Eduardo Gomes
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De berço nordestino, Rondonópolis incorporou os sulistas ao seu povo, no ano de 1970, quando foi dada a largada para a interiorização do Brasil, com destaque para o Centro-Oeste e mais intensamente para Mato Grosso, incluindo a área que seria de Mato Grosso do Sul. O governo federal estimulava a migração, e em várias regiões no Sul do país aconteciam problemas agrários, incluindo questões indígenas, e pequenos produtores apostando na possibilidade de trocarem a condição de sitiante pela de fazendeiro, produtor de soja, vendiam suas terras por bom preço e compravam a preço de banana ou ganhavam glebas mato-grossenses.
No primeiro momento houve certa reticência, mas aos poucos a interação dos nordestinos e seus descendentes rondonopolitanos com os sulistas foi perfeita. Cada qual com seu sotaque e seu falar, com sua música e jeito de vestir, mas no fundo formando uma grande comunidade, que ainda hoje, mescla oxente com bah, bombacha com chapéu de couro, xaxado com chula. No poder político os dois grupos migrantes se revezam no polo de Rondonópolis. Carlos Bezerra, Wellington Fagundes, Cláudio Ferreira, Hermínio Barreto, Percival Muniz, Rosalvo Farias, Daniel Moura, Tonho de Menino Velho, Antônio Abóbora, Antônio Ferreira Neto, José Medeiros, Ananias Filho e Cezalpino Mendes Teixeira Júnior – o Pituchinha – nasceram com sangue das terras do Padim Padre Cícero correndo em suas veias; Zanete Cardinal, Antônio Schommer, Blairo Maggi, Rogério Salles, Gilberto Goellner, Adilton Sachetti, Altemar Lopes da Silva, Nininho Bortolini, Sérgio Machnic, Iraci Ferreira de Souza, Jacson Niedermeier, Zeca Viana, Max Russi, Andrea Wagner, Ari do Prado, Nelson Paim, Erico Piana, Alexandre Russi, Fabiano Dalla Valle e Zé Carlos do Pátio têm DNA sulista.
Em meados da década de 1970 a região que seria Mato Grosso do Sul agia como se estivesse emancipada. Tanto assim, que sulistas em busca do Eldorado referiam-se a Mato Grosso como sendo Mato Grosso do Norte. A infraestrutura mato-grossense era ínfima e havia poucas cidades. Exemplo disso é que no Nortão apenas Porto dos Gaúchos era município; no Chapadão do Parecis, somente Diamantino e Aripuanã; e no Vale do Araguaia, após Barra do Garças, a única cidade era Luciara; e na faixa de fronteira, Poconé, Cáceres e Vila Bela da Santíssima Trindade.
Os lavoureiros que vinham para Mato Grosso – para eles, “do Norte” – tinham poucas opções urbanas para residência. O Nortão estava em processo de colonização com a recente abertura da BR-163, a Cuiabá-Santarém; a região era inóspita, insalubre pela malária, isolada e sem comunicação. O Vale do Araguaia enfrentava os mesmos problemas. Aripuanã era quase utopia. À exceção da área urbana de Cáceres, seu entorno era um grande vazio, com pequena presença populacional em Vila Bela, e Poconé era um reino dominado por pecuaristas pantaneiros.
A terra na região de Rondonópolis, maior cidade depois de Cuiabá, era bagatela. Para quem deixou seu berço a mais de mil quilômetros em busca do amanhã em Mato Grosso, era mais cômodo assumir a cidadania rondonopolitana do que enfrentar a solidão amazônica.
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Um detalhe interessante é que Rondonópolis, mesmo pequena, era maior do que a maioria das cidades de origem dos sulistas, e ainda tinha uma vantagem sobre elas: estava em franco desenvolvimento, enquanto aquelas permaneciam estagnadas no tempo.
Os sulistas chegavam e a cidade crescia, mas não somente por causa deles, mas, também, por conta de sua estrutura social. Havia poucos médicos e raros leitos hospitalares. As doenças eram curadas pelos farmacêuticos Elzio Borges Leal, Oswaldo Pinto, José Roveri, Juvêncio Erasmo da Cunha, João Moraes, Mário Farinha, Itamar Carneiro da Silva, Conrado Salles de Brito e outros. O Rotary Club lançou uma campanha pela construção da Santa Casa de Misericórdia e Maternidade de Rondonópolis e a população da região abraçou a causa.
