A leguminosa mudou o perfil da cidade que foi Rainha do Algodão e onde surgiram a Aprosoja e a Fundação MT
Produtores sulistas que cultivavam soja na região de Dourados, deram grande empurrão na lavoura da soja na região de Rondonópolis, pouco antes da divisão territorial que criou Mato Grosso do Sul em 1977. Mas, o pioneirismo não foi deles (02). Com a chegada da lavoura a cidade cresceu, virou metrópole regional com 228.857 habitantes. O cultivo avançou Mato Grosso afora transformando a base econômica mato-grossense e paralelamente a isso mudou costumes, fez cidades brotarem da noite para o dia.
Não se pode contar a história da saga da soja na Terra de Rondon como se ela fosse um fato isolado, pois a mesma está de tal modo entrelaçada com Rondonópolis, que as duas se fundem e se confundem.
Linda, perfumada, meiga, gostosa, sensual, envolvente e figura comum em Rondonópolis. Bons tempos aqueles em que a atriz Jacqueline Bisset, que nasceu inglesa com o pesado nome de Winifred Jacqueline Fraser Bisset entrava na cidade ao volante de um empoeirado Toyota tupiniquim para acompanhar o capataz da fazenda pantaneira de seu namorado Giovanni Lancia. A Diva sabia o caminho certo ao Armazém Patureba, onde as grandes fazendas do Pantanal no entorno da cidade se abasteciam, fiado, na caderneta.
Jacqueline Bisset era o rosto mais bonito e o perfume mais excitante nas ruas pouco movimentadas da cidade. Sua presença na fazenda era para encontros tórridos com o amado, poderoso fabricante de carros esportivos. Enquanto Lancia pescava e bebia com amigos famosos sua amada subia a serra, pegava a estrada para Rondonópolis, mas sequer tinha noção que presenciava a transformação de uma cidadezinha de nariz arrebitado na metrópole regional que surgia na esteira da soja, a leguminosa de origem chinesa e que deixava os poderosos pecuaristas do Vale do Jurigue de orelhas em pé a ponto de chamarem o amarelão CBT-1090 (04) que era o rei dos tratores, de onça comedeira de bezerros.
Sem saber da dor de cotovelo dos donos das boiadas e do avanço da soja no cerrado Jacqueline Bisset queria apenas viver a pequena cidade pra fugir de sua rotina nos estúdios de Hollywood. Enquanto o capataz separava as compras ela ia com seu Toyota até o Bar do David, na esquina da Amazonas com a 13 de Maio e num ambiente exclusivamente masculino ocupava uma mesa e pedia um Martini com pastel de “palmitô”.
Era a década de 1970 e com ela a transformação. A cidade carregava o título de Rainha do Algodão, mesmo produzindo safras que hoje seriam ridículas, cultivadas em lavouras de toco e colhidas manualmente em Nova Galiléia, São José do Povo e outras localidades, com apoio do comerciante potiguar Elias Medeiros, o Medeirão, que comprava a produção para a Matarazzo e outras indústrias.
DIVISÃO – Na safra 1977/78, com a divisão territorial consolidada Mato Grosso começou a expandir o cultivo da soja, de Rondonópolis para as demais regiões, não sem antes plantar arroz por dois anos na área “amansando-a” para a sojicultora. De grão em grão, de avanço em todas as direções, de incorporação e criação de tecnologia com a rotação de cultura e plantio direto, os lavoureiros viraram senhores do agronegócio.
Em 1977 Rondonópolis e entorno (que basicamente era o cultivo mato-grossense) semearam 6 mil hectares (ha) de soja. A safra foi de oito mil toneladas (t) com produtividade média de 22,22 sacas/ha. Transcorridas pouco mais de quatro décadas a área em Mato Grosso saltou para 9,6 milhões/ha, que segundo estimativa da Aprosoja produzirá 32,5 milhões/t com produtividade de 56,04 sacas/ha.
MUDANÇAS – Longe das lavouras, em Rondonópolis, a soja foi fator de miscigenação, de mudança cultural, de melhoria da qualidade de vida na região dominada pela pecuária controlada por criadores que aplicavam querosene no cangote do gado para espantar a febre aftosa que virava gabarro.
Com a soja Rondonópolis arrebitou ainda mais o nariz, que sua marca registrada. Em 1973, quando a prefeitura lançou um programa de pavimentação urbana, produtores de arroz secavam o cereal no asfalto interditando quarteirões, mas tendo sempre o cuidado de deixarem funcionários de plantão para o recolhimento rápido ao menor sinal de mudança do tempo. Um desses agricultores era o então vereador Ildon Maximiano Peres. Esses produtores também descobriram o caminho da soja.
Rondonópolis ganhou novos nichos de mercado com a soja. A Somai, empresa do empresário João Belmonte e seu sócio Dilson Cardozo, foi o maior revendedor brasileiro da marca CBT (04). O padrão residencial mudou por completo e até a programação do rádio sofreu influência do Rio Grande do Sul, de onde migraram famílias de agricultores.
