SÉRIE – Sete querem o governo – Fávaro

Eduardo Gomes 

@andradeeduardogomes

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Fávaro encontra-se com Deus no Paraná

Dizem que Deus desceu à Terra para distribuir virtudes e defeitos aos homens. À sombra de uma Araucária, em Bela Vista do Paraná (PR), o Todo-Poderoso iria pulverizar a ganância, mas uma gritaria o impediu de fazê-lo. Era Carlos Fávaro, adolescente nascido naquele município, em 19 de outubro de 1969. Fávaro, segundo dizem, pediu toda a ganância para si, e o Senhor ponderou que somente o atenderia se ele provasse que seria capaz para tanta ganância, quanto a que seria lançada ao mundo. O jovem respondeu afirmativamente, salientando que a ganância estaria em boas mãos, desde que ele fosse contemplado com muita organização, disciplina e insensibilidade. Muitos anos depois, em Mato Grosso, se vê que a conversa fluiu bem entre a criatura e o Criador sob a sombra da árvore-símbolo do Paraná. Tanto fluiu que o dono da ganância é um dos principais políticos mato-grossenses e está na corrida ainda não homologada em convenção, para o governo estadual.

ELE – Carlos Henrique Baqueta Fávaro integra um grupo de vencedores, quase todos sulistas, que foram para um projeto de reforma agrária do Incra, em Lucas do Rio Verde, nos anos 1980 e 1990, e trocaram a identidade de parceleiros pelo baronato da soja.

 

Eraí preparou Fávaro para o poder

Fávaro entrou no noticiário em 29 de novembro de 2011 ao assumir a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja). Àquela época, tanto a Aprosoja regional quanto a nacional eram presididas pelo produtor Glauber Silveira, o Maguila, que eternizava-se no poder. Alguns líderes do agro passaram a se sentir desconfortáveis com aquele cenário, e a presidência em Mato Grosso caiu no colo de Fávaro. Não caiu por sorte nem por coincidência – foi decisão de Eraí Maggi Scheffer, um dos homens mais fortes do agro brasileiro e que costuma dar as cartas de modo discreto: escolheu seu afilhado Fávaro. Os produtores disseram  amém e o elegeram sucessor de Maguila.

Fávaro na Aprosoja era parte de um plano de Pedro Taques com apoio de Eraí à frente do baronato do agro. À época, Taques era senador pelo PDT, e Blairo Maggi estava no Senado, pelo PR. Eraí via em Fávaro (filiado ao PP) o nome ideal pra compor a chapa de Taques ao governo em 2014, por sua capacidade de articulação, boa oratória e afinidade ruralista – e a tal ganância, que cito na abertura do texto.

No dia 5 de novembro de 2013, em nome do projeto 2014, Fávaro reelegeu-se presidente da Aprosoja e com intensidade migrou para as páginas dos jornais, sites, rádio e TV. Veículos de Comunicação sabiam que Fávaro representava Eraí, mas quase não tocavam no assunto, e quando o faziam, adotavam tom editorial moderado.

Analistas e formadores de opinião diziam reservadamente que a candidatura de Taques ao governo precisaria de um bom vice, para se viabilizar. Taques é emburrado, impessoal, não cultiva amizade, arrogante e não consegue se desvincular da função de procurador da República, da qual abriu mão para concorrer ao Senado em 2010. Nas rodas de jornalistas dizia-se que o ideal seria um político carreirista e populista para compor sua chapa; alguém com o perfil de Zé Carlos do Pátio, de Rondonópolis; Wilson Santos, de Cuiabá; ou Nilson Leitão, em Sinop, que são figuras identificadas pelo DNA do palanque. Eraí, no entanto, o queria e ninguém ousaria discutir com ele.


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Eraí conhece profundamente as entranhas das campanhas eleitorais e sabe bem mexer as peças de seu tabuleiro. Eraí, juntamente com Otaviano Pivetta (agora vice-governador pelo Republicanos) e Allan Malouf encarregaram-se de transformar a dobradinha em sonho de consumo do eleitor. Para tanto, teriam que viabilizar recursos para botá-la na estrada em busca de votos.

