Em 2009, no penúltimo ano do segundo mandato consecutivo tudo ia muito bem na Era da Botina de Blairo Maggi. Ele dizia com convicção que não deixaria o cargo para concorrer ao Senado, mas deixou. A imprensa, mesmo amiga, revelou o maior esquema de superfaturamento no governo de Mato Grosso em todos os tempos. Assim nasceu o Escândalo dos Maquinários e com ele sua candidatura ao Senado.
MT 100% Equipado foi o nome dado à compra de 705 equipamentos rodoviários, mas a sabedoria popular o chamou de Escândalo dos Maquinários. Essa aquisição feita pelo governo estadual, em 2009, com financiamento de R$ 241 milhões pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), continua parcialmente nebulosa.
No final de 2009, uma denúncia anônima ao governo revelou que a compra dos 705 equipamentos foi realizada com pregões viciados da Secretaria de Administração (SAD). A Procuradoria Geral do Estado recebeu ordem de Blairo para apurar o caso. O Ministério Público Estadual e a Procuradoria Geral da República também entraram em cena.
Sem muita dificuldade e contando com deleção premiada do empresário Pérsio Briante – dono da empresa Extra, que vendeu um lote de caminhões Ford ao programa – chegou-se à conclusão que a transação teria sido ilícita e que apresentava superfaturamento superior a R$ 44 milhões. Pedro Taques, então procurador da República, satirizou o episódio apelidando-o de “MT 100% equipado e 44 milhões roubados”
A Delegacia Fazendária instaurou inquérito para apurar o rombo. Paralelamente a Procuradoria Geral da República também o esmiuçou e o juiz federal Julier Sebastião da Silva mandou recolher todos os equipamentos para perícia que permitisse apurar se os itens estipulados nos pregões foram observados, mas o caso acabou entrando num vaivém judicial sem fim, que praticamente o botou na galeria do esquecimento.
O fogaréu do caso nos primeiros dias levou uma ducha. O escândalo foi varrido para debaixo do tapete para sua volatilização. Paralelamente a isso a Secretaria de Comunicação arreganhou seus cofres para a imprensa amiga. Pautas não faltavam e, muitas delas, inclusive mostrando comboios de máquinas do programa chegando aos seus destinos e, recebidos com foguetórios e inflamados discursos.
DETALHE – A meta de Blairo não era ceder o maquinário em comodato aos municípios, como aconteceu. O governador planejou vende-lo. Isso mesmo. A prefeitura receberia um lote de máquinas e caminhões basculantes, e pagaria essa aquisição mensalmente com a parcela sendo descontada do repasse constitucional do Estado. Estava em cena a velha e crônica mania de Blairo pra ganhar dinheiro, só que na esfera pública isso não é permitido. Só que esse tipo de operação não é permitido. Sem saída e para facilitar sua candidatura ao Senado, o governador não teve escolha senão a generosidade.
A responsabilidade de cada um
Em 1º de fevereiro de 2010, quando o escândalo ainda estava entre quatro paredes no governo, Blairo reuniu os prefeitos para anunciar a compra e distribuição do maquinário. O evento, no Salão Nobre Clóves Vettorato, também serviu para o governador citar quem era quem naquela transação.
Oficialmente era apenas sua fala, mas a mesma poderia se transformar num salvo-conduto para ele, caso o caldo entornasse. Então, didática e estrategicamente Blairo deu nomes aos bois.
Em outras palavras Blairo assim estratificou o MT 100% Equipado:
O vice-governador Silval Barbosa e o chefe de Gabinete Eumar Novacki lideraram politicamente a operação.
Geraldo de Vitto, secretário de Administração, cuidou do mecanismo legal para os pregões.
Éder Moraes, secretário de Fazenda e seu braço direito, tratou de conseguir o financiamento junto ao BNDES tendo o Banco do Brasil por agente financeiro. Éder costurou toda a negociação para a liberação do empréstimo.
Vilceu Marchetti, secretário de Infraestrutura, definiu marcas e modelos a serem comprados e se encarregou da elaboração dos contratos para a cessão dos equipamentos.
Silval e Cidinho dos Santos, secretário de Assuntos Estratégicos, estabeleceram critérios para a distribuição dos lotes do maquinário.
Ou seja, Blairo lavou as mãos deixando claro que se tratava de um projeto de governo sem suas digitais.
