Série TRANSPARÊNCIA (06) – Carona na Arca de Noé

 

Em seu sexto capítulo a série TRANSPARÊNCIA focaliza mais um episódio na vida do governador Pedro Taques (PSDB), que é pré-candidato a novo mandato no Palácio Paiaguas. O texto é extraído do capítulo “Um bicheiro por uma estátua” do livro “Dois dedos de prosa em silêncio – pra rir, refletir e arguir” publicado em  Cuiabá no ano de 2015 pelo jornalista Eduardo Gomes de Andrade – sem apoio das leis de incentivos culturais – com ilustração de Generino Rocha e capa de Édson Xavier. O conteúdo passeia pelas entranhas da Operação Arca de Noé, na qual Taques embarcou em busca da promoção que abriria portas ao seu projeto político que já lhe rendeu mandato de senador (2010 pelo PDT) e de governador (2014 pelo PDT que mais tarde trocaria pelo PSDB).

A série prossegue ao longo deste mês de maio, com postagens de segunda a sexta-feira.

 

Um bicheiro por uma estátua

 

Hoje, Cuiabá nega com convicção labial, mas durante anos a elite e o poder mato-grossenses concentrados nesta capital quase tricentenária vibravam quando conseguiam um minutinho ao lado do ex-policial civil transformado em comendador, no Comendador João Arcanjo Ribeiro, dono do jogo do bicho, dos cassinos, de poderosas factorings e empreendimentos que englobavam – ou ainda englobam? – várias atividades na ensolarada Terra de Rondon.

O Comendador Arcanjo reinava absoluto. Em público, nas entrevistas, nas solenidades e nas missas da 5 horas na bicentenária Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, em Cuiabá, seu semblante era o mais cândido possível. Não se via segurança em sua volta. Não tinha gestos bruscos. Não portava arma ostensivamente, se é que carregava algum trabuco na cinta ou na canela

Seu título foi apenas mais um mimo da classe política que tanto o cultuava. É, o Comendador era cult e cultuado. Em 1987, quando vereador por Cuiabá, Marcelo Ribeiro lhe concedeu a comenda da Ordem do Mérito, que criou a auréola rotular, com a qual passou a se identificar e ser identificado: Comendador Arcanjo. Depois, o vereador Wilson Coutinho lhe outorgou o Título de Cidadão Cuiabano, com o sim unânime de seus pares. A honraria maior viria em 5 de dezembro de 1997, quando o deputado Paulo Moura lhe presenteou com o Título de Cidadão Mato-grossense, com a Mesa Diretora e o plenário da Assembleia em pé, aplaudindo freneticamente.

Pena que depois da queda do império do Comendador Arcanjo a Câmara tenha cassado sua comenda da Ordem do Mérito e a Cidadania Cuiabana, que tão bem lhe caíam e o faziam a cara da vereança de Cuiabá.

O Comendador Arcanjo reinava em Cuiabá e por onde pisasse em Mato Grosso sem que o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público Estadual (MPE), a Polícia Militar, a Polícia Civil e a Polícia Federal fizessem algo para botar fim à jogatina e ao bicho que se dava ao luxo de divulgar as extrações diárias da Loterias Colibri no rádio e na TV.

trPor volta das 15 horas da segunda-feira, 30 de setembro de 2002, na Rua Professora Tereza Lobo, em Cuiabá, defronte o Jornal Folha do Estado, o empresário Sávio Brandão de Lima Júnior, dono e fundador daquele período foi executado a tiros e o império do Comendador Arcanjo começou a desmoronar.

O assassinato de Sávio Brandão foi debitado ao Comendador Arcanjo, que era denunciado pela Folha do Estado de ser chefe do crime organizado em Mato Grosso.

O sangue de Sávio Brandão clamava por justiça, mas Mato Grosso se fazia de morto. O assunto era tratado com cautela pela indefesa população. Não havia nenhum indício que o assassinado seria passado a limpo, nem se notava nenhuma movimentação no sentido de se chegar ao Comendador Arcanjo.

O governador tucano Rogério Salles sentiu que precisava tomar providência antes que o crime organizado saísse da penumbra e assumisse de vez as rédeas do Estado. No começo de outubro Rogério foi recebido em audiência pelo ministro da Justiça, Renan Calheiros, para falar sobre a violência em Mato Grosso.

O governador disse ao ministro que a situação era insustentável, que MPF, MP e polícia tinham conhecimento do quadro e que faltava apenas uma operação para desmantelar o crime organizado antes que fosse tarde demais.

Renan tentou contemporizar. Rogério foi curto e grosso: – Esta aqui é a chave do meu gabinete. Ou o senhor conserta Mato Grosso ou manda alguém lá pra assumir o governo. Renan deu um sorrido amarelo.

Dois meses depois da audiência a Operação Arca de Noé desmantelou o esquema do Comendador Arcanjo, que fugiu para o Uruguai, onde foi preso.

O ex-homem forte insiste que não mandou matar Sávio Brandão. Também nega que tivesse cometido outros crimes, mas ele acabou enrodilhado por um cerco muito poderoso. Sua situação é complicada: foi condenado até por posse ilegal de um revólver e a pena foi aplicada açodadamente antes que o Estatuto do Desarmamento estivesse vigorando, o que levou a justiça a revogá-la.

Numa busca e apreensão de Arca de Noé numa das factorigns do Comendador Arcanjo, em Cuiabá, o MPE encontrou 22 notas promissória emitidas em 1999 e 2000 pelo presidente da Assembleia Legislativa, Humberto Bosaipo (PL) e o primeiro-secretário José Riva (PSDB) com valores de R$ 700 mil ou pouco mais ou menos que essa importância, que juntos perfazem R$ 15,4 milhões. Bosaipo fez silêncio sobre a apreensão. Riva alegou que se tratava de caução por um negócio que não foi realizado. O favorecido encontrou justificativa comercial. Em resumo: tais notas fiscais podem ser consideradas fortes indícios da relação do ex-homem forte com o poder político mato-grossense.

O procurador República Pedro Taques soube tirar uma casquinha da Operação Arca de Noé e se mudou para as páginas dos jornais e dos sites e por bom tempo virou manchete crônica das TVs e do rádio. Depois elegeu-se senador e governador. Resumo: Cuiabá ficou livre do Comendador Arcanjo, mas em compensação Mato Grosso ganhou um governador que não governa, porque dentro dele vive um procurador da República, como ele próprio reconhece e admite, mas sem dar a mão à palmatória sobre sua omissão no caso que levou Rogério a jogar a chave sobre a mesa de Renan.

 

SÉRIE

 

 

TRANSPARÊNCIA postou seis capítulos. Os cinco anteriores podem ser acessados em:

 

1 – PPP Caipira nasce da ousadia de Pivetta

2 – Suplente de última hora chega ao Senado

3 – Riva mesmo caido derrota Taques

4 – Páginas da vida

5 – Leitão, o único preso entre os pré-candidatos ao Senado e governo

 

Eduardo Gomes/blogdoeduardogomes

FOTO: Rodolfo Perdigão/Governo de Mato Grosso

ARTE: Generino