Nesse 10 de dezembro Rondonópolis celebra 65 anos
Não adianta procurar pela dona Idalina Alves Pereira. Em Rondonópolis ninguém a conhece pelo nome e sobrenome. Porém, se alguém perguntar pela dona Zizi da pastelaria, os 228.857 moradores e até as pedras saberão de quem se trata. Afinal, ela faz o mais famoso molho e o mais apreciado pastel em Rondonópolis, a única cidade à margem do rio Poguba, dos bororos, que nós chamamos de Vermelho.
Dona Zizi além de pasteleira famosa e de mão cheia, é pioneira em Rondonópolis, onde chegou no alvorecer de 1955, portanto há 60 anos, tão logo deixou a Boa Terra. A cidade ensaiava seus passos iniciais e sua população era predominantemente oriunda da Bahia. Até o primeiro prefeito do município, Rosalvo Fernandes Farias – nomeado para o cargo – era seu coestaduano. Em 31 de janeiro daquele ano Rosalvo transmitiu a prefeitura para o primeiro prefeito eleito, Daniel Martins de Moura.
Prendada e cozinheira famosa por seus pratos e temperos, a jovem baiana que a cada dia mais e mais assumia seu lado rondonopolitano, decidiu montar um negócio para garantir seu sustento. Isso, há 40 anos.
Foi assim que surgiu a banca de pastel da Zizi, na Praça dos Carreiros, na região central, entre as avenidas Amazonas e Marechal Rondon, e as ruas Dom Pedro II e Barão do Rio Branco, onde todos os sábados havia uma feira-livre. A área não era urbanizada. Cada feirante se virava como podia enfrentando chuva, sol, poeira e barro. A feira, espremida num canto, dividia espaço com um ponto de caminhões de frete e outro de táxi. Esporadicamente o lugar ficava ainda mais apertado para as barracas, porque ali eram armados os circos e parques de diversão com suas tendas coloridas.
Em 1980 a Praça dos Carreiros foi urbanizada e sua feira-livre transferida para o bairro Vila Aurora, no local onde ainda se encontra. A banca da Zizi acompanhou a mudança, mas ganhou status de empresa: Pastelaria da Zizi. Num segundo passo, acompanhando o modismo, o empreendimento foi rebatizado: Pastelaria da Tia Zizi.
A Pastelaria da Tia Zizi ocupa um galpão ao lado de outras, próximo ao alambrado que a isola da calçada na Rua Barão do Rio Branco, e funciona às sextas-feiras, dia de realização da feira-livre de Vila Aurora. Sua pastelaria, porém, é diferenciada por ser ponto de encontro das famílias de pioneiros e antigos moradores da cidade; mas além dessa freguesia fiel, entre suas mesas ao ar livre se reúnem novos rondonopolitanos, que chegaram à cidade atraídos por seu boom econômico e sua fama de lugar bom indicado para se viver bem e ganhar dinheiro, e as novas gerações ali nascidas.
A pastelaria não tem cardápio variado. É o trivial: pastel com molho e, para quem pedir, suco de laranja, refrigerante e coxinha. Sua movimentação é intensa, por duas razões e nenhuma tem prevalência: seu pioneirismo, o que consolida freguesia antiga, e a crocância do pastel e o molho sem igual, cuja receita é mantida a sete chaves por dona Zizi e o reduzido número de antigas funcionárias que literalmente botam a mão na massa para sua feitura e fritura.
Pastel frito na hora tem para todos os gostos: carne, palmito, carne com palmito, queijo, queijo e presunto etc. O molho é comum a todos. Servido em copo plástico descartável, é fácil identificar a presença do tomate, da cebola branca, da cebolinha verde, mas é impossível se saber o quê do caldo agridoce que lhe rende fama.
PERSONAGEM – Dona Zizi fala pouco e em voz baixa. Ouve com atenção e não tem pressa para responder. Pergunto quantos pastéis ela avalia ter vendido nas 2.500 feiras – durante alguns anos a feira de Vila Aurora funcionava às sextas e sábados – ao longo dos 40 anos de sua atividade. Serena, com a mão esquerda sobre o rosto, como se o quisesse segurar, responde com naturalidade: “é coisa pra lá de um milhão”.
Sorrio. Agradeço e saio, não antes de manter o velho costume de comer dois pastéis com o danado do irresistível molho agridoce. Penso com meus botões: uma cidade superlativa até na movimentação de uma pastelaria de feira realmente é diferente, a começar por sua gente, a exemplo de dona Idalina Alves Pereira, quer dizer, dona Zizi, porque seu nome de batismo e registro ficou no passado, na Boa Terra, que um dia ela deixou para ajudar a construir uma cidade diferenciada, viciada em crescimento, que esbanja desenvolvimento e está sempre de nariz empinado, no solo vermelho do cerrado à margem do rio Poguba, que desce o planalto e se junta ao São Lourenço numa região que todos chamam de Pantanal.
Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes
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