65 ANOS – O polo regional antes da soja
Nesse 10 de dezembro Rondonópolis celebra 65 anos de emancipação.
Esbanjando crescimento e com números superlativos umbilicalmente ligados a uma tal glycine max que todos chamam de soja. Seu povo é a melhor face da miscigenação brasileira. Assim é a terra rondonopolitana, ora em festa pelos 65 anos do município neste 10 de dezembro.
Rondonópolis tem boa infraestrutura urbana. Seu polo regional é um dos pilares da política de segurança alimentar mundial. Conta com ferrovia para escoar commodities ao porto de Santos. Seus principais acessos rodoviários estão em obra de duplicação. Seu parque agroindustrial é o maior do Estado. Sua região lidera o ranking na balança comercial considerando-se a movimentação nos dois sentidos.
A Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) tem um campus na cidade, e além dele, outras instituições também oferecem cursos superiores, mas faltava o grande salto para a ampliação do leque universitário, o que acaba de acontecer com a autonomia plena e emancipação do campus da UFMT, que resultou na criação da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR).
Um conjunto de fatores e a têmpera de sua gente fizeram de Rondonópolis uma cidade diferenciada, que tem um marco divisor em seu desenvolvimento: o antes e o depois da leguminosa, mas a deixemos para outra matéria. Focalizemos o município e seu polo antes da explosão econômica com a cadeia do agronegócio ancorado na soja.
Nos anos 1940, quando o Brasil começava a abraçar o rodoviarismo, a vila de Rondonópolis no recém-emancipado município de Poxoréu ganhava forma no trecho coincidente da BR-163 com a BR-364 próximo ao rio Vermelho. A melhor rota terrestre entre Cuiabá e o Centro-Sul é via Rondonópolis. Mais: toda ligação rodoviária da capital mato-grossense com Campo Grande, que observar a lógica da distância, obrigatoriamente passa por Rondonópolis, pois não há opção à direita, que é área alagada no Pantanal, e se a alternativa for à esquerda, a mesma é possível desde que se desconsidere o enorme aumento do trajeto.
Contemplada pela localização geográfica, Rondonópolis ganhou sopro de vida nos anos 1940. Nesse período, no primeiro momento, sua ocupação foi reforçada pelo temor de que os nazistas torpedeassem o Rio de Janeiro – então capital da República -, o que levou o presidente Getúlio Vargas a criar a Marcha para o Oeste, em busca de um lugar seguro para se transferir a capital do Brasil – daí surgiu Nova Xavantina, no centro do país, e também outras localidades a exemplo de Jarudore, em Poxoréu.
A região de terras férteis e banhadas pelo rio Vermelho, que os bororos chamam de Poguba, passou a receber pequenos agricultores e pecuaristas atraídos pelo programa de colonização do governo de Mato Grosso. Esse povoamento foi reforçado por garimpeiros e comerciantes em garimpos, que cruzavam a então vila em busca de diamantes no rio Garças e Poxoréu – muitos ficaram e se juntaram aos pioneiros.
Nos anos 1950, com a consolidação da ligação rodoviária sem pavimentação de Cuiabá com Campo Grande e Goiás, Rondonópolis virou referência no atendimento aos motoristas e passageiros que cruzavam o trajeto. A travessia do rio Vermelho, que era feita por balsa próxima ao Casario do Marechal, ganhou ponte de concreto.
Aos brasileiros somaram-se árabes, japoneses, portugueses e outros povos. A presença de imigrantes reforçava o conceito entre moradores que a vila era boa pra se viver e ganhar dinheiro. A sabedoria popular nos ensina que estrangeiro sempre procura lugar onde “o dinheiro corre”.
Também nos anos 1950, pela cabalística Lei 666, do deputado João Marinho Falcão, aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador Fernando Corrêa da Costa, a vila virou cidade em 10 de dezembro de 1953, com sua emancipação. Rondonópolis deixava de pertencer a Poxoréu e ganhava identidade municipal.
