Boa Midia

A longa caminhada pela liberdade literária

Eduardo Gomes

@andradeeduardogomes

eduardogomes.ega@gmail.com

 

O período natalino é de felicitações; felicitação é o que envio ao deputado estadual Dr. Eugênio (PSB), neste caso aqui, não pelo Natal, mas pela lei de sua autoria, recentemente sancionada pelo governador Mauro Mendes (União), que tem como objetivo estimular a leitura de livros de história, geografia, literatura e cultura dos autores mato-grossenses, nas escolas das redes pública e privada.

Com a citada lei, que leva a chancela de 12.689/2024, Dr. Eugênio bota o dedo na ferida sempre aberta entre o Poder Público e os escritores, e o faz com intensidade maior, na medida que determina no programa de incentivo à leitura, a inclusão de obras mato-grossenses focalizando os temas acima, nas bibliotecas escolares.

Lamentável que Mato Grosso não leia, conforme acabamos de saber pela 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, que mostra nossa terra em última colocação no Centro-Oeste e em penúltimo no ranking nacional – superando somente o Rio Grande do Norte.

A iniciativa de Dr. Eugênio é uma porta aberta em busca da luz que a leitura derrama sobre nós. A lei que ganhamos como presente antecipado de Natal nasce alicerçada na lógica e na necessidade de se estabelecer vínculos entre os leitores na idade escolar e os escritores da terra de Manoel de Barros, Roberto Campos, Ricardo Guilherme Dicke e Valdon Varjão. Porém, para que ela alcance plenamente seu objetivo será preciso mudar a cultura – no seu sentimento mais amplo de coronelismo politiqueiro – dos que assumem o poder e se sentem donos do mesmo, como se o nosso querido grilo internacional português no coração da América do Sul fosse uma senzala remanescente do triste e desumano período da escravatura.

A lei criada pelo deputado Dr. Eugênio somente será aplicada sem censura, pressão ou coação contra os autores que escreverem algo que desagrade os poderosos, quando tivermos à frente de Mato Grosso e de tantas prefeituras, homens públicos que respeitem o princípio democrático da liberdade de expressão, e que não façam do cargo que exercem uma violenta arma para silenciar as verdades que devem ser ditas e a crítica que é indispensável por traduzir vozes das ruas.

Torço pela renovação do poder mato-grossense. Espero que no amanhã os nossos escritores estejam nas escolas e bibliotecas públicas com suas obras, e que nenhuma seja censurada. Faço tal afirmação por conhecer ainda que modestamente o mercado editorial mato-grossense, na condição de repórter e autor de livros, muito embora não me julgue merecedor do título de escritor, em razão da limitação da minha obra.

Conheço bem a reação do poder aos autores críticos. Governantes exigem docilidade de texto, alinhamento de pensamento e bajulação tanto para si quanto para seu círculo. Em várias oportunidades deparei-me com a barreira que isola a independência editorial da relação artificial na literatura.

Escrevi alguns livros com minha assinatura e dezenas – muitas dezenas de bolsilivros sem minha chancela. Permitam-me afirmar: em condições normais, mesmo limitado editorialmente, minha obra garante minha presença nos locais previstos pela lei do deputado Dr. Eugênio, porém, até então, mantive prudente distância.

Tomo a liberdade de citar um fato. Em maio de 2016 o advogado, professor, doutor Marco Marrafon assumiu a Secretaria de Educação de Mato Grosso e cobri sua posse.  No ato nós conversamos. Eu havia publicado um livro sobre o Nortão, alguns dias antes. Marrafon revelou que o leu e que aquele estilo era o ideal para a leitura na rede pública. Agradeci. Ele, porém, fez uma observação que guardo para sempre. O secretário disse que sua secretaria não poderia comprar exemplares – eu não os havia oferecido – porque num determinado trecho escrevi que o governador de então, Pedro Taques, botou cadeado nos rios. Não é preciso acrescentar mais sobre barreira.

Parabéns pela lei, Dr. Eugênio. Para andar mil léguas é preciso dar o primeiro passo, nos ensina o provérbio chinês atribuído a Lao Tsé. Tomara que os escritores que primam pela liberdade iniciem agora a longa caminhada.

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