Boa Midia

O pirão do vice Chico Daltro

Boa maneira pra se conhecer o passado de políticos  é a leitura do livro “Dois dedos de prosa em silêncio – pra rir, refletir e arguir“, publicado em 2015 pelo jornalista Eduardo Gomes de Andrade, sem apoio das leis de incentivos culturais e com ilustração de Generino.

No capítulo abaixo, o personagem central é Chico Daltro, que disputa mandato de deputado estadual pelo PRB na aliança liderada pelo senador e candidato ao governo Wellington Fagundes.

 

Capítulo:

O pirão do vice Chico Daltro

 

Cuiabá, sexta-feira, 31 de dezembro de 2010. A cidade vazia, parada, espera pela virada do ano. Todos estão em clima de festa, principalmente os felizardos que no dia seguinte seriam nomeados para rechonchudos cargos comissionados no governo de Silval Barbosa, que seria empossado para um mandato de quatro anos. Todos, não. O vice-governador eleito, Chico Daltro (PSD), cuspia marimbondos longe dos jornalistas. Daltro queria uma fatia do governo pra ele, de porteira fechada, e se não fosse atendido ameaçava não tomar posse, o que representaria para Silval chegar de calças curtas em baile de gala.

O azedume de Daltro foi manifestado ao chefe da Casa Civil, Éder Moraes, que era o homem forte do governo. O vice eleito disse a Éder pra que ele se virasse com Silval, pois sem espaço e poder de ordenar despesas a Vice-Governadoria do Palácio Paiaguás ficaria às moscas.

Éder corre até Silval. Explica o que está acontecendo. O governador que seria mantido no cargo debocha, solta um xingamento e depois, calmo, pergunta ao interlocutor o que havia na gordura do poder pra ser jogado ao chorão. “Temos uns penduricalhos, Excelência”, responde o homem forte do governo.

O governador manda dar as gorduras de portas fechadas ao chorão. Éder sai feito louco e chama oprocurador-geral do Estado, Dorgival Veras de Carvalho, pra preparar o decreto que seria assinado no ato da transmissão simbólica da faixa governamental do presidente da Assembleia Legislativa,Mauro Savi, para Silval.

A cidade parada e o povo sem saber o que acontecia na penumbra do poder. Éder vai a Daltro e apresenta a lista das gorduras que Silval lhe repassaria. O vice eleito lê com atenção, tenta resistir na esperança de conseguir mais. Éder o aconselha a se contentar com um passarinho na mão. “Olha Chico, eu sou o faz-tudo do governo e fiquei somente com a chefia da Casa Civil. O (deputado estadual José) Riva lhe deu a vaga de companheiro de chapa do Silval quando você estava em baixa, sem mandato, sem nada. Acho melhor aceitar, porque o governador tem espírito de garimpeiro e, de uma hora pra outra, pode botar você pra escanteio”. Um aperto de mão selou o acordo entre eles.

No dia seguinte, o primeiro do ano 2011, o Centro de Eventos Pantanal, em Cuiabá, ficou pequeno pra bajulação a Silval, que ali foi saudado com honras militares e desfile da Polícia Militar, e recebeu a faixa que simboliza o poder.

Antes do pronunciamento de posse, o Cerimonial anunciou que Sua Excelência, o vice-governador Francisco Tarquínio Daltro (o Chico Daltro) responderia pela articulação e gestão das relações internacionais do governo, a coordenação e viabilização dos projetos estratégicos para o desenvolvimento do Estado, a coordenação das políticas de Telecomunicações e a coordenação das ações da Defesa Civil e Políticas Indígenas. A informação acrescentava que o vice também seria encarregado do gerenciamento do Centro de Processamento de Dados do Estado de Mato Grosso (Cepromat), da Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos Delegados de Mato Grosso (Ager), da Agência de Fomento do Estado de Mato Grosso S. A. (MT Fomento) e do Escritório de Representação de Mato Grosso em Brasília (Ermat). 

Após o anúncio, Chico Daltro tirou uma caneta do bolso do paletó e a entregou a Silval pra que assinasse o decreto do loteamento do governo. Os dois sorriram pros registros fotográficos e as imagens dos cinegrafistas. O governador botou o chamegão no papel e sua assessoria providenciou o encaminhamento para publicação no Diário Oficial.

No momento da assinatura do decreto o governador e o vice nada disseram nem demonstraram o clima tenso que havia entre eles. Protagonizaram uma cena perfeita de teatro. Finda a solenidade, cada um foi pro seu canto levando sua fatia do bolo do poder. O governo que ali começava tinha tudo pra dar errado. E deu.

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