Quando da emancipação o governador nomeava prefeito o juiz de Paz, que exercia o cargo até as eleições municipais. Otacílio Fontoura era juiz de Paz, mas recusou assumir a prefeitura. Seu primeiro suplente, Rosalvo Fernandes Farias, foi nomeado e administrou até a posse do primeiro prefeito eleito, Daniel Martins de Moura.
Do final da década de 1950 e até o começo dos anos 1970 Rondonópolis carregou o título de Rainha do Algodão, mesmo produzindo safras que hoje seriam ridículas, cultivadas em lavouras de toco e colhidas manualmente em Nova Galiléia, São José do Povo e outras localidades, com apoio do comerciante potiguar Elias Medeiros, o Medeirão, que comprava a produção para a Matarazzo e outras indústrias. No mesmo período a cidade passou a promover sua exposição agropecuária, então chamada de Expoleste, num antigo parque à margem da Avenida dos Bandeirantes em Vila Operária.
No final dos anos 1960 agricultores sulistas descobriram verdadeiro filé no cerrado do Centro-Oeste. Alguns foram para Rondonópolis onde passaram a cultivar arroz de sequeiro naquele bioma. Antigos agropecuaristas locais também aderiram àquela atividade agrícola. Os tratores de pneus entraram em cena, ainda que acanhados. Até então, ninguém falava em soja.
A localização geográfica foi importante para o crescimento de Rondonópolis na época em que praticamente não havia alternativa na ligação de Cuiabá com o Centro-Sul. Isso transformou a pequena cidade num polo atacadista distribuidor para as cidades e vilas no seu entorno, fazendas que eram formadas na região e os garimpos de diamante em Poxoréu e Paranatinga e na calha do rio Garças. A Praça dos Carreiros, que não era urbanizada, virou ponto de frete para os caminhões que transportavam mercadorias naquele polo.
A cidade sempre teve mania de nariz empinado.
Grandes redes de lojas de tecidos, confecções, cama e mesa, eletrodomésticos, bicicletas e utilidades do lar descobriram o filão chamado Rondonópolis. Riachuelo, Pernambucanas e Buri abriram suas portas por lá. Funcionários dessas empresas adotaram a cidade e mesmo quando transferidos para outras localidades deixavam seus cargos para continuarem onde estavam.
O primeiro gerente da Riachuelo, Vilson Marino, foi secretário municipal e posteriormente ingressou na Secretaria de Estado de Fazenda, onde permaneceu até a aposentadoria. Nilo Varela, que gerenciava a Buri, continuou na cidade depois que sua loja foi absorvida por outro grupo. Varela montou empresa em ramo semelhante e conquistou espaço entre as entidades que representam o segmento empresarial onde atua.
O empresário Djalma Pimenta instalou a fábrica de refrigerantes Marajá, que passou a produzir o guaraná com aquele nome.
Pimenta e sua mulher Adiney Sacchetin Pimenta participaram de vários programas desenvolvidos na cidade e região.
Mais tarde Pimenta vendeu a indústria para um grupo empresarial em Várzea Grande, onde permanece em funcionamento. Em Mato Grosso o Guaraná Marajá é a mais conhecida marca genuinamente mato-grossense.
Não havia telefonia interurbana e o empresário Antônio Estolano de Souza montou a STAR – Serviços Telefônicos Autônomos de Rondonópolis, que oferecia serviço de boa qualidade com cobertura em toda a área urbana.
O comércio de atacarejo corria solto na Casa Moreira, Casa Borges, Armazém Lusitano, Armazém Patureba etc. Essas empresas, da cidade ou com filiais nela, juntamente com representantes comerciais dos grandes distribuidores de Uberlândia, São Paulo, Maringá e Belo Horizonte, mantinham vendedores em Rondonópolis, para atendimento aos clientes locais e da região.
