A verdade em Mato Grosso além dos números do IBGE

Eduardo Gomes

@andradeeduardogomes

eduardogomes.ega@gmail.com

 

IBGE divulga população de Mato Grosso

Gente mato-grossense

Agonizando em silêncio. Esta a realidade mato-grossense para dezenas de pequenas e médias cidades, que sofrem esvaziamento populacional por falta de infraestrutura. Esta dor é abafada pelo poder político e mascarada pelo número do crescimento estadual ancorado em duas dezenas de cidades que são polo do agronegócio. É preciso conhecer esta realidade, não se prender ao resultado global da frieza estatística do IBGE e avançar além da frieza dos números.

De 2022 para 2024 a população mato-grossense saltou de 3.659.649 para 3.836.399 habitantes. O aumento absoluto foi de 177.750. Este números vistos em suas entranhas revelam dois Mato Grosso: um rico, poderoso, dominado pelo agronegócio e que cresce, também, na área populacional; e outro, à míngua, de pires na mão, formado por municípios primos pobres, que encolhem por não serem atraentes. O ciclo migratório dos anos 1970 a 1990 foi a base para a formação da população. Porém, a migração continua, mas com um público diferente daquele, que buscava espaço para a pecuária e cultivar. A realidade é outra e ela exclui os municípios sem estrutura. O cidadão busca qualidade de vida e não a encontra nos municípios em decadência populacional por falta de saneamento, educação, saúde, segurança, lazer e mercado de trabalho. Qual horizonte oferece Alto Paraguai a um piloto agrícola? O jovem a um passo da faculdade nunca optará por viver em Canabrava do Norte.

O Estado tem os olhos voltados para a área entre o Trevo do Lagarto, em Várzea Grande, e o Coxipó, em Cuiabá. Os investidores jamais trocarão Sinop ou Tangará da Serra por Tesouro ou Reserva do Cabaçal. Em Acorizal, São José do Povo e outras localidades, jovens partem para Cuiabá e outras cidades grandes em busca de emprego e educação, e dificilmente voltam: é o êxodo etário para fugir do marasmo.  Esta situação moldou o mosaico populacional que registra redução da população em 37 municípios no período (2022 a 2024).

Até recentemente o esvaziamento era citado como consequência do fim do garimpo de ouro ou diamante, mas, agora, não; a migração silenciosa atinge todas as regiões, indistintamente e independentemente do modelo econômico do município.

Trata-se de um esvaziamento pequeno, quase imperceptível, mas que se multiplicado por todas as cidades atingidas e mantido ao longo do tempo. resultará num baque para Mato Grosso.

Alguns dos municípios afetados (para não estender muito o material):

Alto Paraguai perdeu 292 habitantes

Alto Paraguai, de 8.009 habitantes  para 7.717; Glória D’Oeste (2.905 para 2.899); Novo Mundo (6.520 para 6.444); Porto Estrela (3.224 para 3.181); Acorizal (5.014 para 4.990); Nortelândia (5.956 para 5.935); Rosário Oeste (15.453 para 15.236); Nova Guarita (4.590 para 4.579); Nova Maringá (5.846 para 5.775); Santo Afonso (2.519 para 2.460); Nova Brasilândia (3.932 para 3.853); Barão de Melgaço (7.253 para 7.204); Reserva do Cabaçal (2.122 para 2.062); Porto Esperidião (10.204 para 10.167); e Araguainha (1.010 para 1.006).

PRIMOS RICOS – O crescimento populacional existe, mas com grandes desníveis e bancado, sobretudo, por 22 municípios do agro, incluindo Cuiabá, que não produz no campo nem tem mercado de trabalho no seu acanhado setor industrial, mas concentra a inchada máquina pública.

Os 22 municípios têm 2.589.444 habitantes, que correspondem a 67,50% da população mato-grossense. O crescimento populacional mato-grossense no período foi  177.750 cidadãos e os 22 municípios respondem por 157.864.

