Dom Pedro Casaldáliga é herói ou vilão?
Pere Maria Casaldàliga i Pla é o nome civil do bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia, Dom Pedro Casaldàliga, catalão de Balsareny, Barcelona, Espanha, nascido em 16 de fevereiro de 1928. Escritor e pensador respeitado internacionalmente, ícone da Igreja Progressista e da esquerda brasileira, sem dúvida Dom Pedro Casaldáliga é a figura mato-grossense mais conhecida no exterior.
Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Campinas e pela Universidade Federal de Mato Grosso, Dom Pedro Casaldáliga é cultuado por alguns segmentos, pela linha de raciocínio que assume.
Independentemente do que fez, ele é realmente Personagem de Mato Grosso.
Dom Pedro Casaldáliga é herói ou vilão?
Defensor dos sem-terra e dos índios, paladino na luta contra o capitalismo, ponta-de-lança do socialismo no Vale do Araguaia. Ou guardião dos interesses econômicos da Santa Sé e agente infiltrado entre os que lutavam pela posse da terra, para impedir que avançassem sobre o patrimônio que defendia?
Qual desses conceitos melhor definiria o bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga, no período em que chefiava a igreja católica na imensidão da região também conhecida por Intervales, e que era marcada por conflitos agrários?
Pensador. Escritor. De posicionamento verbal firme e externado com inquestionável serenidade. Assim se apresentava Dom Pedro Casaldáliga quando bispo prelado de São Félix.
Ao perfil apresentado por Dom Pedro Casaldáliga se acrescia sempre a simpatia de jornalistas que o douravam nos textos. Com isso o então bispo de São Félix virou mito, ou cult, como queiram.
Os textos sobre Dom Pedro Casaldáliga eram produzidos por jornalistas de fora, que quando muito faziam rápidas incursões à Prelazia de São Félix, nas barrancas do rio Araguaia, distante 1.280 quilômetros de Cuiabá, diante da Ilha do Bananal. Nunca houve preocupação de se fazer o chamado jornalismo investigativo sobre dom Pedro Casaldáliga. Era a palavra dele e pronto!
O espanhol Dom Pedro Casaldáliga chegou ao Araguaia em maio de 1970, imediatamente após sua designação para o cargo de administrador apostólico da Prelazia de São Félix do Araguaia, em 27 de abril daquele ano, pelo papa Paulo VI. O mesmo pontífice o nomeou bispo prelado e sua posse aconteceu em 27 de agosto de 1971. Permaneceu à frente da Igreja Nossa Senhora da Assunção, em São Félix, até 2 de fevereiro de 2005. Alcançado pela expulsória canônica aos 70 anos, deixou a batina para se tornar bispo emérito.
Padre assassinado
A violência tão comum nas áreas de colonização não excluía a região da Prelazia de São Félix.
Em 11 de outubro de 1976, dom Pedro Casaldáliga acompanhado pelo padre João Bosco Penido Burnier, se encontrava na vila que mais tarde seria a cidade de Ribeirão Cascalheira, onde ficou sabendo que policiais estariam torturando uma senhora parente de um homem acusado de crime, para que denunciasse onde o mesmo se encontrava. Burnier tomou as dores da vítima e foi à delegacia. Diante do que viu, o sacerdote mandou que soltassem a mulher e ameaçou denunciar os torturadores aos seus superiores.
A reação de um dos policiais à ameaça de Burnier foi brutal. Disparou ferindo-o mortalmente.
O sacerdote foi removido de avião para Goiânia, mas não resistiu e morreu no dia seguinte.
O assassinato do padre Burnier não tinha conotação política nem ideológica, mas a máquina publicitária que cercava Dom Pedro Casaldáliga o explorou muito bem.
Lá, nem pensar!
Ao longo de sua liderança na Prelazia de São Félix, Dom Pedro Casaldáliga testemunhou o maior ciclo de desenvolvimento de Mato Grosso, porém, sua região foi a que menos se desenvolveu e que apresenta os piores indicadores sociais do Estado.
Na área de influência de Dom Pedro Casaldáliga Mato Grosso enfrentou os mais graves problemas na luta pela posse da terra. Coincidentemente ou não, o Vaticano – por seu braço econômico representado por grandes multinacionais, inclusive a fabricante de armas Beretta – manteve ao lado da Prelazia o maior latifúndio do Brasil e provavelmente do mundo, a fazenda Suiá-Missú, com 750 mil hectares em 17 escrituras lavradas por ordem alfabética.