No salto da Aprosoja para a chapa de Taques, Fávaro transmitiu a presidência para seu vice, Ricardo Tomczyk, advogado que cultiva em Rondonópolis e que seria secretário de Estado no governo Taques.

Fávaro e Taques juntos até na imagem refletida

VITÓRIA – Em janeiro de 2015, com Fávaro na chapa, Taques entrou no Palácio Paiaguás com a sirene ligada. Era a imagem do xerife. Mal seu governo começou e a cúpula do poder de seu antecessor, Silval Barbosa, foi para o xilindró: Silval e sua mulher Roseli, Pedro Nadaf, Afonso Dalberto, Arnaldo Alves, Éder Moraes, Chico Lima, Pedro Elias, Edmilson Santos e outros.

Não somente a sirene de Taques dava tom sombrio ao Paiaguás. Longe do olhar do cidadão estava em curso um criminoso e imoral esquema de escuta telefônica clandestina, que atingia adversários do governador, servidores públicos, jornalistas, médicos, advogados e até Fávaro. Isso ganhou o nome de Grampolândia Pantaneira, mas pode ser chamado de impunidade se visto pela condenação (que não houve) de seus verdadeiros cabeças.         

O governo Taques tinha rótulo de seriedade, mas foi caracterizado por prisões e demissões de secretários. Em 4 de abril de 2016 Fávaro assumiu a Secretaria de Meio Ambiente (Sema)  substituindo a promotora de Justiça Ana Luiza Ávila Peterlini de Souza e permaneceu no cargo até 18 de dezembro de 2017, quando o transmitiu a André Torres Baby. Ana Peterlini foi impedida de permanecer na Sema, por ser integrante do Ministério Público, que assim o entendeu.

Durante a gestão de Fávaro na Sema uma investigação do Ministério Público (MP) teria descoberto um crime com sério impacto no meio ambiente em Mato Grosso, na  emissão irregular de Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Preliminarmente  teriam sido descobertos 650 casos de irregularidades em CARs. Em razão disso, o MP teria pedido à Vara Especializada do Meio Ambiente (Vema), prisões preventivas de servidores ligados ou suspeitos de ligação com a fraude na emissão, e também a prisão preventiva de Fávaro. O pedido teria sido feito em 22 de setembro de 2018. A fonte dessa informação é ligada ao MP e acrescentou que no grupo  de Fávaro houve desespero, pois se o mesmo fosse preso, seu projeto político seria inviabilizado. Esse caso foi estanhamente abafado.

À princípio o plano de poder para Fávaro – a ganância que citei – não contava com a derrota de Taques em sua tentativa de reeleição em 2018, e ainda teve que ser reconfigurado no dia 5 de abril de 2018 com a renúncia de Fávaro do cargo de vice-governador.

RENÚNCIA – Fávaro queria ser senador em 2018, mas acontece que uma rusga com Taques que colocava em risco seu projeto ao Senado. A lei dizia que em caso de viagem do governador ao exterior, automaticamente o vice seria revestido do cargo. Taques – como se diz nos meios políticos, não é flor que se cheire – poderia embarcar para Santa Cruz da la Sierra, de uma hora para outra, e se fizesse isso, Fávaro seria inelegível para senador. Dos males o menor. Uma carta e muito discursos pregando desprendimento chancelaram o adeus à vice-governadoria.

