Filinto, acima do bem e do mal
O historiador norte-americano R.S.Rose, que viveu duas décadas no Brasil, escreveu o livro “O Homem Mais Perigoso do Brasil”, que é uma biografia do mato-grossense Filinto Müller. A obra, publicada pela Editora Civilização Brasileira, chegou às livrarias neste novembro. Independentemente do que escreve Rose, é preciso mostrar numa visão mato-grossense quem foi Filinto.
Com um pé no céu e outro no inferno. Essa é a visão do mato-grossense sobre Filinto Müller, 44 anos depois de sua morte (¹). Filinto foi o maior político de Mato Grosso em sua época. De quebra, nos bastidores do poder costurou um volume de obras que transformou Cuiabá e retardou em três décadas a criação de Mato Grosso do Sul.
Filinto vivia a dualidade de dar as cartas na política nacional sem que essa condição contribuísse para se eleger governador, por mais que tentasse junto ao eleitor. Senador desde 1947, sempre se reelegeu e morreu no exercício do mandato quando presidia o Senado. Com o restabelecimento democrático após a ditadura Vargas, filiou-se ao PSD. Em sua carreira presidiu nacionalmente a Aliança Renovadora Nacional (Arena), que foi o partido de sustentação política do regime militar de 1964.
Oficial do Exército, Filinto participou de todas as revoluções nas décadas de 1920 e 30; alcançou a patente de major, mas se destacou mais enquanto chefe de Polícia de Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, que era capital da República. Exerceu esse cargo entre 1933 e 1942.
Sobre os ombros de Filinto a esquerda lançou a responsabilidade pela deportação da judia alemã comunista Olga Benário Prestes. Olga era mulher do manda-chuva do comunismo no Brasil, Luís Carlos Prestes, mas na verdade essa decisão foi tomada pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo sem pedido formal pela Chancelaria em Berlim.
Olga foi mandada grávida para a Alemanha. Em 27 de novembro de 1936 nasceu sua filha com Prestes, Anita Leocádia Prestes. Logo depois a comunista foi executada campo de concentração em Bernburg. O mato-grossense deixava evidente sua simpatia pelo regime de Adolf Hitler e, tanto assim, que em 1942 tentou impedir no Rio uma manifestação da União Nacional dos Estudantes (UNE), favorável aos Aliados, o que não foi aceito pelo ministro da Justiça, Vasco Leitão da Cunha. Sua resistência ao ato resultou em sua degola do cargo, mas não o afastou do poder, porque foi nomeado oficial de gabinete do ministro da Guerra, o cuiabano marechal Eurico Gaspar Dutra, que mais tarde seria presidente do Brasil.
O Filinto com o pé no inferno, ou que agia a partir de lá, segundo a esquerda, teve um lado real que foi muito importante ao desenvolvimento de Cuiabá e retardou em três décadas a divisão territorial de Mato Grosso para a criação de Mato Grosso do Sul.
No começo dos anos 1940 uma forte corrente política com base eleitoral em Campo Grande defendia a transferência da capital mato-grossense de Cuiabá para aquela cidade, que era melhor estruturada. Se fosse consumada essa manifestação resultaria num duro golpe aos 54.394 cuiabanos que se espalhavam pela cidade, zona rural e nos distritos de Várzea Grande e outros. Num segundo momento a transferência forçaria a divisão territorial para evitar o inevitável colapso que seria causado pelo vácuo do Estado com base no bairrismo que colocava as duas cidades em campos opostos.
Além de amigo de Vargas, Filinto ainda tinha ao seu favor o trunfo da simpatia ao nazismo de Adolf Hitler, sentimento esse que Vargas não conseguia esconder nos primeiros anos da Segunda Guerra Mundial. Esse sentimento foi uma densa nuvem nos bastidores no governo e o Brasil esteve bem próximo de se aliar aos alemães. Raposa política o mato-grossense soube bem usar sua influência em defesa de Cuiabá e Mato Grosso. Tanto assim, que arrancou um pacote de obras capaz de dar ares de imponência à bucólica capital isolada no centro do continente.
O pacote de obras conseguido por Filinto nunca foi apresentado com suas impressões digitais políticas. Sempre foi creditado ao seu irmão e interventor em Mato Grosso, o advogado Júlio Strübing Müller. Porém, políticos da época sustentavam que até mesmo o cargo de Júlio se devia ao mano, pois sua nomeação era privativa do presidente Vargas. Júlio foi eleito governador pela Assembleia Legislativa exercendo o cargo de 4 de outubro a 24 de novembro de 1937, quando foi destituído e imediatamente transformado em interventor, função que exerceu até 8 de outubro de 1945.
A força de Filinto no âmbito da composição do poder não ficou restrita à nomeação de Júlio. Também foi dele a indicação de outro de seus manos, o engenheiro civil Fenelon Müller, para interventor de Mato Grosso no período de 8 e março a 28 de agosto de 1935.
Nos bastidores na década de 1940, com céu, inferno e irmãos à parte, Filinto transformou Cuiabá. Àquela época a cidade ganhou do governo federal o atual prédio do Liceu Cuiabano Dona Maria de Arruda Müller; a Residência Oficial dos Governadores; o Palácio da Justiça, que abrigava o Judiciário e a Assembleia Legislativa; o cine Teatro Cuiabá, o Hospital Geral; a Pequena Central Hidrelétrica do Rio Casca; a primeira estação de tratamento de água; o Centro de Saúde do Estado; as antigas sedes da Secretaria Geral do Estado e da Secretaria de Fazenda (Sefaz); o Hotel Águas Quentes e o Grande Hotel; o primeiro Campo de Aviação de Cuiabá, que foi construído no local onde se situa o Clube do Círculo Militar; o aquartelamento atual do 44º Batalhão de Infantaria Motorizado, que à época se chamava 16º Batalhão de Caçadores; e a Ponte Júlio Müller, sobre o rio Cuiabá ligando a Avenida XV de Novembro, na capital, ao então distrito de Várzea Grande.
O Campo de Aviação de Cuiabá foi inaugurado em 6 de agosto de 1941 com o pouso do bimotor Lockeed transportando Getúlio Vargas, que assim se tornou o primeiro presidente a visitar a capital mato-grossense. A agenda de Vargas foi destinada a inaugurações, visitas a obras e contatos políticos.
A Ponte Júlio Müller aposentou as balsas que faziam a travessia dos carros, carroças, ciclistas, pedestres e mercadorias entre Cuiabá e Várzea Grande e no sentido contrário.
Independentemente do julgamento histórico por sua conduta política e convicções ideológicas Filinto foi ao seu tempo o maior articulador em defesa de Mato Grosso, a terra onde nasceu e conhecia muito bem.
(¹) O presidente do Senado Filinto Müller, sua mulher Consuelo e o neto do casal Müller, Pedro, de 15 anos, morreram em 11 de julho de 1973 na queda do Boeing 707 de prefixo PP-VJZ, da Varig, nas imediações do Aeroporto de Orly, em Paris, na França, onde a aeronave faria escala do voo 820, na rota Rio de Janeiro-Londres, na Inglaterra. Na data Filinto completava 73 anos.
Um toco de cigarro jogado acesso na lixeira do sanitário do avião pegou fogo e se espalhou pela aeronave que fazia procedimento de pouso. Morreram 123 ocupantes e 11 se salvaram, sendo 10 membros da tripulação.
O Senado denominou uma de suas alas de Senador Filinto Müller. Em Mato Grosso não há nenhuma cidade nem distrito com seu nome.
Comentários estão fechados.