Chancay e o ‘legado’ de Silval e Riva para Mato Grosso

Eduardo Gomes

@andradeeduardogomes

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Mato Grosso é pai e mãe de Chancay, o megaporto peruano construído pela estatal chinesa Cosco Shipping Company com a participação do Peru. A paternidade e a maternidade que resultou no maior porto comercial da América do Sul nasceu por conta da frouxidão do governo estadual e da Assembleia Legislativa de Mato Grosso. O grande terminal de embarque e desembarque no Pacífico, distante 70 km de Lima e que acaba de ser inaugurado parcialmente pela presidente peruana Dina Boluarte e o líder chinês Xi Jinping, estreita o caminho do desenvolvimento brasileiro, mata sonhos de milhares de empregos para mato-grossenses e paraenses e nos estampa a classe política por um dos ângulos que ela não aceita que seja abordado.

Dina e Xi Jinping, união de líderes pelo Peru e China

Chancay é uma obra orçada em US$ 3,4 bilhões (em torno de 19,7 bilhões de reais). Segundo o governo peruano, gerará 7,5 mil empregos diretos e indiretos e representará um considerável ganho logístico no transporte fluvial do continente para a China e vizinhança, reduzindo o tempo de navegação de 40 para 28 dias.

Na década passada, a China buscava uma rota marítima mais curta e consequentemente mais barata, para importar soja sul-americana, outras commodities agrícolas, carnes, e para exportar quinquilharias e eletroeletrônicos. O primeiro olhar chinês foi sobre Mato Grosso e Pará. Pequim sonhou com uma ferrovia paralela ao Tapajós, ligando Cuiabá e Santarém, mas o sonho virou pesadelo e os olhinhos puxados dos mandarins miraram o Peru. Depois de rápidas e objetivas conversações, Xi Jinping autorizou o início da construção de Chancay. Isso, há exatos oito anos.

O sonho com Mato Grosso e Pará, que virou pesadelo além de atestar a incompetência da classe política  mato-grossense, mostra um ranço de Belém contra Santarém.

O FATO – Castelo de Sonhos, município de Altamira (PA), 3 de setembro de 2011. Ouço o brasileiro Marco Polo Moreira Leite, presidente da Asian Trade & Investiments (ATI), que é de pouca e objetiva conversa. Esse predicado – creio – o apadrinhou para chegar ao comando daquele gigante chinês. Moreira Leite explana aos governadores Simão Jatene e Silval Barbosa e outras autoridades; a Léo Reck, fundador do lugar, e a empresários, uma proposta mandarim capaz de revolucionar a logística de transporte no Pará e em Mato Grosso.

A proposta era construir uma ferrovia com 1.800 quilômetros paralela à BR-163 entre Cuiabá e Santarém, criando um corredor de exportação de commodities no sentido Norte e, numa escala infinitamente menor, na direção Sul, para a entrada de máquinas, eletroeletrônicos, perfumes, roupas, brinquedos e uma infinidade de outros produtos made in China que inundam prateleiras e bancas no Paraguai, Bolívia e parte do Brasil.

Para tanto, a ATI estaria disposta a investir R$ 10 bilhões nos trilhos, terminais intermodais de embarque e desembarque, composições dos trens, e se preciso, desembolsar para garantir a instalação de um porto no rio Tapajós. A obra seria executada em 450 dias. A China constrói em média quatro quilômetros de ferrovia diariamente. A exigência chinesa era garantia jurídica, de que a obra não seria barrada por questões ambientais, indígenas ou outras, e que a ATI explorasse o transporte, sempre observando a legislação brasileira.

Maior parceira comercial de Mato Grosso, a China entendia que a ferrovia seria estratégica tanto para sua política de segurança alimentar que garante panela cheia para 1,4 bilhão de pares de olhos puxados quanto por tratar-se de corredor de interesse universal.

Essa ferrovia levaria vantagem sobre a logística atual de escoamento de commodities do Nortão, por duas razões: eliminaria os longos fretes rodoviários até os portos de Santos e Paranaguá; e ao terminal ferroviário em Rondonópolis; e os embarques nos navios seriam mais rápidos, uma vez construídas modernas instalações portuárias no Pará.

