Coluna CURTAS: Pra cada ação uma reação

 

Aos sábados, domingos e feriados nacionais CURTAS é substituída por capítulos do livro  “Dois dedos de prosa em silêncio – pra rir, refletir e arguir“, escrito e publicado em 2015 pelo jornalista Eduardo Gomes de Andrade, sem apoio das leis de incentivos culturais. A obra foi ilustrada por Generino. Capa: Édson Xavier.

 

CAPÍTULO: 

Pra cada ação uma reação

 

 

Em 1995, o Movimento Sem Terra (MST) estava elétrico em Rondonópolis, onde dois anos antes lançou suas bases em Mato Grosso invadindo a fazenda Aliança, dos irmãos Meirelles, no município de Pedra Preta.

Muitos fazendeiros infiltravam homens de confiança nos acampamentos do MST. A Polícia Militar também agia assim. Com essa manobra descobriu-se que os sem-terra planejavam um duro golpe com forte apelo de mídia contra a cúpula sindical rural patronal mato-grossense: a invasão do Parque de Exposição Governador Wilmar Peres de Faria, em Rondonópolis.

A Federação da Agricultura e agora também da Pecuária (Famato) entrou em crise. O calendário marcava o começo de junho e a internacional Exposição Agropecuária (Exposul) estava programada para agosto.

Zeca de Ávila (agora Zeca D’Ávila) presidia a Famato. O presidente do Sindicato Rural de Rondonópolis era Adolpho Tadeu Vieira, que não está mais entre nós. Os dois sentiam-se impotentes pra conter o MST, que em seus primeiros momentos sequer respeitava interdito proibitório.

Sem saber da ameaça de invasão, fui à Famato e Zeca me falou sobre o assunto. O vi muito preocupado. Não era pra menos: o parque de Rondonópolis é a principal vitrine do agronegócio mato-grossense e sua construção somente se viabilizou graças ao trabalho de Zeca quando presidente do sindicato rural daquele município.

Aparentemente não havia o que fazer, muito embora Adolpho Tadeu tivesse debaixo do braço uma liminar de interdito proibitório (para proteger o parque da exposição da ameaça do MST) deferida pelo juiz de direito Luiz Antonio Sari.

Liguei pra um amigo oficial da Polícia Militar no batalhão em Rondonópolis e ele detalhou o que aconteceria. A invasão estava na contagem regressiva.

Disse a Zeca que pouco antes de chegar à Famato estive no comando da 13ª Brigada de Infantaria Motorizada de Cuiabá, onde seu comandante o general de brigada Flávio Oscar Maurer convidou-me para cobrir uma operação do Exército em Rondonópolis, que contaria com efetivos de batalhões de Cuiabá, Aragarças (GO), Coxim (MS) e do 18º Grupo de Artilharia de Campanha (18º GAC) daquela cidade. Observei com meu anfitrião que o evento do general poderia impedir a invasão.

Sem entender aonde eu queria chegar, meu anfitrião disse que não via como, afinal – segundo ele – o Exército sempre ficou distante da questão da luta agrária. Propus a Zeca fazer um pedido ao general, que se fosse aceito seria tiro e queda. Ele ficou reticente perdido atrás da fumaça de seu inseparável cigarro. No entanto, Édson de Andrade, que era secretário da Famato e seu braço direito, gostou da ideia e me motivou a levá-la adiante. Pedi um tempo para conversar com o comandante da Brigada.

Da Famato liguei pra Brigada e consegui que o comandante me atendesse de imediato. Fui até lá. Tive uma conversa franca e objetiva com ele. Expliquei o que estava para acontecer e pedi ao general pra instalar o posto de comando da operação no parque de exposição.

O general deu um sorriso enigmático. Disse-me que ligaria ao comandante da 9ª Região Militar, em Campo Grande, e o fez de imediato. Maurer destacou a infraestrutura do parque e que o vaivém das viaturas e blindados entre o comando e o teatro da operação cruzando a zona urbana daria mais visibilidade ao Exército perante a população. Depois dessa argumentação, com a responsabilidade do cargo que ocupava, revelou ao superior a questão do MST e o transtorno que aquilo poderia causar.

Um “sim” na 9ª Região Militar, com pedido de cautela operacional, foi a resposta ouvida pelo general Maurer.

Retornei à Famato com a boa notícia. Zeca e Édson se desmancharam. Em Rondonópolis Adolpho Tadeu estava em polvorosa, mas de imediato um telefonema o tranquilizou. Ele quis saber como foi possível conseguir a blindagem do Exército: “Foi o Eduardo Gomes”, disse Zeca. O presidente do sindicato rural engoliu em seco, porque não me suportava em razão de matérias de minha autoria publicadas um ano antes no Diário de Cuiabá denunciando focos de aftosa ao lado da cerca do parque onde se realiza a Exposul.

No outro dia, os militares amanheceram no parque de exposição, que foi tomado por viaturas e canhões. Em seu portão principal, ao invés das bandeiras da Famato e do sindicato rural, foram hasteados pavilhões do Brasil e das unidades militares participantes. Ali, ninguém sem farda entrava. E não entrou mesmo.

Os chefes do MST entenderam o recado e a vitrine do agronegócio foi poupada. Depois daquele episódio estreitei relações com o general Maurer e em 31 de janeiro de 1996 ele distinguiu-me com o “Diploma de Amigo da Brigada”, que mantenho na moldura em meu escritório.