Até 1970, não havia sequer um quilômetro de rodovia pavimentado na região e somente em dezembro de 1972 o presidente Emílio Garrastazu Médici inaugurou o asfalto ligando Cuiabá a Campo Grande e Goiânia. A única região mato-grossense contemplada com ferrovia é a de Rondonópolis. Os trilhos da Ferrovia Senador Vicente Vuolo da Rumo ALL ligam Mato Grosso ao porto de Santos, por onde é escoada boa parte das commodities agrícolas produzidas no Estado.
A imprensa rondonopolitana sempre foi atuante. Antes da chegada da soja havia três jornais na cidade: Folha de Rondonópolis, Correio do Leste e Tribuna do Leste. O primeiro editado por Benedito Rodrigues da Cunha (B. Cunha), o segundo por Carlos Daltro e o último por Aroldo Marmo. Folha e Correio não mais existem. Com a divisão territorial que criou Mato Grosso do Sul, Tribuna do Leste virou A Tribuna – um dos principais jornais do Centro-Oeste. Os três editores não estão mais entre nós – B. Cunha foi assassinado.
Na virada da década de 1960 para os anos 1970 Rondonópolis entrou em ritmo de Copa do Mundo. A cidade recebeu suas primeiras concessionárias de máquinas agrícolas. A maior delas foi a Somai, sigla da Sociedade de Máquinas e Implementos Agrícolas, dos sócios João Belmonte Aigner e Dilson Cardozo. Essa empresa ganhou destaque nacional pela quantidade de CBT-090 e outros modelos de tratores vendidos – sua bandeira inundou cidades na região, mas nada de se falar em soja, lavoura que começaria em 1973.
A Somai tinha concorrência na praça. A marca Massey Ferguson era revendida pela Rondomaq. O mercado de utilitários era dominado pela Rio Vermelho Automóveis (Rivauto), de Elson Moreira dos Santos, era concessionária exclusiva da Ford na região; a Rondolândia, que representava a Volkswagen, domina a venda de automóveis.
A população enfrentava problemas. Além da falta do asfalto a energia era gerada por conjuntos estacionários da estatal Centrais Elétricas de Mato Grosso (Cemat) e não havia telefonia interurbana nem aeroporto pavimentado no polo de Rondonópolis. Nenhuma cidade tinha tratamento de esgoto na vastidão territorial daquele polo com 100.403,566 km², área equivalente à soma dos territórios do Distrito Federal, Alagoas, Espírito Santos e Sergipe.
O censo do IBGE em 1970 revelou que Rondonópolis tinha 50.594 habitantes e que a população de seu polo formado por aquele e os municípios de Alto Araguaia, Alto Garças, Itiquira, Jaciara, Dom Aquino, Poxoréu, Guiratinga e Tesouro era de 162.088 residentes. À época Mato Grosso tinha 1.597.090 habitantes, dos quais, 933.465 nos municípios que mais tarde pertenceriam a Mato Grosso do Sul, o que se traduzia em 606.396 moradores na parte que seria remanescente.
Em 2018 o número de municípios na região dobrou: saltou de nove para 18 com 465.242 habitantes. Ou seja, o crescimento populacional no período foi de 187,03%. E o polo ganhou Alto Taquari, Juscimeira, São Pedro da Cipa, Primavera do Leste, Santo Antônio do Leste, Paranatinga, Gaúcha do Norte. Pedra Preta, São José do Povo, sendo que os dois últimos foram desmembrados de Rondonópolis.
Essa região é a única banhada por rios das três bacias hidrográficas mato-grossenses:
São Lourenço, Vermelho, Itiquira, Taquari, Correntes, Tadarimana, Areia, Tenente Amaral e Jurigue são tributários da Bacia do Prata.
Araguaia, Garças, Batovi, Araguainha e das Mortes, drenam para a Bacia do Tocantins.
Teles Pires, Xingu, Culuene, Curisevo, Mirassol, Couto Magalhães, Von den Stein, Batovi, Capitão Jaguaribe e Ronuro, para a Bacia Amazônica.
Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes
FOTOS:
1, 2, 4, 5 e 6 – Museu Rosa Bororo
3 – Roger Andrade
7 – Álbum de Família
8 – Eduardo Gomes
10 – Matusalém Teixeira
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