157 ANOS DE VÁRZEA GRANDE – Sarita Baracat

Eduardo Gomes

@andradeeduardogomes

Várzea Grande, 29 de dezembro de 1930. Nasce uma mulher que enxergava além da linha do horizonte.

“Leite de cabra é vida”. Com essa frase solta, ela interrompe a explicação que fazia para mostrar como desmontou o preconceito masculino que teimava em não aceitar mulher disputando cargo eletivo. Com a voz rouca e mansa, criando um círculo imaginário ao qual contornava com o indicador esquerdo, no sentido anti-horário, acrescentou “todos os dias saía de minha casa em Várzea Grande para assistir aula no Liceu Cuiabano, em Cuiabá. Não havia transporte. Fazia a caminhada, nos dois sentidos. Antes de botar os sapatos no caminho tomava uma caneca reforçada de leite de cabra, ora puro, ora com café ou raspa de rapadura”. Ela acreditava que aquele costume matinal lhe deu força suficiente para levar uma vida saudável, que somente terminou na noite da segunda-feira, 9 de outubro de 2017, quando aos 86 anos, em sua casa, fechou os olhos pela última vez.

Foi figura conhecida pelos várzea-grandenses, inclusive os recém-chegados. Todos a chamavam de Professora. Ninguém estava errado. Afinal, dentro e fora das salas de aula, o que mais fez foi dar lições de humanismo, apontar caminhos, elevar a voz em defesa de sua gente.

Menina rica, optou pela militância política ao invés de seguir praticamente todas as moças de sua época, que ficavam na janela sonhando com o príncipe encantado. Seu pai, o empresário sírio Miguel Baracat, e sua mãe, Warda Zain Baracat, também daquele país, viveram um romance em Buenos Aires, onde se refugiaram dos conflitos que há séculos afligem habitantes da Síria e que nem Deus sabe quando terminarão. Um navio de passageiros trouxe os Baracat da Argentina para o Brasil, mais precisamente para Várzea Grande, onde seo Miguel montou a primeira padaria industrial do lugar.

A terra foi generosa com os Baracat, que ganharam muito dinheiro, mas a fortuna maior viria ano após ano com uma escadinha de oito filhos do casal, incluindo ela, que chorou pela primeira vez , nos braços de uma parteira.

Seo Miguel era linha-dura. Bem ao estilo sírio,não permitiu que ela tivesse a liberdade das meninas de sua época. Mas passa tempo e mais tempo e a menina vira normalista,chega aos 20 anos, ganha asas. Militante da União Democrática Nacional (UDN), foi nomeada tesoureira da prefeitura de sua cidade pelo prefeito e correligionário Gonçalo Botelho. Morena bonita, cabelos encaracolados, desinibida. sorriso envolvente, a tesoureira caiu na graça popular.

Da Tesouraria para a Câmara Municipal foi um pulo. Primeira vereadora de seu município, ela recebeu a maior votação para o cargo, apesar da resistência machista.Daí foi para a prefeitura na condição de prefeita, a primeira do lugar e uma das pioneiras no cargo em Mato Grosso. A Assembleia Legislativa estava logo ali. Recebeu votos em vários municípios, mas foi o povo de sua terra que  a elegeu deputada estadual. Como nos idos da escola, voltou a cruzar o rio Cuiabá de segunda a sexta, nos dois sentidos. Só que não mais como antes, mas ocupando um possante importado. Deputada preparada para o embate político, carregava em sua bagagem os diplomas de professora e advogada.Hábil oradora, prendia a atenção do plenário e desencorajava apartes de seus pares.

Em meio à correria política, ela encontrou tempo para o amor. Subiu ao altar  e entregou-se ao noivo Emanuel Benedito de Arruda, o Caboclinho, que presidiu a Câmara de sua cidade.

Os Baracat tiveram dois filhos: Fernando Baracat, que é um dos maiores colunistas sociais de Mato Grosso; e Ernandy Maurício Baracat de Arruda, o Nico Baracat, que foi vice-prefeito de seu município, deputado estadual, chefe do Gabinete do governador Silval Barbosa e secretário de Estado de Cidades. Nico morreu em 16 de junho de 2012, aos 52 anos, num acidente na BR-163. no município de Diamantino. Neto do casal Baracat e filho de Nico, Kalil Baracat (MDB) é o prefeito de Várzea Grande, onde foi vereador e exerceu o cargo de secretário municipal de Desenvolvimento Urbano e Turismo.

Tempo também teve para entregar-se de coração ao Clube Esportivo Operário Várzea-grandense (CEOV), que era uma das paixões de sua família. Essa entrega começou quando participou de sua fundação e foi reforçada ao receber a faixa de Primeira Rainha do CEOV.

Ativa, participou das grandes decisões políticas de seu tempo. Teve destacado papel na incorporação do PP pelo PMDB. Exerceu funções públicas relevantes nas esferas estadual e federal.

Seu adeus foi mais um capítulo da sucessão humana. Fica o vazio e seus exemplos que devem ser seguidos por quem escolhe o caminho da vida pública. Descanse em paz, Professora Sarita Baracat de Arruda. Sua luta foi importante para a conquista do espaço feminino na política em Mato Grosso.

PS – Outros personagens várzea-grandenses serão focalizados pelo blog no período comemorativo pelos 157 anos de Várzea Grande, a maior cidade de Mato Grosso.

Texto do livro DNA do melhor lugar do mundo (1ª edição) publicado em 2023 pelo jornalista Eduardo Gomes – Postado pelas comemorações dos 157 anos de fundação da cidade de Várzea Grande em 15 de maio de 1867 pelo governador Couto Magalhães.