Em 1971 o casal Jupia Oliveira Mestre e José Salmen Hanze, o Zé Turquinho, doou o terreno para a construção; incontáveis bingos de carros e bovinos, na região, arrecadaram fundos e o hospital deixou de ser sonho.
A lógica migratória abriu a porteira da explosão populacional de Rondonópolis, muito embora a cidade não tivesse o esmero urbanístico de Sinop, Canarana, Água Boa, Querência, Nova Mutum e outras cidades que à época engatinhavam como vilas.
A gauchada – como os sulistas eram chamados – fez a opção certa. Os residentes souberam aproveitar a migração e Rondonópolis virou centro regional de prestação de serviço público e de atendimento empresarial. Com a gauchada chegaram as máquinas, equipamentos e o know how lavoureiro. As pequenas lojas de peças automotivas e para maquinário, explodiram: Planalto, Elias, Boa Estrela e outras viraram referência, ao lado das concessionárias Somai (CBT) e Rondomaq (Massey Ferguson); esse comércio atraiu grandes bandeiras do segmento e seduziu os empresários Anacleto Ciocari, Orcival Guimarães e Jones Pagno, dentre outros.
A gauchada enfrentou problemas e muitos pagaram com o sangue o preço da balbúrdia agrária, que não era exclusiva da região de Rondonópolis, e que se estendia por Mato Grosso. Sem georreferenciamento, boa parte das escrituras definia as confrontações das áreas com quem de direito. Em Cuiabá funcionavam escritórios especializados em esquentar títulos de terra. À época, o Ministério Público era um zero à esquerda e somente assumiria seu papel com a promulgação da Constituição em 1988.
A região de Rondonópolis não oferecia garantias jurídicas para a posse da terra. A luta agrária resultou em muitas mortes. Algo precisava ser feito e advogados da cidade e das vizinhas Poxoréu, Jaciara e Dom Aquino fundaram a Subseção da OAB em 1975.
De modo consensual os advogados decidiram que o primeiro presidente seria José Clemente Mendanha. A abrangência da Subseção se estendida de Alto Araguaia na divisa com Mato Grosso do Sul e Goiás ao Pará, na área hoje pertencente a Vila Rica. Assim, a luta agrária saiu da pistolagem e entrou na esfera forense.
O ciclo da violência motivada pela posse da terra passou. No auge, Paranatinga era ironicamente chamada de Paranabala.
Mesmo com os problemas no campo, a produção e a cidade cresceram. O primeiro cultivo da soja em Mato Grosso aconteceu em 1973 e leva as impressões digitais do gaúcho de saudosa memória, Adão Riograndino Mariano Salles, na fazenda São Carlos, em Rondonópolis, que recebia assistência agronômica do pesquisador Hortêncio Paro. Quatro anos depois, a região rondonopolitana cultivou 6 mil hectares, com produtividade média de 22,22 sacas/ha. Essa safra era praticamente a mato-grossense, pois a leguminosa não era conhecida em outras regiões.
Em 1980, a soja assumiu a liderança do pilar econômico mato-grossense. Lavouras pipocavam em Rondonópolis, Jaciara, Alto Araguaia, Alto Garças, Guiratinga e em vários pontos que mais tarde seriam municípios como Primavera do Leste e Alto Taquari. Naquele ano, a cidade descobriu sua vocação exportadora e embarcou 2 mil toneladas da leguminosa no porto de Paranaguá, para a Espanha; quem conseguiu essa proeza foi a Gravataí, instalada no Distrito Industrial. Foi a primeira exportação da soja mato-grossense.
Em 2023, transcorridos 43 anos da proeza da Gravataí, Rondonópolis exportou uma gama de commodities agrícolas para os quatro cantos do mundo – com destaque para a China – que alcançaram US$ 3 bi (FOB) no no período importou US$ 1,11 bi resultando num superávit de US$ 1,89 bi. Esse volume deixa o município na liderança da balança comercial mato-grossense, e nacionalmente como 16º exportador e 49º importador.
De Rondonópolis a soja migrou Mato Grosso afora, mas o fez intensamente depois de consolidar sua condição de âncora econômica daquela região. A consolidação ganhou força em 1980, quando a cidade tinha 81.366 habitantes e os produtores rurais criaram a Associação dos Produtores de Sementes de Mato Grosso (Aprosmat), que foi decisiva para exorcizar a chamada bolsa branca – a semente sem marca e certificação – e a soja maradona. Seu primeiro presidente foi Arno Schneider.
