40 Anos – Assembleia, adesista e mergulhada em escândalos

 

Sempre adesista, mais governista que o governo. Assim é a Assembleia Legislativa de Mato Grosso, com uma ou outra exceção numa e noutra legislatura. O mandato dos deputados eleitos em 1974 chegava ao fim quando aconteceu a divisão territorial e eles não devem ser contados entre os legisladores do pós-divisão. Nesse contexto é preciso considerar que a bancada oposicionista do MDB eleita em 1978 foi altiva e combativa. A atual legislatura está afundada em escândalos e sem peso de representatividade.

Em 1979 o Manda Brasa – apelido do MDB – ocupou sete cadeiras com Dante de Oliveira, Márcio Lacerda, Isaías Rezende, Paulo Nogueira, Roberto Cruz, Jalves de Laet e João Torres. O governador Frederico Campos (Arena) foi nomeado, mas conduziu uma administração séria, que não abria espaço aos corruptos. Sem maracutaias para denunciar e travada pelo rigor institucional que não abria passagem à crítica ácida, a oposição fazia o chamado brulho comedido, mas nunca se curvou a Frederico.

Júlio Campos conquistou o governo pelo voto em 1982. Político da velha guarda e tinhoso, Júlio deu a largada para o adesismo parlamentar que vigora desde então. Sempre com o amém dos deputados Júlio não sofreu nenhum questionamento na Assembleia.

Carlos Bezerra (PMDB) fez a maior ruptura política do pós divisão. Até então o poder era cuiabano e alternado entre figuras da UDN e PSD, que se abrigaram na Arena com a criação do bipartidarismo.

Prefeito de Rondonópolis, Bezerra ocupou todos os espaços possíveis e aproveitou bem o momento em que o PMDB elegia até poste – como se dizia em 1986 quando venceu a eleição ao governo. Bezerra moeu a oposição e a tratou com rédea curta; quem não rezasse por sua cartilha ficava a pão e água: nenhum deputado chegou a essa condição.

Jayme Campos com o rótulo de Pedra 90, em 1990 venceu a eleição ao Paiaguás e não enfrentou oposição na Assembleia.

Dante de Oliveira, que fez oposição a Frederico Campos. chegou ao governo em 1994 e repetiu a dose quatro anos depois, vencendo sempre em primeiro turno. Dante governou tranquilo sob as bênçãos da Assembleia. Em seu governo os deputados iniciaram uma vergonhosa prática adesista: passaram a trocar de partido para ficarem na mesmo sigla do governo: não lhes bastava apenas ser da base governista.

O único incidente de Dante com a Assembleia aconteceu quando o presidente Gilmar Fabris a fechou administrativamente por falta de recebimento pontual do duodécimo. O vice-governador Márcio Lacerda entrou em cena, contornou a situação. Com o dinheiro no cofre os deputados aplaudiam até o silêncio de Dante.

Blairo Maggi entrou em cena em 2002 vencendo a eleição ao governo pelo PPS. Blairo ganhou em primeiro turno, mas não conseguiu eleger a maioria na Assembleia. A diferença em plenário não foi problema: dos 14 deputados do grupo de Dante e petistas somente Carlão Nascimento (PSDB) não aderiu a Blairo. A debandada foi puxada por José Riva, que assim a justificou em seu caso pessoal “um deputado com o meu perfil não pode ser de oposição”. Detalhe: Janete Riva, mulher de Riva, foi candidata a vice-governadora na chapa tucana encabeçada pelo então senador Antero Paes de Barros, que perdeu a disputa eleitoral para Blairo.

Blairo foi reeleito em 2006 em primeiro turno e nesse mandato o cacique Carlos Bezerra (PMDB) disse numa roda de jornalistas que os deputados recebiam merenda – um dos sinônimos de mensalinho. A fala de Bezerra não foi levada ao pé da letra por ninguém.

O ex-governador Silval Barbosa (PMDB) denunciou que a maioria dos deputados na legislatura anterior recebia mensalinho; boa parte se reelegeu. Em delação premiada ao Ministério Público Federal (MPF) com homologação pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), Silval desmontou a Assembleia. Réu confesso em muitas ações por improbidade, o ex-governador reconheceu que chefiou uma organização criminosa que se instalou em seu governo.

