De benesses

Em 1996 o Brasil entrou na era da urna eletrônica, que seis anos antes era persona influente na democracia indiana. Agora, vejo críticas e mais críticas a ela, por sua suposta vulnerabilidade, o que facilitaria a ação da canalhice sempre atenta para aprontar.

Possibilidade de fraude sempre há, mas é possível criar mecanismos que afastem riscos e melhor ainda seria se algum tipo de software garantisse recontagem de votos em caso de suspeita ou representação.

Pior não é a urna: é o ambiente eleitoral. Não me refiro apenas aos candidatos ficha suja, trambiqueiros, enganadores. Incluo o universo que move as campanhas, com marqueteiros, assessores, aspones, cabos eleitorais, boias-frias eleitorais e o imensurável interesse em jogo. Chego a avaliar que nossa democracia é antidemocrática – que seja a ausência do povo, salvo melhor juízo.

Não posso aplaudir uma democracia com a morosidade da nossa Justiça Eleitoral. Tenho motivo para questionar a inexistência do voto distrital misto e a coligação para cargo executivo em primeiro turno. Há razões para discordar da concorrência desleal entre candidatos ricos e pobres, por falta de regramento. Entendo como perverso o caixa 2. Vejo com tristeza jornalistas e veículos de Comunicação a serviço de donos do poder ou de endinheirados.

A classe política está desgastada e nossa democracia – insisto – é antidemocrática. Por sua velhacaria, chego a compará-la à democracia do ontem, embora apresente nova roupagem e discursos de vanguarda a exemplo do ‘politicamente correto’.

Sou do ontem, do tempo da ‘marmita’ eleitoral, que pouca gente sabe do que se tratava. Marmita era um pacote com cédulas eleitorais distintas para os cargos em disputa. Quem a fazia – mandava imprimir em gráfica sem nenhum controle pela Justiça Eleitoral – era o próprio candidato ou seu grupo. Funcionava assim: o coronel político recebia o eleitor humilde em seu comitê, mandava revistá-lo pra checar se não tinha alguma marmita perversa. Depois lhe entregava a boa marmita, pagava o combinado pelo voto e alguém de sua confiança o escoltava até a sessão, onde num piscar de olhos entrava na dita cabine indevassável, saía com a marmita recebida e a depositava na urna de pano, sem saber sequer em quem votou – o voto não é secreto? Então…

Era assim. Continua sendo, porém com a maquiagem dos novos tempos. O tempo passou, porém a prática do crime eleitoral, não. O diferencial fica por conta do silêncio sepulcral no passado e o barulho superficial que se faz agora nas redes sociais. Antes ninguém dizia um “a” sequer temendo por sua vida. Agora, a discussão não se aprofunda, fica na superficialidade – tem uma exceção aqui ou ali – porque a acidez crítica respeita muito a força do poder, quase sempre corroído, mas que deve ser preservado, pois é ele quem lhes concede direta e indiretamente as benesses que tão bem lhe fazem.

 

Eduardo Gomes de Andrade é jornalista

eduardogomes.ega@gmail.com

Jornal Diário de Cuiabá edição 20 junho 2018 Pág. A2

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