Cuiabá perde o jornalista Jê Fernandes

Velório de Jê Fernandes

Pequeno, cada vez menor, o núcleo dos antigos jornalistas mato-grossenses aos poucos perde seus integrantes. Ontem, Jê Fernandes juntou-se a Martha Arruda – que partiu em 17 de julho – e o jornalismo ficou sem uma de suas referências. A luz da criação, o felling de encontrar a boa notícia mesmo quando ela está sob a capa de ocultação, a disposição para fechar a edição independentemente da sobrecarga de trabalho, a paixão avassaladora pelo furo, a arte de juntar letras e sílabas para formar uma frase convincente. Assim é o grupo dos sexagenários e septuagenários a que Jê pertencia, e por mais que ele fique reduzido nunca acabará: ficará para sempre na memória da população, com seus textos de qualidade atemporal.

Jê Fernandes era o nome jornalístico do cuiabano Gonçalo José Fernandes, de 72 anos, que ontem morreu na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Jardim Cuiabá, vítima de um infarto após sofrer trombose e embolia pulmonar; ele esteve internado por quatro dias.

Nos anos 1960 Jê Fernandes deixou Cuiabá para fazer jornalismo no Rio de Janeiro. Formado, trabalhou enquanto repórter policial do extinto diário carioca Última Hora. Ainda naquela década o radialista e jornalista cuiabano João Alves de Oliveira planejou e desenvolveu um projeto empresarial e editorial que resultou na fundação do Diário de Cuiabá, em 24 de dezembro de 1968.

Convidado por Alves de Oliveira, Jê Fernandes participou com destaque da equipe que o assessorava, conforme relata seu superintendente, jornalista Adelino Praeiro. “O Jê foi bom menino; cidadão muito correto”, o elogiou. Praeiro revela que a coluna Cuiabá Urgente foi criada pelo jornalista Montezuma Cruz, mas que Jê Fernandes foi quem lhe deu o tom editorial apimentado, que incomodava o então governador Frederico Campos. “Pra ficar livre do Jê, o jornalista Paulo Zavisaky, que assessorava Frederico, imaginou que tinha encontrado a solução para silenciar a coluna: sugeriu e Frederico aceitou nomeá-lo seu secretário de Comunicação. Jê Fernandes ganhou o cargo, mas Cuiabá Urgente manteve sua linha editorial nos textos de outros colegas”, finaliza.

Alves de Oliveira foi minucioso para fundar o jornal. Pouco tempo antes de lança-lo, imprimiu na gráfica do Colégio Salesiano São Gonçalo, duas edições do Jornal dos Esportes, bolado por ele e Jê Fernandes, para testar a reação do mercado na Cuiabá então carente de jornalismo impresso. Dona Íris Capilé Oliveira, professora e casada com Alves de Oliveira, acompanhava a evolução do projeto. Ela e Jê Fernandes foram colegas no Curso Científico no Liceu Cuiabano, e o define assim, “ele tinha uma boa veia jornalística, era competente e muito alegre”.

Quando a primeira edição do Diário circulou Jê era o chefe do Departamento de Jornalismo. Foi ele quem escreveu a reportagem que resultou no assassinato de Alves de Oliveira, que foi executado a tiros em 4 de janeiro de 1969, por um parente de uma moça que se envolveu num acidente de trânsito na virada do ano e que foi personagem de uma matéria sobre o fato.

Do Diário, Jê Fernandes partiu para outras funções. Além do governo, também prestou serviço de Comunicação à prefeitura de Cuiabá. Foi correspondente das revistas Placar e Exame. Foi editor dos diários já extintos Jornal do Dia e O Estado de Mato Grosso. Participou da criação do Grupo Futurista de Comunicação. Criou e dirigiu o Jornal do Ônibus. Militou no rádio. Foi um dos fundadores do Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso, em 1985, tendo sido seu primeiro tesoureiro.

O jornalista Ronaldo Pacheco e Jê Fernandes foram colegas de redação ao longo de oito anos, em vários veículos de Comunicação. “Foi um jornalista visionário, criativo, exigente e gostava que a matéria fosse bem apurada”, diz Pacheco.

Casado com a professora Natércia Fernandes – Professora Nati, Jê Fernandes a deixa viúva. O casal teve um filho, o professor de lutas marciais Thiago Neruda Fernandes. O velório acontece na Capela Jardins, Sala Tulipa, em Cuiabá, até às 10 horas de hoje. O corpo será sepultado no Cemitério da Piedade, nesta capital.

O presidente da Assembleia Legislativa, Eduardo Botelho, lamentou a morte do jornalista, “Jê Fernandes foi um exímio jornalista. Nos deixa um grande legado, sendo um dos desbravadores da comunicação, sempre atento a lutar pelos direitos da categoria e a levar informação à população mato-grossense. Deus conforte à sua família!”, afirmou Botelho.

Em nota de pesar o secretário de Comunicação do governo, Kleber Lima, disse que, “Jê Fernandes foi um ícone do jornalismo em Mato Grosso. Com seu carisma e irreverência, atuou de forma aguerrida na busca pela informação de forma ética e responsável. Contribuiu também na formação de muitos jornalistas que atuaram ao seu lado e puderam absorver um pouco seu conhecimento. Que sua família receba nossas condolências e que tenha forças para superar esse momento de tristeza e dor”.

EDUARDO GOMES/blogdoeduardogomes

FOTO: Dinalte Miranda

PS – Este material, de minha autoria, foi publicado no Jornal Diário de Cuiabá edição 25 outubro 2017 e está disponível no site daquele matutino em www.diariodecuiaba.com.br