Secreto em eleição somente o voto. Candidatura tem mais é que ser notada por todos. Acredito que ela assim entende. Mais: creio que além desse entendimento aquela figura aparentemente frágil e sempre sorridente vê nos acordes de sua inseparável sanfona uma mistura de grito de protesto contra injustiças sociais, sem prejuízo da sonoridade tocar o coração do mato-grossense proporcionando-lhe momentos de alegria.
Ela tem longa militância política em Cuiabá, mas não a conhecia pessoalmente. Quem recentemente se encarregou de nos aproximar foi o jornalista, militante político petista e meu colega de jornalismo Enock Cavalcanti. Ela não estava acompanhada pela sanfona, que é sua marca registrada. A ausência do instrumento musical não atrapalhou em nada; pelo contrário, ajudou, pois queria ouvi-la sobre política, seu partido e sua pré-candidatura ao Senado. Valeu a a pena. A bióloga, professora aposentada da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), fundadora do PT mato-grossense, ex-vereadora por Cuiabá e colecionadora de candidaturas a diversos cargos, Enelinda Scala, falou com firmeza partidária. Demonstrando convicção, apontou caminhos, defendeu o ex-presidente Lula da Silva e não deixou dúvida quanto ao preparo intelectual que sempre foi seu DNA nos pronunciamentos e debates que presenciei na plateia, de longe, mas atento como recomenda a regra jornalística.
Enelinda acredita que será candidata ao Senado. Crê, porque faz de sua vida uma eterna disputa por espaço para defender seu pensamento, que é muito identificado com seu PT. Por experiência sabe que seu projeto é viável, mas (mesmo sem admitir tal hipótese) nem por isso imune a queimaduras iguais a outras que viu em sua trajetória, a exemplo daquela que chamuscou quatro mãos de uma só vez, em 2010. Naquele ano, uma cisão jogou por terra os dois principais nomes petistas regionais: a então senadora Serys Slhessarenko e o à época deputado federal Carlos Abicalil.
Serys queria se reeleger, mas Abicalil também sonhava com o Senado. Os dois não se entenderam e ao término de muita roupa suja lavada internamente no diretório regional, Serys saiu candidata a deputada federal e Abicalil senador. Os dois protagonizaram uma campanha caracterizada pelo canibalismo: morreram abraçados. Abicalil com 533.280 votos (18,43%) ficou em terceiro numa disputa por duas cadeiras; essa votação foi menor do que a recebida por Serys (575.539 votos) em 2002. Serys com 78.543 votos amargou suplência. Isso, depois de oito anos de Lula na Presidência, período em que criou um grande programa de eletrificação rural, a custo zero, o “Luz para todos”, que levou energia a mais de 100 mil propriedades mato-grossenses.
Brigas internas à parte. Enelinda vê Lula na condição de preso político e não aceita a pecha de que “os petistas estão envolvidos em corrupção”. Para ela, entre 98% e 99% (dos petistas) “são honestos; agora, quem deve tem que pagar”. Sem fazer referência a nenhum companheiro envolvido com escândalos e insistindo que “os presidentes Lula e Dilma foram os melhores para o Brasil”, citou alguns programas dos dois que apresentam grande alcance social a exemplo do Luz para todos, Minha Casa Minha Vida e Fome Zero.
TRAJETÓRIA – Enelinda é fundadora do PT mato-grossense. Em 2000 venceu a eleição para vereadora por Cuiabá. Quatro anos depois ficou na primeira suplência ao tentar a reeleição, mas assumiu a vaga de Valtenir Pereira, que renunciou no final de 2006 ao se eleger deputado federal (Valtenir continua deputado federal e no período assinou muitas fichas de filiação).
Entre uma e outra candidatura a vereadora, Enelinda foi candidata a vice-governadora em 2002 numa chapa partidária encabeçada por Alexandre Cesar (227.598 votos); esse pleito foi vencido em primeiro turno por Blairo Maggi e Iraci França (PPS com 619.655 votos), Antero Paes e Barros e Janete Riva (PSDB receberam 360.296 votos).
Enelinda não tem um respingo sequer de suspeita sobre sua vida pública, sempre pautada pela lisura, mas seu cabeça de chapa em 2002, Alexandre Cesar, é investigado por suposto recebimento de propina do então governador Silval Barbosa (2010/14); Alexandre era deputado estadual e juntamente com colegas foi filmado recebendo maços de dinheiro de Sílvio Corrêa, à época chefe de gabinete de Silval – em delação premiada ao Ministério Público Federal e homologada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, Silval disse que o dinheiro recebido pelo petista era propina – Alexandre faz silêncio sobre o escândalo.
Moldada pelo embate político Enelinda se sente preparada para o Senado. Sua capacitação vai além da esfera partidária do PT. Profissionalmente é uma bióloga com mestrado e um doutorado incompleto, pois o abandonou a um passo de defender sua tese. Na UFMT deixou a marca de sua dedicação nos Departamentos de Biologia, Medicina, Enfermagem e Nutrição.
Paulista de Buritama, Enelinda fincou raízes em Cuiabá no ano de 1975, quando a UFMT engatinhava. Foi professora de centenas de biólogos, médicos, enfermeiros e nutricionistas em atividade Mato Grosso afora e em outros estados. “Meu coração bate: ‘UFMT, UFMT, UFMT’”, revela sua identidade sentimental com nossa Universidade.
Filha do casal Irene e Antônio José dos Santos, Enelinda herdou inspiração musical dos pais, que sempre foram apaixonados por música. A primeira sanfona foi presente paterno: “toca, minha filha”, ouviu de seo Antônio. Tocou sempre. Toca. Não pensa em parar, mas nem por isso deixa de ouvir a voz da maioria. Em 2000 quando se lançou candidata a vereadora foi para as esquinas e pontos de ônibus com seu instrumento musical. Alguns colegas a viram, não gostaram “onde já se viu professora universitária tocar sanfona nas calçadas?” – protestaram. Ela ampliou a discussão e botou o tema em votação: a danada da sanfona cúmplice foi vencedora. Comemorou na reunião tocando “Asa Branca”, de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga.
Casada com o colega professor e correligionário Sérgio, mãe, avó, mulher cidadã, política sem nódoa, conhecedora da realidade mato-grossense, com trânsito nas diversas camadas sociais, reverenciada pelo PT Nacional, disposta a enfrentar mais uma eleição e com vontade de chegar ao Planalto para brigar por justiça social, Enelinda busca no coração a bandeira que a motivou na criação do PT – por ela bota as duas mãos no fogo. Sabe que não sairá chamuscada.
Eduardo Gomes/blogdoeduardogomes
FOTOS:
1 – Vanessa Moreno
2 – Arquivo
Capítulos anteriores:
1 – PPP Caipira nasce da ousadia de Pivetta
2 – Suplente de última hora chega ao Senado
3 – Riva mesmo caido derrota Taques
4 – Páginas da vida
5 – Leitão, o único preso entre os pré-candidatos ao Senado e governo
6 – Carona na Arca de Noé
7 – O dedo de Kassab
8 – Taques e o cadeado na hidrovia
9 – Escândalos tomam discurso moralista de Pedro Taques
10 – O temperamento de Jayme Campos.
11 – Rossato, político profissional que diz não ser político.
12 – Selma aplaina caminho ao Senado.
13 – Assembleia Legislativa no fundo do poço.
14 – Blairo e o mistério que o afasta da eleição
15 – Mais que professora: uma lição de vida.
16 – Mauro acuado e num beco sem saída.
17 – Tu és Pedro!
18 – O Japão é aqui