Após a fala, nos braços dos prefeitos, deputados estaduais e vereadores, Blairo era mais candidato ao Senado do que nunca. O deputado federal Wellington Fagundes, no dispositivo ao lado do governador, engoliu em seco: viu que seu sonho de ser senador teria que ser adiado por quatro anos. A denúncia de superfaturamento não encontrava espaço na mídia.
Perto do Palácio Paiaguás, num terreno do empresário Valdir Piran, ao lado da avenida Historiador Rubens de Mendonça, o maquinário era exibido. Verdadeiramente a máquina do governo estava em alta, afiada, arredondada e em campo para eleger Silval e Blairo.
Abafa amigo
Coincidentemente ou não, com o anúncio da candidatura de Blairo, o Escândalo dos Maquinários saiu das manchetes. A imprensa amiga colaborou bastante. Em 31 de março de 2010 Blairo renunciou para disputar o Senado. Precisava de imunidade e queria um governador amigo, o que encontrou em Silval.
Condenações e absolvições
Nem todos os elos do Escândalo dos Maquinários foram parar nas barras da Justiça.
Em março de 2014, na Justiça Federal, Julier absolveu Blairo e Éder. De Vitto e Vilceu foram condenados a devolver R$ 44 milhões e ao pagamento de uma multa de R$ 10 mil, cada, além de perderem os direitos políticos por cinco anos.
Em 7 de julho daquele ano Vilceu foi assassinado com dois tiros no quarto onde dormia numa fazenda em Santo Antônio do Leverger.
Em novembro deste 2018 o juiz Marcos Faleiros, da 7ª Vara Criminal de Cuiabá, condenou 12 pelo Escândalo dos Maquinários.
De Vitto foi condenado a 2 anos e 8 meses e 20 dias, em regime aberto.
Valter Sampaio, servidor da arraia-miúda do governo, condenado a 12 anos e 6 meses em regime fechado.
Os empresários José Renato Nucci, Ricardo Lemes Fontes, Valmir Gonçalves de Amorim e Marcelo Fontes Correa Meyer a 5 anos em regime semiaberto.
Os empresários Otávio Conselvan, Sílvio Scalabrin, Rui Denardim, Harry Klein Rodnei Vicente Macedo e Davi Mondin a 5 anos de reclusão e mais 2 anos e 4 meses no semiaberto.
Os condenados podem recorrer.
EMPRESAS – O Escândalo dos Maquinários envolveu a espinha dorsal do mercado de caminhões e máquinas rodoviárias no Centro-Oeste. São elas: Tork Sul Comércio de Peças e Máquinas, Dymac Máquinas Rodoviárias, Tecnoeste Máquinas e Equipamentos, Cotril Máquinas e Equipamentos, Auto Sueco Brasil Concessionária de Veículos, Mônaco Diesel Caminhões e ônibus, Cuiabá Diesel – Rodobens Caminhões Cuiabá e IvecoLatin América.
À época
Blairo assegurava que nada tinha ver com o caso e cobrava investigação. Sua reação foi pedir a cabeça de De Vitto e Vilceu; ambos entregaram os cargos. Vilceu chorou muito diante das câmeras de televisão jurando inocência.
Blairo não se indispôs com Silval pelo caso, nem com Éder.
Silval e Éder foram condenados por improbidade no governo estadual, em outros casos. Silval é condenado e cumpre pena de 13 anos e 7 meses em prisão domiciliar em razão de sua delação ao Ministério Público Federal homologada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux; Éder acumula três sentenças em primeira instância, que somadas chegam a 104 anos e 7 meses de prisão – está livre, mas cumpre medidas cautelares enquanto aguarda julgamento em segunda instância.
Cidinho e Novacki continuaram ao seu lado.
Cidinho (PR) é primeiro suplente de Blairo no Senado e desde sua nomeação para o Ministério da Agricultura ocupa sua cadeira, tendo-a cedido em rodízio para o segundo suplente também republicano Rodrigues Palma. Cidinho é um dos investigados na Operação Registro Espúrio, deflagrada em maio deste 2018 pela Polícia Federal, que busca desarticular organização criminosa que atua na concessão fraudulenta de registros sindicais junto ao Ministério do Trabalho.
Novacki é secretário-executivo do Ministério da Agricultura.
Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes
FOTOS:
1, 2 e 5 – blogdoeduardogomes arquivo
3 e 4 – Édson Rodrigues – Secretaria de Comunicação do Governo de Mato Grosso
PS – Não deixem de ler o próximo capítulo.