Boa Midia

Se Mandetta conhecesse Peixoto de Azevedo continuaria ministro

Mandetta caiu
Luiz Henrique Mandetta e Nelson Luiz Sperle Teich têm muito em comum. São médicos, do presidente Jair Bolsonaro ganharam pontapé no traseiro, não conhecem Peixoto de Azevedo e sequer sabem algo sobre o Ciclo do Ouro que botou em fervura aquela cidade na divisa com o Pará– se conhecessem suas biografias não teriam a marca do coturno de Bolsonaro. 
Mandetta, nosso vizinho ao Sul, no naco que um dia foi Mato Grosso, se tivesse vivido um dia sequer em Peixoto, continuaria ministro do presidente Jair Bolsonaro que insiste na cloroquina, e o carioca Teich nem precisaria entrar nesse texto. É nisso que dá, ficar plantado em Campo Grande quando se tem ao lado o belo, misterioso e imprevisível Mato Grosso pra se conhecer.
Afinal, de que maneira, Peixoto, no Ciclo do Ouro, poderia ter blindado Mandetta?
1985 - Rua do Comércio em Peixoto de Azevedo
1985 – Rua do Comércio em Peixoto de Azevedo

Da explosão do garimpo, – fofoca, como se diz no jargão garimpeiro – ao êxodo. Da riqueza fácil ao caos que a deixou a um passo de ser cidade fantasma. Foi assim com Peixoto, que viveu o Ciclo do Ouro no Nortão – curto período marcado por assassinatos, malária, balanças de precisão em muitas portas abertas na Rua do Comércio; de intensa movimentação de mono e bimotores e caminhonetes de frete transportando doentes e garimpeiros sonhadores; de ônibus despejando levas de aventureiros. Em suma, no auge da opulência e quando o declínio começou, Peixoto era um fuzuê danado, onde a verdadeira moeda circulante era o grama do ouro. Mas, não somente o metal mais cobiçado do mundo inteiro dava as cartas. Havia também a cloroquina, a droga salvadora que derrotava a malária até mesmo pra quem estava a um passo da morte. Taí a resposta: se o ex-ministro tivesse andado por lá, ministro continuaria sem que o fármaco sonhado pelo presidente Jair Bolsonaro curasse ou matasse alguém afetado pelo vírus chinês.

De novo em Peixoto. O grama do ouro cotava o sexo nos incontáveis cabarés e também era parâmetro pra compra de ingressos aos shows no Clube Maranhense, com Amado Batista, Waldick Soriano, Walter Basso, Gretchen – a Rainha do Bumbum, Pedro Bento & Zé da Estrada. Ele também garantia nas farmácias o salvador comprimido de quinino para espantar a febre quando o Hospital da Malária, da Irmã Maria Adelis, na vizinha Matupá, estava superlotado.
– Quinino; se ouvi bem?
– Isso mesmo. Quinino é a mãe da cloroquina, o fármaco descoberto em 1934 num laboratório da Bayer, na Alemanha, pelo pesquisador Hans Andersag. Ou como diria o antigo comercial no rádio: (Mafu é Bayer) e se é Bayer é bom (, Mafu)!  
Comprimidos de quinino
Comprimidos de quinino

– Mãe com nome masculino?