O mosaico fundiário era balbúrdia completa e campo aberto para advogados fazerem o pé de meia, mas a comarca não tinha subseção da OAB, que somente seria criada em 1975 e instalada com a posse de seu primeiro presidente, o advogado José Clemente Mendanha, que permaneceu no cargo por dois anos. A Subseção da OAB de Rondonópolis tinha extensão territorial descomunal, pois englobava as comarcas de Barra do Garças, que se estendia à divisa com o Pará, e Alto Araguaia, na divisa com Goiás.
A violência nem de longe tinha os índices atuais, que parecem estatísticas de guerra civil. A única droga que existia era figurada, em tom de desabafo. Quando o pneu do carro batia numa pedra o motorista gritava, “droga”. Ladrões estão e sempre estiveram por todas as partes. Se algum aparecia podia ser o fim da picada, com uma viagem sem volta ao sumidouro do rio Itiquiratendo a lua por testemunha. Qualquer ameaça que surgisse a cidade sabia a que recorrer: o temível tenente Adib Massad, que sabia como poucos botar ordem na casa; hoje Adib é coronel aposentado da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul. Adib sempre negou que participasse das tais viagens; os passageiros também, claro.
No vaivém da cidade que crescia o nissei Shiro Nishimura se misturava às pessoas e se virava da melhor maneira possível pra cuidar de sua fazenda na região de Juscimeira. Shiro voltou para Pompéia, no interior paulista, a cidade onde seu pai Shungi montou a gigante Jacto – famosa na televisão pelos carrinhos para transporte de jogadores lesionados – que ora administra com a família.
Em 1980 agricultores criaram a Associação dos Produtores de Sementes de Mato Grosso (Aprosmat). Treze anos depois nasceu a Fundação de Apoio à Pesquisa Agropecuária de Mato Grosso (Fundação MT). Com essas duas instituições Rondonópolis avançou na profissionalização da agricultura e na pesquisa agronômica. A Aprosmat foi decisiva para exorcizar a chamada bolsa branca – a semente sem marca e certificação. A Fundação MT é referência agronômica mundial na agricultura do cerrado.
MÁFIA – Despercebido entre a população da cidade que crescia o italiano Don Tommaso Buscetta – um dos mais temíveis mafiosos da Cosa Nostra – era pacato hóspede de um amigo na Rua Armando Araújo, no Parque Real. Às noites, costumava dar asas aos desejos e descambava para o cabaré Coqueirinho, à margem da BR-364, que era tocado pela Cristina.
Buscetta era velho conhecido do Brasil e inclusive foi casado com uma brasileira. Em janeiro de 1981 deixou a Itália e oficialmente veio abrir uma terra de seu sogro no Pará. No entanto, optou por morar em Rondonópolis, o que em tese inviabilizaria seu projeto paraense. O tempo se arrastando e ele, na surdina levando adiante uma atividade criminosa e que não é engolida por nenhum judeu: o mercado de diamante. Isso mesmo!
O saudoso William Dias, advogado criminalista dos bons e mais tarde deputado estadual, cuidava da blindagem de Buscetta e certa vez revelou que ele escolheu Rondonópolis por ser o polo da extração de diamante em Poxoréu e no Vale do Garças. Com uma rede de compradores ele estava mandando a pedra mais preciosa do mundo para a Europa. Seu negócio no Pará, seria uma forma de justificar sua presença em Belém, para onde levava as pedras e as despachava contrabandeadas por navios.
Bastou uma denúncia e em 23 de outubro de 1983 Buscetta foi parar atrás das grades em São Paulo. Sua página de prisão, delação, extradição para os Estados Unidos e sua morte em 2 de abril de 2000 são de domínio público.
EXPOSUL – Quando a soja invadiu Rondonópolis, exposição agropecuária era mais pecuária que agrícolae o sindicato rural presidido por Zeca de Ávila vestia a camisa dos donos das boiadas. Nesse clima de animosidade Zeca liderou a construção do parque de exposição da cidade, onde se realiza a internacional Exposul.
Sem fundos para concluir a obra Zeca correu o chapéu junto ao governador e pecuarista Wilmar Peres de Farias, que deu o sim, mas condicionando-o ao culto ao ego: exigia que o parque levasse seu nome.
Coincidência ou não, o parque se chama Wilmar Peres de Farias, mas rótulo à parte é nele que se realiza uma das maiores e melhores exposições brasileiras e com uma vantagem: a turma da soja compartilha o chimarrão com os pecuaristas e, esses, em tom amistoso até aprenderam o bordão, “bah, tchê!”.
Redação blogdoeduardogomes
FOTOS:
1 – Museu Rosa Bororo
2 – Youtube
3 – campograndenews.com.br
4 – Roger Andrade
5 – blogdoeduardogomes