O caminho ao poder no Paiaguás em 2014

Entendam:

 

Em 2017 o empresário Alan Malouf foi condenado pela então juíza Selma Arruda, da 7ª Vara Criminal,  a 11 anos e 11 meses de prisão por sua participação num esquema de desvio de dinheiro da Secretaria de Estado de Educação; Malouf sempre negou. O esquema foi descoberto na Operação Grão Vizir, desencadeada pelo Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco), como desdobramento da Operação Rêmora. Descobriu-se que foram desviados milhões de reais em construção e reforma de escolas estaduais. O rombo resultou na prisão do secretário de Educação Permínio Pinto, e de figuras da arraia-miúda que exerciam cargos comissionados naquela secretaria, por indicação do então deputado federal Nilson Leitão e do à época deputado estadual Guilherme Maluf (agora conselheiro do Tribunal de Contas do Estado/TCE), ambos tucanos. Investigações, cruzamentos de dados, depoimentos e delações apontaram que a roubalheira seria para cobrir empréstimos contraídos para gastos de campanha  de Taques e Fávaro.

Observem que Taques disputou o governo numa chapa com Fávaro – bem objetivamente tal esquema beneficiou o candidato a governador e o candidato a vice-governador.

PSD um partido no colo de Fávaro

Riva deixou não somente a presidência da Assembleia, mas, também, o PSD para Fávaro

Em 2014 o PSD era um dos maiores partidos de Mato Grosso. Seu líder era o deputado estadual José Riva, que durante 20 anos foi mandachuva na Assembleia, mas quem o presidia era Chico Daltro, vice-governador e braço direito de Riva. Naquele ano Riva caiu em desgraça política e a lei ficha limpa não permitiu o registro de sua candidatura à reeleição nem ao governo. Manietado Riva lançou sua mulher, Janete, para governadora, e a filha do casal, Janaína, para deputada estadual.

Janaína venceu a eleição e Janete foi derrotada. Fávaro foi eleito vice-governador pelo PP, partido inexpressivo eleitoralmente em Mato Grosso. Eraí reuniu-se com Gilberto Kassab – cacique nacional do PSD – e a legenda caiu no colo de Fávaro em 28 de setembro de 2015. Eraí e Taques queriam o espólio partidário de Riva, mas refugavam o grupo chamado Viúvas de Riva. A ordem  era um expurgo paralelamente à renovação de filiações.

O novo mandachuva e sucessor de Riva exigiu que alguns nomes se desfiliassem, e dentre eles, Riva; Janaína Riva, filha de Riva, deputada estadual eleita com 41.171 votos, a segunda maior votação para o cargo em 2014; e o depuado estadual Gilmar Fabris. Os Riva pegaram o boné. Fabris articulou com Fávaro e Taques, e permaneceu.

Fávaro cumpriu bem o papel do desmanche para a reconstrução do PSD. O partido tinha 23 prefeitos, sendo alguns inelegíveis por cumprirem o segundo mandato, a exemplo de Mauro Rosa, de Água Boa, a principal cidade do Vale do Araguaia; tinha 20 vice-prefeitos e 260 vereadores. Parte desses políticos municipais foi eleita em 2016. O grupo das Viúvas de Riva, no âmbito das prefeituras, deixou o poder em 1º de janeiro de 2021.

 

Derrota ao Senado

Deu Selma e Jayme no Senado

Em 2018, senhor absoluto do PSD, Fávaro disputou o Senado numa chapa com Geraldo Macedo (PSD) na  primeira suplência e José Lacerda (MDB) na segunda. Duas cadeiras estavam em disputa. Selma Rosane Arruda (PSL) numa chapa partidária com Gilberto Possamai e Clerie Fernandes, foi a mais votada, com 678.542 votos; Jayme Campos (DEM) com os suplentes Fábio Garcia (DEM) e Cândida Farias (MDB), ficou em segundo com 490.699 votos. Fávaro recebeu 434.972 votos ficando em terceiro.

A chapa de Selma foi cassada por caixa dois e abuso de poder econômico. O governador Mauro Mendes (DEM) pediu ao Supremo Tribunal Federal que designasse a cadeira de Selma para Fávaro até a realização de uma inédita eleição suplementar ao Senado. Mauro justificou que Mato Grosso era prejudicado nas votações por contar com somente dois senadores. O chororô do governante foi aceito.