– É que brasileiro avacalha denominações e verbalmente até mistura os sexos. A mamãe cientificamente é denominada Coutarea hexandra Schum, mas atende por muito nomes. No garimpo, no caso em Peixoto, onde era considerada santo – olhem a mudança de sexo novamente – remédio tinha muitos rótulos, mas o que prevalecia era quinino.
Quinino salvador, como se dizia, muito embora boa parte dos que se tratavam acamados em redes nem sempre saísse das mesmas para a vida. A posologia era comum a todos: dois compridos de 650 mg a cada oito horas. Oito ou 10 dias depois de iniciado o tratamento, quem escapasse continuaria tentando a sorte. Os demais – os deixemos em paz. Acontece que a cura não era creditada somente ao comprido: havia sempre, quase sempre, outro fator positivo, que era o soro de quinino. Na verdade não se tratava de soro daquele fármaco coisa nenhuma, mas de charlatanismo de farmacêuticos que misturavam anilina ao soro fisiológico e os enfermos apostavam todas as fichas que se tratava da complementação de um tratamento salvador à lá cloroquina bolsonariana.
Era assim na Peixoto das fortunas arrancadas na terra e leito dos rios da noite para o dia.
Assim era o reino do quinino em Peixoto, a cidade onde a imaginária linha que separa a extrema pobreza, da riqueza, não passava de um punhado de metal amarelo arrancado nos garimpos. A cidade de garimpeiros que trabalhavam do nascer ao pôr do sol era a mesma onde eles se esbaldavam à noite nas orgias, e também de crimes e impunidade. Aquele período não mais existe. Cedeu lugar a uma nova era, de comércio solidificado, de agricultura e pecuária com sinais de vitalidade, de extração mineral organizada e ambientalmente correta.
O Ciclo do Ouro se estendeu de 1978 ao começo de 1995. A política mineral do presidente Collor de Mello e até mesmo a escassez do metal para extração manual pelos garimpeiros decretaram o fim daquele período. Em 1995 no auge da movimentação a população chegou a 47.009 habitantes e 10 anos depois despencou para 19.224. Casas vazias, lojas fechadas, a cidade ganhou ar fantasmagórico. Agora subiu para 34.976.
Àquela época, no Ciclo do Ouro, em Peixoto se morria de balária – mistura de bala com malária. Pra primeira, ancorada na lei do tresoitão não havia doutor nem farmacêutico que desse jeito e a única forma de se tentar escapar era a Cuiabá-Santarém ora um canudo interminável de poeira ora um atoleiro sem fim, dependendo da época do ano. Pra outra, sim. O quinino e o soro azulado que formavam a dupla o Bom e o Coisa Nenhuma.
Mandetta não esteve em Peixoto. Pena! De Campo Grande, seu berço, até o antigo reino do garimpo são 1.420 quilômetros. Mesmo assim ele não conheceu nem conhece aquele bom pedaço do Brasil. Se no Ciclo do Ouro o ex-ministro tivesse botado os pés na Rua do Comércio onde farmácias com enfermarias se misturavam com compras de ouro, cabarés, bares, pontos de táxis, restaurantes e lojas de discos e de equipamentos para garimpagem, certamente ele estaria no Ministério da Saúde, ainda que o chefe Bolsonaro o espremesse pela cloroquina.
– Quer dizer, então, que Mandetta engoliria a cloroquina endeusada pelo presidente?
– Engolir, engolir, não, mas fazer de morto, sim. Essa cloroquina que foi o pavio para dupla degola no Ministério da Saúde; que fomenta a discórdia nacional nas redes sociais; e que dá discurso a anônimas nulidades ora em defesa ora em ataques a Bolsonaro não deveria chegar ao patamar onde se encontra. Não deveria!
Emanuel Pinheiro e o episódio do paletó

Se Mandetta tivesse conhecido o Ciclo do Ouro em Peixoto deixaria que a fala de Bolsonaro entrasse por um e saísse por outro ouvido, ainda que o presidente ocupasse cadeia de rádio e televisão pra receitar o fármaco que não tem indicação médica contra o coronavírus, doença que ainda desafia a pesquisa, e contra a qual não existe medicamento nem vacina. Bastava ouvir o chefe, sorrir, mas sem deixar que a cloroquina interferisse na luta contra a pandemia e não se descabelasse pela insistência de alguns setores em abrir as portas, de pais que querem os filhos na escola presencial – isso é coisa do temperamento de brasileiro que cedia a veia ao soro azulado, vota em Lula da Silva e Pedro Taques ou Mauro Mendesengole o duodécimo da Câmara de Cuiabá, acredita em seriedade sindical, sataniza a Polícia Militar, aposta na inocência de Emanuel Pinheiro no episódio do paletó, chora o fim da era Riva, partidariza  a pandemia torcendo pelo vírus e aplaude a correria do Centrão  de Carlos Fávaro, Jayme Campos, Neri Geller, Wellington Fagundes, Leonardo Albuquerque, Emanuelzinho Pinheiro, José Medeiros, Carlos Bezerra e Juarez Costa em busca do colo político do Capitão.

