Eduardo Gomes
@andradeeduardogomes
Nos anos 1990, quando surgiram os INGs (Indivíduos não-governamentais), o meio ambiente nos biomas mato-grossenses era debatido pela intelectualidade boêmia carioca, pelegos paulistas, pensadores da orla atlântica, moradores nos Estados Unidos e Europa, doutores que conheciam Mato Grosso por ouvir dizer e jornalistas passionais viúvos da praça Vermelha. Longe da analogia entre o debate ocorrido na tarde da quarta-feira (27) na Câmara Setorial Temática das Mudanças Climáticas da Assembleia Legislativa (CST) com os acima citados, mas vi com tristeza o vazio lógico no que se discutiu na CST recheada com o saber acadêmico de doutores e pela hierarquia e disciplina de oficiais superiores do Corpo de Bombeiros Militar. Este sentimento é por conta da completamente oca, irreal e insensível forma de debate sobre o Pantanal sem ouvir a sabedoria tricentenária do Homem Pantaneiro que é o coração e o principal elo de uma corrente que não pode quebrar em sua formação pantaneiro-água-flora-fauna.
Sem excluir a ciência e o profissionalismo dos bombeiros – ambos são imprescindíveis – mas não se discute Pantanal com seriedade e profundidade sem a participação do Homem Pantaneiro.
O tema em tela na CST era a mudança climática mundial e o quinhão de responsabilidade mato-grossense. O enfoque chega ao Pantanal pela agressão externa que sofre e por conta do fogo que em 2020 e 2021 ganhou contornos catastróficos, e que deverá ser ainda mais cruel no ano em curso.
Antes da abordagem sobre o Homem Pantaneiro, focalizemos a agressão externa.
Cuiabá, Várzea Grande, Cáceres, Barra do Bugres, Arenápolis, Juscimeira, Nortelândia, Itiquira, Poxoréu, Barão de Melgaço, Santo Antônio de Leverger, Acorizal, Porto Esperidião, Porto Estrela, São Pedro da Cipa e as demais cidades que drenam para o Pantanal, excetuando-se algumas pequenas localidades e Rondonópolis, poluem sistematicamente as águas dos rios Paraguai, Cuiabá e seus afluentes. Não há política para reverter o cenário e a incompetência administrativa junta com a negligência parlamentar completam o cardápio poluidor.
Excluí pequenas localidades, pois em algumas cidades o esgoto não é lançado em águas correntes, mas em fossa séptica esvaziada por limpa fossa. E Rondonópolis, com 245 mil habitantes, banhada pelos rios Vermelho e Arareau, tem coleta e tratamento universal de esgoto. Além do esgoto, o Pantanal recebe uma pesada carga de agroquímicos das lavouras nos chapadões. Mato Grosso tem uma legislação ambiental avançada, porém deficiente sobre mata ciliar, cultivo agrícola e geração de energia elétrica de matriz hidráulica no tocante ao Pantanal.
Está provado que o modelo vigente não blinda a área pantaneira e que é preciso rever os critérios ciliares, do zoneamento agrícola e da autorização para operacionalizar UHE e PCH na Bacia do Alto Paraguai, ainda que haja choro e ranger de dentes das partes que serão afetadas em seu sistema produtivo. Uma nova lei brotada do saber agronômico, ambiental, da engenharia elétrica e do conhecimento prático é imprescindível.
Creio que a citação acima será suficiente para o Pantanal no campo da legislação, mas que em condições análogas e outras diferentes, as demais regiões sejam contempladas com um novo conceito da relação homem-natureza antes que seja tarde demais.
Ao Pantanal e ao Homem Pantaneiro:
Em recente editorial “Reforma agrária de travesseiro ajuda matar o Pantanal” alertei para um fenômeno interessante: propriedades rurais pantaneiras estão sendo vendidas por seus antigos donos, nascidos e criados naquela região, para produtores rurais sem identidade com ela. Envelhecidos, pais e avôs se desfazem de suas fazendas porque seus filhos e netos trocaram suas origens pela vida urbana. Os novos donos não conhecem a realidade do solo onde pisam e precisam ser capacitados para tanto, por meio de parcerias entre o governo estadual e os sindicatos rurais de seus municípios.
O desconhecimento aliado à vontade de ganhar dinheiro revira as entranhas do Pantanal e o deixa vulnerável, pois os novos moradores ou seus gerentes desconhecem a forma de lidar com as belezas e a fragilidade pantaneiras. É preciso conhecer a arte de conviver harmonicamente com as águas, a flora e a fauna.
A brava gente pantaneira remanescente tem que ser ouvida pelos governos federal e estadual; pela bancada federal composta pelos senadores Wellington Fagundes (PL), Jayme Campos (União) e Margareth Buzetti (PSD) e pelos deputados José Medeiros, Nelson Barbudo, Abílio Júnior e Coronel Fernanda (todos do PL), Coronel Assis e Gisela Simona (ambos do União) e Emanuel Pinheiro Neto e Juliana Kolankiewicz (ambos do MDB); pela Assembleia Legislativa; pelo presidente da CST das Mudanças Climáticas, Júlio Campos (União); pelo governador Mauro Mendes (União), pelo Ibama, por Mauren Lazzaretti, titular da Sema; pelas prefeituras, câmaras e pelo conjunto social mato-grossense.
O cenário no Pantanal é preocupante. O presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia, Carlos Avallone (PSDB), informou que poços artesianos estão em fase de abertura na Rodovia Transpantaneira para assegurar água para bichos e abastecer tanques de aviões agrícolas no combate ao fogo. Na porção sul-mato-grossense o quadro é tão grave quanto aqui.
Bombeiros Militares são deslocados para a área, mas a corporação demonstra pouca competência, pois não leva em conta o local de nascimento de oficiais e praças nas missões contra o fogo. O ideal seria que o efetivo fosse pantaneiro, pois assim o bombeiro uniria o aprendizado profissional ao saber de berço.
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Sou fã dos seus textos
Penso da mesma forma. Parabéns pelo artigo.
Eduarti Fraga – Advogado – Cuuiabá – via WhatsApp
Que texto primoroso. Parabéns.
Só você consegue dar o enfoque correto sobre o que está acontecendo no Pantanal.
Enquanto a mídia convencional vem com a balela do aquecimento global, você toca na ferida real do problema. O Pantanal só vai sobreviver enquanto o pantaneiro viver lá.
Marco Antônio Raimundo – Designer gráfico e artista plástico – Cuiabá – via WhatsApp
Espetacular…Eu, como neto, sobrinho, filho de pantaneiro, retornei aos meus 8/10 anos, qdo corria/brincava, livre/leve e solto pelos riachos/lagoas aqui do nosso Pantanal… Mas como diz aí no texto, os antigos/velhos pantaneiros se foram e muitos filhos/netos não se importam mais c esse passado…
Celino Teodoro – Tecnólogo – Rondonópolis – via grupo de WhatsApp Boamidia