Em ordem decrescente esta relação é formada por:

Cuiabá, a capital e principal cidade, passou de 650.877 habitantes para 682.932; Várzea Grande, em conurbação com a capital, de (300.078 para 314.627), Rondonópolis (244.911 para 259.167), Sinop (196.312 para 216.029), Sorriso (110.635 para 120.985), Tangará da Serra (106.434 para 120.547), Primavera do Leste, Lucas do Rio Verde, Cáceres, Barra do Garças, Alta Floresta, Nova Mutum, Pontes e Lacerda, Campo Novo do Parecis, Campo Verde, Juína, Confresa, Juara, Peixoto de Azevedo, Sapezal, Água Boa e Poconé.

Abandono e indiferença

Os municípios em queda estão e sempre estiveram abandonados. Vários foram interligados à malha rodoviária pavimentada, mas não por política de governo e sim pelo interesse do agro, que domina o poder político. Porém, o médico local é o Dr. Ambulância e o turismo é de saúde. A segurança é precária. Em mais de 100 cidades o número de policiais militares é menor do que no Palácio Paiaguás ou na Assembleia Legislativa ou ainda no Tribunal de Justiça.

Em agosto de 2010 um incêndio que começou num lixão destruiu 116 moradias, indústrias madeireiras e deixou caminhões e tratores reduzidos a ferro retorcido. O governo estadual nada fez e mesmo durante o fogaréu que durou dois dias, fiscais do Ibama corriam atrás de madeireiros para multá-los, não pelo fogo, mas pelo simples fato de serem do setor madeireiro.

O que resta da desintrusão

Em dezembro de 2012 uma desintrusão na área de 155 mil hectares em Alto Boa Vista, São Félix do Araguaia e Bom Jesus do Araguaia, para criar a Terra Indígena Marãiwatsédé dos xavantes, botou mais de cinco mil brasileiros no olho da rua e o governo estadual não moveu uma palha sequer para amparar as famílias atingidas, que foram jogadas de qualquer maneira numa área arenosa em Alto Boa Vista, e que a sabedoria popular apelidou de Saara. A maior parte dos atingidos morava na vila Estrela do Araguaia, conhecida como Posto da Mata, nos municípios de São Félix do Araguaia e Alto Boa Vista.

Rondolândia não tem ligação rodoviária direta com Cuiabá e seu vizinho Aripuanã, ao qual tem acesso por uma trilha carroçável. Por Ji-Paraná e Ministro Andreazza é que se alcança o território mato-grossense; aquele município tem um dos maiores rebanhos bovinos de Mato Grosso.

O governo de Mauro Mendes permanece de costas para os 983 km de fronteira com a Bolívia, que é uma espécie de terra de ninguém por falta de ocupação econômica e investimentos públicos.

O Pará reivindicou no STF a anexação de uma área de 22 mil km² até então de Mato Grosso, que foi negligente quanto a Ação Civil Originária, que hibernou desde 1995, até seu julgamento. Nesse longo período os governadores que exerceram o cargo: Dante de Oliveira, Rogério Salles, Blairo Maggi, Silval Barbosa, Pedro Taques e Mauro Mendes não demonstraram interesse na defesa territorial.

Com a anexação pelo Pará, os municípios de Santa Terezinha, Vila Rica, Santa Cruz do Xingu, Peixoto de Azevedo, Matupá, Guarantã do Norte, Novo Mundo, Alta Floresta e Paranaíta tiveram suas áreas encolhidas.

Os resultados da balança comercial. As safras agrícolas superlativas e o crescimento das cidades ricas mascaram a realidade nesta terra onde mais de 700 mil mato-grossenses vivem abaixo da linha da pobreza ou próximo a ela.

PS – O IBGE não computa isoladamente os números sobre Boa Esperança do Norte, município desmembrado de Sorriso e Nova Ubiratã e que será instalado em 1º de janeiro de 2025. Seus dados estão incorporados aos dos municípios que o originaram.

Comentários (2)
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  • Yael

    Triste realidade

  • Maria Isaura

    Parabéns por nos mostrar este Mato Grosso debaixo do tapete