Ora, se o remédio queridinho do presidente não mata nem cura, que mal existe em receita-lo nessa terra de imensurável automedicação e onde de médico e louco todo mundo tem um pouco? Mandetta decidiu mal.
Mandetta não poderia pegar o boné e sair, como fez. Nada justifica seu adeus. Nem mesmo o temor que a demanda pela cloroquina por vítimas do coronavírus pudesse desabastecer as farmácias onde portadores de algumas doenças a procuram por receituário médico. O ex-ministro da Saúde se esqueceu que a economia brasileira tocada pela genialidade do Posto Ipiranga ou Paulo Guedes tem plena capacidade de incrementar a oferta do produto milagroso. Afinal, o mago do economês tem solução pra tudo.
Pena, mas o que está feito não está por fazer. O Brasil deu um azar danado por Mandetta não ter conhecido Peixoto no Ciclo do Ouro, o que resulta na militarização do Ministério da Saúde. Ah Mandetta – como se dizia nos garimpos em Peixoto – você blefou quando poderia bamburrar!

 

Eduardo Gomes -Redação blogdoeduardogomes

FOTOS:

1 – Agência Brasil

2 – Vargas De Losor 

3 – Internet

8 Comentários
  1. Antônio Mendes Diz

    Belo texto. Parabéns.

  2. Santino Silva Diz

    Brigadeiro, acabei de ler o texto. Parabéns pela performance com a qual você se posiciona, a sutileza e a galhardia na arte da narração.
    Professor Santino Silva

  3. Maria Elizete Diz

    Você mistura a realidade da história com humor e boas pitadas de veneno, Gosto de seu texto.

    Maria Elizete

  4. Valéria Castilho Diz

    O melhor texto que já li em Mato Grosso em sete anos que moro aqui. Uma obra de arte da língua portuguesa. Parabéns ao autor. Bravo.

  5. Eduardo Diz

    Obrigado. Acostume-se com a leitura de Boamidia. Editoriais, artigos e reportagens como manda o bom jornalismo. Eduardo Gomes

  6. Leandro Camargo Diz

    Apesar de ter gostado bastante do seu texto com alguns detalhes históricos de minha cidade, se equivocou em alguns pontos e posso dizer que falta um pouco mais de analise sobre o que falam sobre a Cloroquina: Malária não tem nada haver com CoronaVirus. Lembrando que teve alguns casos no Amazonas em que morreram pessoas com o uso do Cloroquina, acredito que por isso o Teich pediu demissão. Vamos deixar com os profissionais da saúde essa questão, eles são os especialistas. Cada macaco no seu galho.

  7. Eduardo Diz

    Meu amigo, obrigado por ter gostado do texto. Confesso que citei quinino e cloroquina somente pra ancorar a crítica que fiz ao presidente Bolsonaro e a alguns políticos citados. Somente isso. Respeito Peixoto, mas o citei pra poder chegar a Bolsonaro e seu charlatanismo. Não me atreveria a discutir uso desse ou daquele medicamento. Grato.

  8. joel alves de almeida Diz

    Agradeço essa publicação pois tive o oportunidade de rever a rua do comercio eu estava neste fusca ai que aparece na foto. Nesta época eu estava lá,trabalhava na prefeitura como motorista da ambulância que levava os doentes pra Cuiabá. Fui pra Peixoto de Azevedo bem nessa epoca do garimpo e realmente a malaria era dez vezes pior que esse covid ai e o Quinino ( hoje cloroquina) era a salvação dos garimpeiros sou testemunha, Realmente esse remédio tem o poder de curar infecçoes virais. Tudo que esta escrito nesta matéria é a mais pura verdade.Por isso concordo com o uso da cloroquina no tratamento da covid 19 sem restriçoões! E o Bolsonaro tem razão!!!!

Comentários estão fechados.

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Vamos supor que você está bem com isso, mas você pode optar por sair, se desejar. Aceitar Leia Mais

Política de privacidade e cookies