Síndrome do ninho vazio: o impacto da saída dos filhos de casa na vida dos pais
Apesar de sentir-se realizada ao ver a única filha casar e estruturar uma nova vida, Hebe desmoronou quando se viu sozinha em casa, em 2017.
“Quando eu falava dela, sentia uma vontade incontrolável de chorar. A razão dizia que eu precisava construir novos laços, mas o sentimento era de não querer conversar com outras pessoas”, conta Hebe, hoje com 52 anos e viúva há 13.
Formada em Economia, ela trabalha como bancária há 29 anos em Jundiaí (SP). Apesar de gostar do trabalho, não conseguia lidar com a solidão e sentiu dificuldades para recriar a rotina, agora voltada para si e não mais para a filha Ana Carolina.
“É difícil não ter mais uma pessoa para cuidar e conversar. Eu não fazia muita coisa sozinha, a maioria do meu tempo era para ela, com ela e por ela“, diz Hebe. “Ela tinha atividades durante o dia, mas a gente sempre conversava quando ela chegava em casa, mesmo que fosse tarde da noite. Eu não ficava totalmente sozinha.”
Após a saída da filha, Hebe começou a apresentar sintomas depressivos: só saía de casa para trabalhar e visitar os pais, sentia dores intensas no corpo e vontade constante de chorar.
Em abril de 2018, após 11 meses, Hebe decidiu buscar uma psicóloga e foi diagnosticada com a síndrome do ninho vazio (SNV), caracterizada pelo sofrimento dos pais após o esvaziamento da casa pela saída dos filhos.
“Abri mão das minhas coisas pensando apenas nela. A gente se apega e acaba se esquecendo um pouco da gente”, afirma.
Apesar de não se arrepender da dedicação à filha, Hebe hoje reconhece a importância de buscar outras atividades de seu interesse e de construir si mesma em outros papéis além da maternidade.
“Se eu já tivesse feito isso antes dela sair, talvez não sentisse tanto essa ausência. Não é largar os filhos, mas criar vida além deles.”
Se antes esperava convites para sair de casa, agora Hebe busca viver de outra maneira. “Chorava a ausência dela e pensava que alguém poderia me convidar para sair. Agora não fico mais lamentando e tento convidar as pessoas”, conta.
Hoje, Hebe acompanha Ana Carolina por telefone e nos almoços de fins de semana. Apesar de ainda sentir falta da filha, ela considera que o contato não se perde: apenas se transforma. “Os filhos precisam seguir o caminho deles e nós que temos que buscar o nosso, sem a presença deles tão constante.”
Dificuldades para diagnosticar
Segundo a psicóloga Adriana Sartori, mestra no tema pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a síndrome do ninho vazio (SNV) começa como uma tristeza leve e pode evoluir até a depressão.
“Só se pode falar em SNV quando esse sofrimento se estende por mais de seis meses e impossibilita os pais de continuarem sua rotina com o mesmo prazer que tinham antes dos filhos saírem”, explica a psicóloga.
Ela afirma que há poucos estudos sobre o tema no Brasil e que a síndrome é difícil de ser diagnosticada, pois costuma ocorrer simultaneamente a outros processos desafiadores – como a aposentadoria, o envelhecimento e o adoecimento dos próprios pais.
Outro fator que dificulta o diagnóstico é a falta de um prognóstico adequado que investigue os fatores emocionais por trás dos sintomas físicos comumente apresentados por pacientes com a SNV, como cansaço e dores musculares extremas.
“As políticas públicas de saúde no Brasil enxergam tudo separadamente. Sem verificar se há um ninho vazio, o tratamento para um quadro depressivo pode ser ineficiente e o paciente voltará”, avalia Sartori.
Em sua pesquisa de mestrado, a psicóloga conversou com muitos pais que acabaram buscando em casas de bingo um conforto para a solidão do ninho vazio e constatou que, quanto mais intensa a SNV, mais graves serão os sintomas de vício em jogo.
“Se um pai ou uma mãe já tiver dificuldades prévias de controlar os impulsos, o esvaziamento da casa aumenta o risco de eles desenvolverem outros transtornos de impulsividade, como a cleptomania, a automutilação e o consumo intenso de comidas ou álcool”, afirma a pesquisadora.
Diferença entre gêneros
Ainda que as mulheres tenham conseguido maior inserção no mercado de trabalho nas últimas décadas no Brasil e tenham outras responsabilidades além da criação dos filhos, a síndrome do ninho vazio ainda é mais frequente entre as mães.
“Hoje, é comum encontrarmos pacientes homens falando do ‘vazio’ após a saída dos filhos. Mas as mulheres ainda são mais atingidas pela síndrome por passarem mais tempo do que eles na criação dos filhos e manutenção da casa”, argumenta Sartori.
Segundo dados do IBGE, em 2016 as mulheres dedicavam uma média de 18 horas semanais a cuidados de pessoas ou afazeres domésticos, 73% a mais do que os homens (10,5 horas).
A psicóloga explica que a menopausa é outro fator que diferencia o impacto da SNV entre homens e mulheres. “Quando elas ocorrem simultaneamente, a síndrome intensifica sintomas negativos da menopausa, como ansiedade, cansaço, depressão e alterações na libido, memória e humor.”
Preparar a saída
O sofrimento causado pela SNV não se relaciona somente à saudade e a solidão dos filhos, mas também à falta de preparação prévia dos pais para essa fase da vida.
Sensação de vazio no lar dá nome à síndrome, mas é possível se preparar para evitá-la
“A prevenção é sempre o melhor remédio. As pessoas precisam começar a se preparar para essa fase e buscar outras vivências além dos filhos: sair com amigos, praticar atividades físicas, estudar, viajar. Falta de saúde social também faz adoecer”, afirma Sartori. Ela diz que o esvaziamento da casa pode ter impactos diferentes sobre o casamento dos pais dependendo da maneira como eles construíram a relação. “Não é difícil haver divórcios nessa fase porque muitos não suportam a pressão de se ver frente a frente com o parceiro. Perderam a intimidade, não sabem o que o outro gosta e só se enxergam como pai e mãe. Tudo isso faz o casamento perder sentido.”
Ela aponta, porém, que há também casais que se fortalecem e usam o tempo antes dedicado ao filhos para buscar novas atividades juntos. Foi isso o que aconteceu com a aposentada Francisca de Oliveira Pereira, de 74 anos. “Quando ficamos só nós dois, os horários começaram a se alinhar e tínhamos mais tempo juntos, inclusive para namorar”, lembra Francisca, viúva desde 2015.
Antes disso, porém, a cada vez que um filho saía de casa para estudar ou trabalhar em outra cidade, ela se trancava no banheiro para chorar escondida. Quando o último filho saiu, Francisca decidiu voltar a estudar. Primeiro, concluiu o ensino médio e depois, aos 45 anos, cursou quatro anos de magistério.
“Fui estudar para suprir a falta deles. Foi bom porque eu tinha uma ocupação e melhorei meu português”, conta ela, que usou sua nova formação para passar dois anos como professora voluntária em um curso de alfabetização de jovens e adultos em sua cidade, Presidente Epitácio (SP).
Alessandra Goes Alves De São Paulo para a BBC Brasil
FOTOS: 1, 3 e 4 Getty Images
2 – Natália Pereira Lima
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