Silval assumiu o governo em 31 de março de 2010 com a renúncia de Blairo, que disputou e venceu a eleição ao Senado naquele ano. Em outubro de 2010, em primeiro turno, Silval foi mantido no cargo.

No passado, Fabris (esq.) e Riva

Em sua delação Silval apresentou vídeos de deputados recebendo maços de dinheiro de seu então chefe de Gabinete, Sílvio Corrêa e exibiu planilhas que seriam pagamento de mensalinho a José Domingos Fraga Filho (PSD), Silvano Amaral (PMDB), Baiano Filho (PSDB), Wagner Ramos (PSD), Guilherme Maluf (PSDB), Romoaldo Júnior (PMDB), Mauro Savi (PSB), Sebastião Rezende (PSC), Adalto Freitas (SD), Pedro Satélite (PSD) e outros; o ex-governador denunciou que Nininho (PSD) teria pago propina de R$ 7 milhões para explorar em concessão a MT-130 entre Rondonópolis e Primavera do Leste.

A relação incestuosa de Silval com a Assembleia teria ultrapassado seu mandato. Para que suas contas fossem aprovadas um grupo de deputados formado por Silvano, Romoaldo, Wagner Ramos e Oscar Bezerra (PSB) teria tentado extorqui-lo.

Os denunciados juram a mais pura inocência. Mas, a delação contra a Assembleia é mais abrangente. A mulher de Silval e ex-secretária de Estado Roseli  Barbosa; o filho do casal e médico Rodrigo Barbosa; o irmão do ex-governador Toninho Barbosa; e Sílvio Corrêa também denunciaram parlamentares.

O governador Pedro Taques (PSDB) empossado em janeiro de 2015 tem apoio quase irrestrito na Assembleia. Taques é carne e unha com os deputados que em legislaturas anteriores foram liderados por Riva, a exemplo de Fabris, Nininho, José Domingos, Maluf, Sebastião Rezende, Adalto Freitas, Mauro Savi e  Romoaldo, coincidentemente ou não, todos delatados por Silval. A oposição a Taques fica por conta de Janaína Riva e Zeca Viana (PDT). Zeca foi companheiro partidário de Taques e seria o primeiro suplente em sua chapa ao Senado em 2010, mas de última hora desistiu e concorreu para deputado estadual – ficou uma animosidade entre ambos. Os dois petistas, Valdir Barranco e Professor Allan Kardec, fazem aquilo que se chama de oposição confiável.

O mar de lama na Assembleia ultrapassa o imaginário e chega ao Tribunal de Contas (TCE), onde cinco dos sete conselheiros estão afastado por ordem de Fux; esse grupo foi acusado por Silval de cobrar propina de R$ 53 milhões para aprovar suas contas relativas à obras da Copa do Mundo de 2014 e a execução do programa rodoviário MT Integrado.

Dos cinco conselheiros afastados, três são ex-deputados: Antônio Joaquim, Sérgio Ricardo José Carlos Novelli. Sérgio Ricardo presidiu a Assembleia e antes do afastamento imposto por Fux, já se encontrava afastado pelo juiz Luís Aparecido Bertolucci Júnior, da Vara Especializada em Ação Civil Pública e Ação Popular de Cuiabá, porque teria comprado sua vaga no TCE ao conselheiro Alencar Soares, também ex-deputado.

O presidente da Assembleia, Eduardo Botelho (PSB) tenta botar panos quentes na situação e o faz não somente em defesa corporativa dos deputados, mas porque dois de seus irmãos também foram denunciados por Silval: Luiz Marinho, que foi deputado aparece num vídeo recebendo dinheiro que seria mensalinho; e Rômulo Botelho, empresário seria uma das peças da engrenagem criminosa que permeava no governo, Assembleia, TCE e junto a empresários.

Romoaldo, Savi e  Fabris (PSD) têm bens bloqueados por supostas improbidades fora da esfera da delação de Silval. Fabris está preso desde 15 de setembro por ordem de Fux; o deputado foi denunciado pelo MPF por suposta obstrução de justiça, quando teria saído de pijama de seu apartamento antes da chegada da Polícia Federal que ali cumpriria mandado de busca e apreensão.

