40 Anos – De conduta
Mato Grosso tem uma grande e antiga dívida com suas crianças. Esse endividamento vai além do marco temporal da divisão territorial que criou Mato Grosso do Sul.
O governo estadual não dispensa a devida atenção aos pequenos. Muitas prefeituras também não os valorizam.
Mães trabalhadoras não contam com creches em quantidade suficiente para atendimento da demanda em muitos municípios, inclusive em Cuiabá, onde o problema é gravíssimo.
Escolas precárias e algumas inclusive interditadas não oferecem a salubridade e a segurança necessárias aos estudantes, principalmente aos mais novos.
A falta de saneamento básico coloca em risco a saúde de todos, mas principalmente das crianças e idosos.
A violência banalizada que faz a população refém do medo tem efeito direto sobre as crianças, que também ficam expostas aos bandidos e que assistem na televisão noticiário carregado da brutalidade dos crimes contra a vida.
O governo não estimula, como deveria, a criação de emprego nos municípios, sem excluir os menores. Isso tem trágico desfecho. A criança pobre quando chega à fase adulta enfrenta a realidade da inexistência de mercado de trabalho para absorvê-la. Em muitos casos, o jovem desempregado e sem horizonte acaba recrutado para o tráfico, que o utiliza enquanto formiguinha – que entrega droga no varejo – e também para o transporte de grandes carregamentos de cocaína, pois em caso de abordagem policial ele não poderá ser preso.
Meninas na puberdade também são vítimas da falta de política pública digna para as crianças. Com frequência há registros de ocorrências policiais onde garotas de 13, 14 anos são encontradas em prostíbulos controlados por criminosos. A menina em formação se depara com o sexo na sua face mais cruel no mundo cão que teima em manter fechada a porta da justiça social que poderia leva-la ao amanhã melhor.
Felizmente em Mato Grosso existem algumas instituições sérias que trabalham com crianças e que preenchem parte do vazio que nasce da ausência do Estado. Também há igrejas e cidadãos que prestam relevante serviço no encaminhamento, resgate e promoção da infância e juventude.
Para agravar o universo de tanto abandono a Assembleia Legislativa criou o chamado Parlamento Mirim, pelo qual são eleitos garotos e meninas para o exercício de um figurado mandato parlamentar. É o Estado velhaco, distante das crianças, tentando criar um estranho elo entre elas e os deputados, para aumentar seu prestígio e facilitar sua eternização no poder.
O Sistema Famato, da Federação da Agricultura e Pecuária, por meio do Senar, que é o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural, criou o programa Agrinho, voltado para crianças matriculadas na rede escolar. Esse programa ao invés de cumprir seu papel protagonizou um escândalo milionário.
A Operação Cartilha desencadeada pela Polícia Federal em fevereiro de 2010 surgiu de uma investigação iniciada em 2009 por uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU), que apurou a compra de cartilhas e manuais destinados aos programas Agrinho e de Formação Rural e Promoção Social, ambos do Senar. Nas investigações foram confirmadas que contratações de entidades aparentemente sem fins lucrativos visavam, na verdade, o favorecimento de empresas do ramo gráfico em Brasília. No pivô desse escândalo surgiu a LK Editora e Comunicação, da capital federal. Essa mesma LK também manteve relação nada convencional com o Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (Indea), em outro escândalo que não teria nada a ver com o Senar, se o à época presidente do Indea, Décio Coutinho, não fosse umbilicalmente ligado ao Senar e sua cúpula.
As investigações da Operação Cartilha apontaram para Rui Prado, Homero Pereira (já falecido), Zeca D’Ávila, Antônio Carlos Carvalho de Sousa, Irene Alves Pereira, Normando Corral, todos integrantes ou ex-integrantes da cúpula da Famato, e oito dirigentes e funcionários graduados do Senar. Homero por ser deputado federal gozava de foro privilegiado e não foi ouvido na Superintendência da Polícia Federal em Cuiabá, onde parte dos acusados prestou esclarecimentos no inquérito instaurado para apurar o rombo.
Auditores da CGU acompanharam a Operação Cartilha, que apreendeu documentos no Senar em Cuiabá. A procuradora do MPF em Cuiabá, Vanessa Christina Marconi Zago Ribeiro Scarmagnani, revelou que a investigação detectou fortes indícios de fraudes nas licitações do Senar para a impressão das cartilhas didáticas dos dois programas.
Imediatamente após a deflagração da Operação Cartilha a então presidente nacional do Senar e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), senadora Katia Abreu, decretou intervenção administrativa no Senar de Mato Grosso, por tempo indeterminado. Foram afastados o presidente Normando Corral e o superintendente Antônio Carlos Carvalho; Elusio Guerreiro, do Senar em Brasília, foi nomeado interventor.
O desfecho da Operação Cartilha ficou por conta da Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF) em Brasília, que acolheu um habeas corpus dos 14 acusados. Na fundamentação da defesa o advogado Valber Melo disse que: “o Senar é uma entidade privada e não trabalha com recursos federais, o que deixa a Justiça Federal incompetente para julgar o caso”.
O ministro Fernando da Costa Tourinho Neto, ou simplesmente Tourinho Neto, magistrado de decisões polêmicas, e agora aposentado, após ser alcançado pela expulsória aos 70 anos, integrava a Terceira Turma do TRF da 1ª Região, composta ainda pelos ministros Assusete Magalhães e Carlos Olavo Pacheco de Medeiros. O relator juiz federal Klaus Kuschel não participou da sessão de julgamento.
Em entrevistas membros do MPF disseram que o rombo no Senar seria superior a R$ 9 milhões, dinheiro que escorreu para o ralo em prejuízo de crianças mato-grossenses.
Independentemente da falta de política pública e de escândalos que desviam recursos que deveriam serem destinados às crianças, espero que a população mato-grossense mantenha sempre olhar afetivo para elas, que as tenha na condição de filhos. Que Deus as proteja e que no amanhã não repitam a conduta de adultos que ora tanto as prejudicam.
Eduardo Gomes de Andrade
Editor
blogdoeduardogomes2017@gmail.com
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