Com a ferrovia e os portos de Miritituba (de Itaituba) e Santarém, o trecho marítimo do multimodal também levaria vantagem sobre Santos e Paranaguá encurtando a distância e reduzindo o tempo do transporte tanto para a Europa quanto para a Ásia, afinal o rio Amazonas que recebe as águas do Tapajós cruza a Linha do Equador, no Amapá, o que deixa aquela hidrovia no centro do mundo.

Tomando-se Sorriso, no Nortão, por referência para efeito de embarque de grãos, farelo de soja, plumas, carnes e madeira, o multimodal exorcizaria o percurso rodoviário até o terminal da ferrovia da Rumo ALL em Rondonópolis, distante 650 quilômetros. O trajeto ferroviário de Sorriso a Santarém seria de 1.400 quilômetros, enquanto que o trem percorre 1.660 quilômetros de Rondonópolis a Santos. De Sorriso para Paranaguá o transporte rodoviário aumenta consideravelmente a distância no comparativo com o percurso ao porto paulista. O trajeto de Sorriso a Itaituba, pela BR-163 é de 1.080 quilômetros..

Silval defendia a ferrovia, mas cauteloso para não trombar com o Ministério Público Federal. Seu colega paraense Simão Jatene demonstrava indiferença. O projeto não foi adiante porque o Brasil não conseguiu dar segurança jurídica aos chineses – no trajeto há problemas agrários, ambientais e questões indígenas. A presença de ONGs internacionais na região é muito grande.

A indiferença de Simão Jatene não descarrilaria a ferrovia, e a mesma nada tinha diretamente contra os trilhos, mas, sim, contra Santarém, porque Belém tenta sufocar aquela cidade e Marabá, que defendem, respectivamente, a criação dos estados do Tapajós e Carajás. O plano foi frustrado por Silval e o deputado que dominava a Assembleia, José Riva. Silval e Riva jamais sairiam em defesa de uma ferrovia questionada pelo Ministério Público Federal, pois ambos eram investigados em vários inquéritos e respondiam a processos nas esferas federal e estadual.

Se o governador e o líder da Assembleia de Mato Grosso partissem em defesa da ferrovia, e mobilizassem a população e a bancada federal, os trilhos teriam saído do papel, Infelizmente nenhum fez nada, pois a preocupação de ambos era salvar a própria pele.

Silval e Riva, o pior que poderia ter acontecido para Mato Grosso

O nebuloso ciclo de Silval e Riva no poder, além do rombo nos cofres públicos, que ambos assumiram em delação premiada, enxotaram os chineses para o Peru, o que resultou em Chancay.

Triste legado de Silval, Riva e de seus comensais.

Chacay dará um grande impulso ao Peru, enquanto a ferrovia sonhada pelos chineses, para nós, não passará de trágica herança negativa de Silval e Riva.

Fotos:

1 – BBC 

2 – Arquivo

Comentários (1)
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  • ADILSON DOMINGOS DOS REIS

    Pois é Amigo Eduardo, você tem toda razão…e nós o testemunho de pelo menos parte destes fatos, os “chinos” na época, talvez um pouco antes, estiveram em Cáceres (via Câmara de Comércio Brasil-China) tratando desse e outros temas correlatos, envolvendo logística e ZPE…O fato é que os dentes dessa engrenagem toda estão se encaixando com essa nova configuração…Aí está Chancay, novo megaporto em águas profundas na costa peruana…aqui está a Zona de Processamento devidamente alfandegada e com ATESTO final do Conselho Nacional, inclusive com empresa industrial implantada, reconhecida e em operação, e Mato Grosso oficialmente na Ásia, através da SEDEC e do próprio Governador, com tudo isso na bagagem…Que Deus Ilumine a todos para que a meritocracia impere, no sentido de superar esses atrasos impostos pelo jogo de interesses que o Amigo tão bem trás à tona…Abração