Sem acesso de qualidade a diversos equipamentos e serviços públicos, a preocupação da população local é menos com a interação das tropas para o exercício militar e mais com um possível legado em acesso a serviços, especialmente os de saúde. Tabatinga tem apenas uma unidade de pronto atendimento e algumas unidades básicas de saúde. A maioria dos atendimentos fica a cargo do Hospital de Guarnição do Exército. No fim de outubro, o Ministério Público do Amazonas (MP-AM) começou a investigar uma denúncia de falta de oxigênio medicinal nos hospitais do município.
Ao lado da filha, Alice Silva Castro, de 3 anos, a dona de casa Raquel da Silva retornava do Hospital de Guarnição, onde a filha, com tosse forte, teve uma suspeita de bronquite descartada. A dona de casa diz esperar que os militares deixassem mais médicos para a comunidade. “Eu gostaria que ficasse algo disso tudo, um posto, algo assim. Seria uma ótima coisa se acontecesse. Tem pouco médico aqui. Pelo menos nesses dias a gente vai poder ter mais contato com os médicos”, disse.
Segurança
Outro tema que chama a atenção da população é a segurança pública. O município ficou em segundo lugar em mortes por arma de fogo no estado, atrás apenas da capital Manaus, no Mapa da Violência 2016. De acordo com o levantamento, no período entre 2012 a 2014, Tabatinga registrou, em média, 27,3 homicídios por ano por 100 mil habitantes.
Para a aposentada Nice de Moraes, o imenso efetivo de tropas pode ajudar a coibir a ação de criminosos. “Eu acho que o maior legado tem a ver com a questão da violência, porque aqui a gente vive sobressaltado, quase como que no Rio de Janeiro”, reivindica. Apesar de reconhecer que esse não é o objetivo do evento, nem o papel do Exército, ela diz que a iniciativa poderia contribuir, de alguma forma, com a redução da violência.
“Não sei se o evento vai melhorar, mas acho que, pelo menos, vai estabilizar, vai ficar mais aceitável. Acho que eles [os criminosos] vão ter uma ideia de que tem alguém olhando pela gente e vão ficar com receio de fazer alguma coisa”, declara.
Zona fronteiriça
Tabatinga fica distante cerca de 1,1 mil quilômetros de Manaus, onde só é possível chegar de barco ou avião. Com pouco mais de 60 mil habitantes, a cidade está localizada na tríplice fronteira. A cidade é separada por uma pequena travessia de barco da cidade de Santa Rosa, no Peru. Apenas uma avenida serve como fronteira com a cidade de Letícia, capital da província colombiana do Amazonas. O trânsito é marcado por um tráfego intenso de motos, mototáxis e tuc tucs, espécie de táxi coletivo colombiano e peruano feito com partes de motos e que transporta até três pessoas.
Por tratar-se de zona fronteiriça, a cidade é fortemente marcada pela presença de militares das três forças armadas. As instalações ocupam boa pate do território do município. Em Letícia, o missionário Ivan Rodolfo disse que a mobilização das tropas também pode ser vir como uma estratégia de combate ao tráfico de drogas. Segundo o missionário, natural de Cáli, o tema deixou de ocupar a atenção das autoridades. “Penso que pode ser também uma estratégia de enfrentamento ao tráfico, com o conhecimento do território e mapeamento de rotas. Vai ter muita tecnologia nesse exercício”, afirma.
Em meio ao noticiário internacional marcado por troca de farpas entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte, Rodolfo disse temer a possibilidade de o exercício chamar a atenção de outras nações, de grupos terroristas ou que venha ser chamariz em um hipotético conflito mundial. “A terceira guerra mundial para mim está em cima, qualquer trisquinho, se ascender um fósforo, vai acontecer. Eles [os estrangeiros] têm olhado para a frente e visto que esta região aqui é a que vai restar. Aqui tem peixe, tem água, a terça parte da água do mundo, tem recursos naturais, tem tudo”, declara.