Brasília, sexta-feira, 17 de abril de 2020. Pela primeira vez no regime democrático brasileiro um político  não eleito e designado judicialmente assume o cargo de senador. O felizardo foi Fávaro. seus suplentes também foram contemplados.

Fávaro, Margareth e José Lacerda ao Senado

A eleição suplementar aconteceu em 15 de novembro de 2020 e Fávaro venceu o pleito com 370.472 votos numa chapa com os suplentes Margareth Buzetti (PP) e José Lacerda (MDB).

Liderado por Eraí, que é aliado de Lula, Fávaro foi nomeado ministro da Agricultura e Pecuária. Sua cadeira no Senado é ocupada por Margareth, que filiou-se ao PSD.  Senadora sem votos, Margareth é bolsonarista, o que mantém Fávaro sobressaltado e sempre que acontece votação importante ele deixa o ministério e reassume sua cadeira.

No Senado Margareth adota postura de rebeldia adolescente e não aceita se afastar do plenário para José Lacerda. Uma corrente no PT torce para que a reforma ministerial que Lula fará nos próximos dias inclua o Ministério da Agricultura e Pecuária, para que Fávaro volte ao Senado.

Caso Fávaro seja substituído na reforma não será desprestígio. Lula tem que compor com os grandes estados, e eleitoralmente Mato Grosso é um pária. Com ou sem ministério Fávaro deverá ser o candidato ao governo com as bênçãos de Lula, e já se fala, inclusive numa chapa com ele dobrando com a ex-deputada federal petista Rosa Neide, que tem domicílio em Cuiabá, embora seja baiana e ex-vereadora por Diamantino.

PAPAI – A jornalista Rafaela Fávaro, filha de Fávaro e líder do PSD Mulher Mato-grossense, foi candidata a vice-prefeita de Cuiabá na chapa do deputado estadual petista Lúdio Cabral, e chegou ao segundo turno, vencido por Abílio Brunini (PL).

O nome de Rafaela figura entre os prováveis para a disputa pela Assembleia Legislativa em 2026.

RESUMO – Fávaro além da ganância pelo poder, também cultiva a gratidão. Seu primeiro passo no Ministério da Agricultura e Pecuária para Mato Grosso foi o patrolamento de estradas por onde Eraí transporta parte de sua produção.

O arroz queimou para Neri

Infelizmente escândalo político é regra em Mato Grosso e não excessão. Em junho do ano passado, o governo federal teve que correr para anular um leilão de importação de 263 mil toneladas de arroz pela Conab. Quem pagou o pato foi o então secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e Pecuária, Neri Geller.

Neri aponta todos os dedos para Fávaro debitando a culpa a ele, mas o ministro finge que não é alvo de Neri, que é de sua aliança política e seu vizinho em Lucas do Rio Verde, cidade acostumada a escândalos na área do agro.

Em meio a tudo isso, Fávaro leva adiante seu plano para ser governador. Ele sabe que historicamente o PT sempre recebe em torno de 22% da votação nas eleições majoritárias estaduais. Com a pulverização de candidaturas ao governo e o apoio que ele tem junto a uma fatia considerável do agro, seu projeto não é utópico, mesmo com ele disputando por uma sigla auxiliar do petismo, o PSD.

Lembrem-se que no Paraná, além da ganância, Fávaro também pediu muita organização, disciplina e insensibilidade: que venha o cargo, pois ele está organizado para a campanha, disciplinado perante Eraí e insensível ao arroz queimado de Neri.

SÉRIE – Continuem lendo a série Sete querem o governo.

A postagem dos nomes citados ao governo é aleatória.

A postagem começou no dia 3 deste mês e o primeiro focalizado foi o senador Wellington Fagundes (PL).

 

Fotos:

1 e 8 – Marco Antônio Raimundo sobre fotos da Agência Senado

2 – José Medeiros Secom/MT

3 – Maurício Barbant/ALMT

4 – Agência Senado

5 e 6 – Divulgação de campanhas eleitorais

7 – Carta Capital

8 – Arte Marco Antônio Raimundo

 

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