Com altitudes que variam entre 600 e 700 metros acima do nível do mar, o topo da Serra Petrovina, em Alto Garças e Itiquira, é o cenário ideal para a produção de sementes. Tanto assim, que a região reúne o PIB nacional dos produtores de sementes de soja e de outras culturas. Os campos produzem e as empresas comercializam em Rondonópolis, onde estão as sedes das sementeiras Polato, Boa Safra, ATTO, Araguaya, Salles, Arco Íris, Girassol, Petrovina, Tropical, Boa Safra, Bom Futuro, Jotabasso, São Jerônimo, Batovi e outras.
Além de organizar e representar o segmento sementeiro, a Aprosmat travou duas importantes lutas que fortaleceram o agronegócio e consequentemente promoveram o desenvolvimento de Rondonópolis: uma contra a bolsa branca, que é a semente de soja sem procedência, e outra, contra a Soja Maradona, transgênica contrabandeada da Argentina, quando no Brasil era pecado falar em organismo geneticamente modificado. Coube ao então presidente da entidade, Edeon Vaz Ferreira, o embate contra a Maradona.
Nos primeiros anos não havia política agrícola, embora o governo federal derramasse dinheirama na Amazônia Legal por meio de programas de incentivos fiscais. Essa situação mobilizou produtores rurais do polo em busca de amparo. Silvino Fernandes Dal’Bosco, Adroaldo Gatto, Antônio Carlos Machado de Araújo, Bionor Fernandes Feitosa, Claudino Marin e outros reuniam-se no Hotel Guarujá para discutir o problema, e para apoia-los ainda que não efetivamente, o secretário estadual de Agricultura, Rômulo Vandoni marcava presença.
Treze anos depois da Aprosmat nasceu a Fundação de Apoio à Pesquisa Agropecuária de Mato Grosso (Fundação MT). Com essas duas instituições Rondonópolis avançou na profissionalização da agricultura e na pesquisa agronômica.
Com a questão agrária pacificada e a atividade-fim do cultivo alicerçada na semente dos associados da Aprosmat e contando com respaldo agronômico da Fundação MT a soja virou Rainha do Cerrado, Rondonópolis ganhou esmagadoras de soja e a agroindústria ocupou lugar na economia regional. O comércio como um todo ganha com a soja e a cadeia produtiva da leguminosa empurra para cima o salário, o que deixa o trabalhador rondonopolitano num pamatar salarial médio acima de seus colegas nos demais municípios.
O índice de continentalidade – indicador que mede a distância da lavoura ao porto – passou a exigir uma ferrovia, que somada à desoneração concedida pela Lei Kandir às commodities agrícolas, aumentaria a lucratividade. Em etapas, o trem procedente de Santos avançou 1.600 km para Rondonópolis com estações de embarque em Alto Taquari, Alto Araguaia e Itiquira, no trajeto. A estadualização do prolongamento desta ferrovia entre Rondonópolis e Lucas do Rio Verde, com um ramal para Cuiabá, ampliará a malha ferroviária mato-grossense; a obra no trecho está em execução com previsão para entrar em operação em 2026.
Nos primeiros anos das lavouras de soja não havia plantio direto e nem a safrinha, que na verdade é safrona cheia.
Rondonópolis crescia e o mesmo acontecia com as novas cidades que brotavam no cerrado, do dia para a noite. Porém, a concorrência não prejudicou o município que ora aniversaria. Ao contrário, produtores locais expandiram seus negócios para outros regiões, mas mantendo residência no antigo endereço.
Rondonópolis é cada vez mais bela, melhor e o Nortão e a cada dia ganha novos moradores e investidores de todas as áreas. Os pais que enviavam seus filhos para as universidades em Cuiabá e fora de Mato Grosso reduziram o vaivém, com a consolidação do ensino universitário local.
Polo de Rondonópolis
Sensacional matéria! Detalhes históricos que somente a memória fabulosa de Eduardo Gomes guarda. Com maestria ele nos leva ao passado e presente de cada canto desse imenso MT, que ele conhece como ninguém, e especialmente Rondonopolis, nessa semana. 👏👏👏
Parabéns. Excelente matéria
Norma Rampelotto Gatto – produtora rural – Rondonópolis