Janaína Riva (PMDB) não é investigada, mas atua numa trilha estreita: seu pai, José Riva, durante 20 anos comandou a Assembleia com mão de ferro, ora a presidindo ora na primeira secretaria da mesa diretora. Riva foi alcançado pela lei ficha limpa, não disputou a eleição, mas seu patrimônio eleitoral assegurou a segunda maior votação ao cargo para a filha: 48.171 votos. O maior vulto dos fantasmas da corrupção do ontem na Assembleia é o de Riva, que durante muitos anos carregou a pecha de maior ficha suja brasileiro. Riva acumula condenações em primeira instância.

 

VAIVÉM – Antes dos escândalos dos vídeos apresentados recentemente por Silval havia movimentação na Assembleia e no TCE para inversão de funções. José Domingos brigava para ser conselheiro; Antônio Joaquim – acima da legislação que impede manifestação política ou partidária de conselheiro – tinha espaço cativo nas manchetes que se desmanchavam em loas ao seu futuro político enquanto governador ou senador. Os fatos são gravíssimos e pode ser que ambos pisem no freio – se não fizerem isso será sinal do fim dos tempos.

 

TRADIÇÃO – A Assembleia tem tradição em escândalos. Por décadas o Ministério Público Estadual tentou desmontá-los, mas sempre esbarrava no corporativismo e na prerrogativa de foro. Na delação de Silval aparecem três deputados que foram constituintes em 1989, e um quarto daquela legislatura recentemente foi preso.

Hermínio Barreto (agora suplente de deputado federal), José Lacerda (ex-secretário no governo Silval) e Antônio Joaquim (conselheiro do TCE) foram delatados pelo ex-governador. Barreto aparece em um vídeo recebendo dinheiro de Sílvio. Lacerda teria feito parte da máquina corrupta. Antônio Joaquim e outros quatro conselheiros teriam embolsado R$ 53 milhões em propina.

Luiz Soares, que agora é secretário de Estado de Saúde, foi preso em 11 de setembro deste ano, por ordem do juiz Fernando Kendi Ishikawa, Nova Canaã do Norte, por descumprir ordem judicial para fornecer medicamento a uma menina. Soares foi solto no mesmo dia pelo desembargador do Tribunal de Justiça, Paulo da Cunha.

Dentre os que aparecem nas imagens gravadas recebendo dinheiro: Emanuel Pinheiro (PMDB), agora prefeito de Cuiabá; Luciane Bezerra (PSB), atual prefeita de Juara; Ezequiel Fonseca, que cumpre mandato de deputado federal; os ex-deputados estaduais Antônio Azambuja, Alexandre Cesar (procurador do Estado) e Airton Português – Português estava em companhia de sua irmã, Vanice Marques, que foi secretária de Cultura de Mato Grosso.

 

ÉTICA  – A delação de Silval atingiu três dos cinco membros da Comissão de Ética Parlamentar da Assembleia: Oscar Bezerra (PSB), Pedro Satélite (PSD) e Silvano Amaral (PMDB). Isso, em setembro, levou Botelho a dissolvê-la e nomear outros nomes.

Adriano Silva (PSB), suplente em exercício, integra a nova Comissão. Adriano é réu no processo que julgará a contratação de empresas supostamente fantasmas  para prestação de  serviços à Universidade do Estado (Unemat), entre 2010 e 2014, período em que foi seu reitor. Adriano foi denunciado pelo Ministério Público e a denuncia aceita pela juíza Joseane Carla Viana Quinto, da Quarta Vara Cível de Cáceres, que é a sede da Unemat.

Recentemente Adriano foi filmado pelo Gaeco num encontro com o diretor-geral da Faespe, Marcelo Horn, num hotel na Avenida Historiador Rubens de Mendonça, em Cuiabá, um dia após a deflagração da Operação Convescote. Adriano foi ao local, onde também esteve o deputado Maluf.

Faespe é a sigla da Fundação de Apoio ao Ensino Superior Público Estadual, instituição ligada à Unemat e que prestou estranhos serviços à Assembleia, governo estadual, Tribunal de Contas do Estado e prefeituras, recebendo cifras elevadas para os mesmos. Convescote é de domínio público e revelou mais uma faceta da corrupção arraigada na esfera pública mato-grossense.

 

EDUARDO GOMES DE ANDRADE/blogdoeduardogomes

FOTOS: 1 Fablício Rodrigues/ Assembleia Legislativa

2 – Widson Maradona/Assembleia Legislativa

3 – Dema Milhomen/Assembleia Legislativa