40 Anos – Alto Paraguai é primo pobre no Estado campeão do agronegócio
Transcorridos 40 anos da divisão que criou Mato Grosso do Sul, município que foi polo de extração diamantífera enfrenta problemas comuns a outros em Mato Grosso, que também viveram ciclos da garimpagem.
Quem bamburrou, bamburrou; quem não bamburrou não bamburra mais. Esta é a melhor frase pra resumir a realidade de Alto Paraguai, mas ela não é aceita pelos remanescentes do garimpo, que durante décadas fervilhou com o diamante. Em crise, o município agora carrega a pecha de primo pobre de Mato Grosso, com base em sua renda per capita, de R$ 7.467,19, idêntica ao patamar da miséria que assola regiões nordestinas. Além da pobreza apontada pelo indicador social, há outro fator preocupante: a população empacou nas últimas décadas e ao invés de aumentar, diminuiu de 14.679 em 1993 para 10.921 agora, o que representou redução percentual de 25,61% no período.
As ruas desertas contam em silêncio que parte da população permanece fora durante o dia, trabalhando nos municípios vizinhos, principalmente em Diamantino. Com a iniciativa privada sem condições de gerar empregos, a cidade convive com o clientelismo do programa Bolsa Família e com 300 servidores ativos na folha de pagamento da prefeitura.
De 1938, quando foi fundada, até o começo da década de 1990, Alto Paraguai não sabia o significado da palavra crise. O diamante era a verdadeira moeda circulante. Com ele no fundo do picuá, comprava-se de tudo, desde o tresoitão símbolo da valentia à lanterna que clareava o caminho à zona boêmia Canoão do Meio, onde as mulheres que faziam a vida nos cabarés dos garimpos enchiam o ar com seu perfume e embelezavam os salões com suas roupas justas, curtas e provocantes.
O diamante sumiu, evaporou-se, não ficou um xibiuzinho sequer na região que chegou a operar mil dragas. Para complicar ainda mais, a legislação ambiental fechou o cerco sobre os garimpeiros que teimavam em encontrar a pedra mais cobiçada do mundo inteiro. Sem o garimpo, a cidade sentiu o baque, pois não tinha meios para absorver a mão de obra que ficou ociosa e, para complicar, quem se acostuma à aventura da garimpagem não engole emprego urbano nem no campo. O resultado desse choque foi o pior possível: a mistura de um lugar blefado e uma população masculina sem os pés no chão.
Sem renda, boa parte da população sentia o cinto apertando cada vez mais. Famílias pegaram a estrada para Cuiabá deixando casas abandonadas. A saída para um grupo em torno de 300 ex-garimpeiros foi trocar a draga pela minhocultura.
Acostumado à fartura de dinheiro ou a sonhar com ela, o ex-garimpeiro teve grande dificuldade para se adaptar à vida de arrancar minhoca para garantir o pão de cada dia.
A minhoca aos poucos ganhou espaço junto aos ex-garimpeiros, que a arrancam no entorno da cidade, principalmente numa área cedida pelo ex-prefeito de Diamantino Chico Mendes. Quando a coisa parecia que entraria nos eixos, a pressão ambiental quase botou tudo a perder enxotando muitos da atividade.
Primeiro sem diamante, depois sem minhoca. Essa a triste sina de boa parte da população masculina do município. Por sorte, esse raio que caiu duas vezes no mesmo lugar não atingiu os mais jovens, que conhecem garimpo por ouvir dizer e minhoca pela movimentação dos pais, tios e avôs. A juventude respira com alívio, porque mais de 700 garotos e jovens senhores conseguiram empregos no setor agroindustrial em Diamantino e em outras indústrias na região.
A crise é visível até mesmo para quem não enxerga, mas ainda restam algumas luzes no fim do túnel. A iniciativa privada fala maravilhas sobre o setor da piscicultura, mas condiciona seus investimentos às benesses de Brasília, onde quem sabe pescar incentivos, desoneração e outras vantagens sempre pega peixe grande até mesmo no seco.
Para a realidade mato-grossense as demandas de Alto Paraguai são pequenas, porque a cidade joga nas costas da vizinha Diamantino (distante menos de 30 quilômetros) o atendimento médico e de maternidade, a prestação de serviços institucionais e o ensino superior. O que falta é emprego, empreendedorismo e indústrias. Essa é a cara de uma cidade que se localiza a 220 quilômetros da capital por rodovia pavimentada, que conta com energia elétrica, água tratada e telefonia móvel e fixa. Além disso, o município integra a região de Barra do Bugres – o maior polo sucroalcooleiro de Mato Grosso.
Com ou sem diamante, com ou sem minhocultura, o município de Alto Paraguai tem tudo para dar certo, apesar da crise em que se encontra mergulhado há anos. A receita própria da prefeitura gira em torno de 3% do orçamento. O restante entra na conta do município por meio dos repasses institucionais, e isso sem falar nos convênios e emendas parlamentares que pingam aqui, ali e acolá, de acordo com os acertos políticos.
A rotina da cidade é tranquila e parte da pouca movimentação fica por conta dos ônibus do transporte escolar, que trafegam diariamente 1.570 quilômetros num vaivém sem fim com alunos dos três turnos.
A situação do município não é boa, mas Alto Paraguai tem DNA garimpeiro e no garimpo a regra é sonhar dormindo e acordado, sonhar sempre, porque o sonho é a parte da vida que não tem derrota nem frustração quando se acredita nele.
Do alto do Morro Bom Jesus da Lapa, que circunda parte de sua área, Alto Paraguai é abençoada pelo Senhor Bom Jesus da Lapa, dos baianos e dos garimpeiros do mundo inteiro. Naquele lugar, em 1955, o capangueiro e dono de garimpo Nozinho da Ponte mandou erguer uma capelinha e nela entronizou uma imagem do Senhor Bom Jesus, que comprou na cidade de Bom Jesus da Lapa ribeirinha ao São Francisco, na Boa Terra, onde nasceu.
A devoção católica a Bom Jesus da Lapa resultou um grande e permanente milagre que se arrasta há anos: a sobrevivência coletiva apesar do caos. Mesmo sobrevivendo a cidade sonha com um milagre pra sair do atoleiro. O detalhe é que ninguém se atreve a cobrar urgência ao Bom Jesus que veio da Bahia, porque todos sabem que baiano, com ou sem santidade, não tem pressa, oxente!
Da Redação
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