ailon do Carmo, sem desmerecer os demais escritores do estado. Além de trocar a toga pela pena e depois pela pelerine, posso afirmar que vive da literatura, como se fosse um Cervantes a incutir na cabeça de Dom Quixote a vitória contra o “sistema”, mesmo com a realística consultoria do Sancho Pança.
Hermélio Silva, escritor imortal da ALR, cerimonialista, produtor cultural e jornalista; reside em Rondonópolis
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