Invasões de áreas aconteciam rotineiramente no Vale do Araguaia. Dom Pedro Casaldáliga sempre estava por trás dessas ações, mas nunca nenhum sem-terra se atreveu a desrespeitar o arame da cerca ou cruzar o picadão da Suiá-Missú, que na região era conhecida como “Fazenda do Papa”
Pequenas e médias propriedades sempre estavam na mira das invasões. Quem produzia em escala também não era poupado. Em Santa Terezinha, a Companhia de Desenvolvimento do Araguaia (Codeara), que explorava seringais de cultivo não tinha trégua para produzir látex.
Ninguém sabe o que acontecia na fazenda Suiá-Missú. Nunca se falou em biopirataria por aquelas bandas. Nunca se tocou na hipótese da utilização daquela área para teste de poderosas armas convencionais da Beretta. Jamais se fez inventário da devastação florestal nem do comércio de bovinos da propriedade. No auge da Suiá-Missú seu rebanho bovino alcançou a marca de 100 mil matrizes, ao lado da sede havia agência do Bradesco, hospital e infraestrutura urbana básica para a direção italiana da propriedade. Daquela gleba a Funai desmembrou 155 mil hectares e cartorialmente a jogou sobre a reserva Xavante Marãiwatsédé criada no boom da expansão das terras indígenas, mas sem amarração nas divisas – à época não havia georreferenciamento.
Suiá-Missú esteve sob o domínio italiano de meados dos anos 1960 até 1992, quando aconteceu a ECO-92 no Rio de Janeiro e as empresas prepostas do Vaticano revelaram o desejo de desmoronar o remanescente daquele que foi o símbolo mundial do latifúndio. Marãwaitsédé foi desmembrada de uma área no cruzamento das rodovias federias 158 e 242, que não mais interessava ao Vaticano, e na Eco 92 foi doada ao governo brasileiro.
Antes da ECO-92 grandes áreas da dita Fazenda do Papa, ao Norte do que é hoje Maráwaitsédé, foram vendidas pelos prepostos do Vaticano a pecuaristas.
Sem interesse econômico na área que seria Marãiwatsédé a Santa Sé com apoio da Funai, Ministério Público Federal e ONGs internacionais partiu em busca da demarcação e reintegração daquela que seria a área Xavante Marãiwatsede, com 155 mil hectares na Suiá-Missú.
Em nome da igreja, Dom Pedro Casaldáliga sustentou que Marãiwatsédé seria parte de Suiá-Míssú. Na bandeja, a papelada antropológica montada para sustentar a tese do prelado foi entregue ao governo federal com a devida doação cartorial do imóvel.
O governo de Itamar Franco aceitou a generosidade e a papelada tramitou. Em dezembro de 2012 uma operação de guerra com as impressões digitais do Supremo Tribunal Federal e do então juiz federal Julier Sebastião da Silva, em Cuiabá, botou cinco mil brasileiros à beira da estrada ao demolir a vila de Estrela do Araguaia, mais conhecida por Posto da Mata, e expulsou moradores na zona rural na área que se estende por São Félix do Araguaia, Alto Boa Vista e Bom Jesus do Araguaia, no cruzamento das rodovias federais 242 e 158.
Vá ao Araguaia e descubra quem é Dom Pedro
Herói ou vilão? Neste curto texto é impossível descrever o que aconteceu – e o que deixou de acontecer – na área do Vale Araguaia sob a liderança de Dom Pedro Casaldáliga.
Melhor juízo fará aquele que for a São Félix e entorno. Lá, é possível ouvir dos personagens anônimos que conheceram Suiá-Missú, que testemunharam o papel de Dom Pedro Casaldáliga, e que sentiram na pele o que é viver do lado de fora da cerca do latifúndio do papa, protegido por um bispo que rezava pela estranha cartilha de mandar tomar terra de seus proprietários, para manter intocável o maior latifúndio do mundo registrado em nome do sucessor do apóstolo Pedro.
Eduardo Gomes de Andrade – editor de blogdoeduardogomes
FOTOS:
1 e 3 – Arquivo blogdoeduardogomes
2 – Galeria dos Mártires da Igreja Católica
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