Série “Witness History”
Role,BBC World Service
No 138º dia do ano de 1974, às 8 horas, 8 minutos e 20 segundos da manhã, no horário local, a Índia surpreendeu o mundo ao realizar a primeira explosão nuclear do país.
O codinome do projeto era “Buda Sorridente”.
“Eles não esperavam que tivéssemos essa capacidade”, lembrou o Dr. Satinder Kumar Sikka, em entrevista à BBC em 2018.
“Quando fizemos isso [a explosão nuclear], todos tiveram que abrir os olhos para a nossa Ciência e tecnologia.”
Em 1969, Sikka era um jovem cientista que travalhava no principal instituto de pesquisas nucleares da Índia — o Centro de Investigação Atômica Bhabha, perto de Mumbai.
Ele estava prestes a concluir um doutorado sob a supervisão de um dos principais cientistas nucleares do país — o Dr. Rajagopala Chidambaram.
O que ele não sabia era que seu orientador havia sido recrutado para um projeto secreto por um dos principais diretores do centro — o Dr. Raja Ramanna —, um homem que se tornaria uma figura central no programa de armas nucleares da Índia.
“Eu preparava minha tese de doutorado em meu quarto quando recebi um telefonema do escritório do Dr. Ramanna que pedia para ir vê-lo. O Dr. Chidambaram também estava lá”, lembra Sikka.
“O Dr. Ramanna me disse: ‘Sikka, você já fez o suficiente por si mesmo. Então agora precisa fazer algo pelo país’.”
“Ele prosseguiu: ‘Você vai participar de um projeto para uma explosão nuclear pacífica’.”
“Fui a segunda ou terceira pessoa incluída no projeto.”
Em outras palavras
Sikka destaca que o objetivo envolvia uma “explosão nuclear pacífica” ou, na sigla em inglês, uma PNE (Pacific Nuclear Explosion), terminologia que descreve uma explosão nuclear para fins não militares.
No entanto, muitas vezes o uso desses termos significava apenas que o dispositivo não havia sido miniaturizado a ponto de se tornar uma arma.
De qualquer forma, todos sabiam que o projeto envolvia, na essência, desenvolver e testar uma bomba atômica.
“O núcleo atômico é uma bomba”, explica Sikka.
“Quando os soviéticos e os americanos realizaram testes PNE, eles estavam na realidade avaliando futuras armas. A PNE foi apenas uma desculpa.”
A Índia realizava pesquisas nucleares desde a década de 1940.
O país recusou-se a assinar o Tratado de Não Proliferação, que visava impedir novas bombas do tipo. Mas os líderes indianos afirmaram publicamente que só estavam interessados num programa pacífico de energia nuclear.
Para isso, receberam ajuda de outras nações que já tinham desenvolvido essa tecnologia.
Porém, após o teste bem-sucedido das armas nucleares da China em 1964 (dois anos após a Guerra Sino-Indiana), e em meio às tensões crescentes com o Paquistão, a Índia iniciou planos secretos para desenvolver uma bomba própria.
O principal objetivo era estabelecer uma capacidade de dissuasão contra potenciais adversários e salvaguardar os interesses de segurança nacional.
O projeto foi administrado por civis e o sigilo era fundamental.
Dos 10 mil funcionários do Centro de Pesquisa Atômica, menos de 100 participaram do plano — e mesmo os recrutados muitas vezes não sabiam quem mais estava envolvido ou no que cada um trabalhava.
“Não precisávamos contar a ninguém quando tínhamos reuniões de revisão. Além disso, nenhuma anotação era feita, então não havia risco de vazamentos”, destaca Sikka.
“Tudo funcionou na base de que o acesso à informação era restrito ao estritamente necessário.”
“Então mantivemos tudo bem escondido… Mas minha esposa adivinhou que eu estava participando de um projeto secreto”, conta ele.
Um feito científico
Os líderes do projeto decidiram fabricar um dispositivo de plutônio utilizando combustível de um reator nuclear civil, que tinha sido construído com a ajuda do Canadá.
As intenções, claro, não foram compartilhadas com os canadenses.
O dispositivo seria semelhante à bomba lançada sobre Nagasaki durante a Segunda Guerra Mundial.
“Trata-se um dispositivo de implosão”, explica Sikka.
“O núcleo atômico é esférico e cercado por explosivos químicos.”
“Quando as ondas de choque de explosivos químicos são aplicadas simultaneamente em todos os lados, o núcleo atômico é comprimido e, no ponto de supercriticalidade, é introduzido um nêutron que inicia uma reação em cadeia.”
“A reação em cadeia cresce e leva à explosão e à liberação de energia. É assim que funciona o dispositivo.”
No entanto, construí-lo não foi nada fácil, especialmente porque as outras potências nucleares não iriam dividir os segredos com a Índia.
“Éramos o único país que fazia algo do tipo sem receber ajuda externa.”
“Na época, sabia-se muito pouco, exceto alguns princípios básicos. Então tivemos que desenvolver tudo do zero.”
A lista de desafios científicos complexos era enorme, incluindo a próprioa criação do núcleo atômico.
“O plutônio é uma substância muito tóxica. As propriedades físicas dele são muito exóticas. À temperatura e à pressão do ambiente, ele é muito frágil e difícil de manusear para fabricar esferas e outros componentes.”
“Além disso, nos foram negados supercomputadores ou mesmo computadores básicos. Então tivemos que nos contentar com dispositivos de computação muito rudimentares.”
No entanto, em 1972, os cientistas tinham desenvolvido um dispositivo funcional, que continuou a ser aperfeiçoado durante os dois anos seguintes.
O local de testes escolhido foi Pokhran, no deserto escaldante do norte da Índia, a 150 quilômetros do Paquistão.
A explosão não seria realizada na superfície, então os envolvidos no projeto cavaram um poço especial no subsolo e colocaram o grande dispositivo lá.
“Eles cavaram o poço dois dias antes da explosão e encheram o buraco com detritos, areia e outras coisas”, detalha Sikka.
“Não foi possível fazer alterações de última hora, por isso estávamos obviamente nervosos.”
“A apenas uma hora antes do teste, evacuamos as pessoas das aldeias vizinhas.”
“Elas eram inteligentes, então provavelmente suspeitaram que algo grande estava para acontecer.”
E Buda sorriu