De dever jornalístico

Não é fácil fazer jornalismo em Cuiabá. Em todas as partes do mundo o exercício dessa profissão é árduo, mas no centro geodésico do continente, onde nasceu o Patrono da Comunicação – Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon – é mais difícil ainda. A dificuldade profissional atravanca o atendimento à demanda pela notícia isenta, rápida, precisa…

Essa é a realidade para se cobrir a Grampolândia Pantaneira. Esse escândalo dispensa preâmbulo, pelo menos em Mato Grosso, seu palco.

A imprensa mato-grossense merece respeito, mas a cobertura que faz sobre a Grampolânida – com as exceções de praxe – cria uma névoa que leva o leitor/internauta/ouvinte/telespectador para um destino criado pela informação que não permite que o mesmo saiba realmente o que aconteceu na cúpula daquela série recorrente de crimes extremamente graves.

Avalio que independentemente do noticiário, mais dia menos dias a Justiça chegará ao cerne do crime da Grampolândia. Porém, até que a sentença com trânsito em julgado que virará essa deplorável página da história política mato-grossense seja prolatada o ciclo da violência contra a cidadania continuará sem paternidade, o que é preocupante, grave e pode ser nocivo sob muitos aspectos.

Não participo do noticiário de superficialidade sobre a Grampolândia. Não aceito a ideia de ocupar espaço jornalístico e fisgar o internauta com informações que não apontem para a responsabilidade pelo caso e que fique zanzando perifericamente para não apontar o governador Pedro Taques enquanto suposto líder e beneficiário direto com o deslavado grampo que feriu a privacidade de muitos em Cuiabá e outros municípios.

Não somente pelos depoimentos de que Pedro Taques (Foto) foi informado dos crimes pelos ex-secretários de Segurança Pública Mauro Zaque e Fábio Galindo, mas principalmente pela lógica dos fatos, vejo Pedro Taques na condição de possível mandante dos grampos. Observemos:

Em 1º de janeiro de 2015 quando assumiu o governo, Pedro Taques sabia que seu antecessor Silval Barbosa seria preso, tamanho índice de corrupção em sua administração. Também tinha plena certeza que cadeia seria o destino do então presidente da Assembleia Legislativa, José Riva, por razões tão óbvias que dispensam citação.

Pedro Taques – avalio – queria ocupar o poder por um longo período. Para tanto teria que lançar mão de expediente nada convencional. Possivelmente foi isso que aconteceu a julgar pela tramitação processual que investiga a Grampolândia, que entre outras coisas apurou que o primo do governador e depois seu chefe da Casa Civil, Paulo Taques, enquanto coordenador jurídico de sua campanha vitoriosa ao governo teria desembolsado R$ 50 mil para cobrir eventuais despesas com grampos criminosos de seus adversários. Essa arapongagem foi feita por policiais militares – hoje envolvidos até o pescoço com esse crime. Em sua amplitude ela também foi um grave crime eleitoral e esse aspecto ainda não chegou aos tribunais.

Escorpião quando no meio de um círculo de chamas não vacila: crava seu venenoso ferrão no corpo e morre rápido para fugir da agonia do fogo que o devoraria lentamente. Por analogia figurativa no campo político, em Mato Grosso, apesar da temperatura elevada e dos indícios a prática é outra: ninguém assume a mea culpa.

A lentidão judicial pode criar um cenário de superficial isenção por aqui e levar o cenário político para as urnas em 2018 como se tudo estivesse na mais absoluta normalidade.

Temo pela absoluta normalidade que é escamoteada do cidadão e vejo que ela pode ganhar contornos de cristalização pela conivência jornalística e o covarde aval da classe política.

A imprensa é o que lemos. A classe política tanto quanto o jornalismo merece a devida ressalva. Nesse cenário nunca tratei desse assunto com jornalistas, mas ouvi prefeitos. Num recente evento na associação dos prefeitos (AMM) questionei 14 dos meus anfitriões sobre a Grampolândia (defini esse número por representar 10% dos prefeitos; foi uma pesquisa sem embasamento científico, mas com resultado que não pode ser desconsiderado). Um desconversou. Dois tinham dúvidas. Uma prefeita defendeu Pedro Taques com ardor. Dez – repito 10 – disserem que Pedro Taques seria o líder. O detalhe é que por unanimidade pediram pra que seus nomes não fossem citados. O anonimato exigido não exclui a prefeita, a dupla em dúvida e aquele que saiu pela tangente – parece que nenhum tinha convicção a ponto de botar a mão no fogo. Mais um detalhe: uma semana depois um do grupo que apontou para o governador foi personagem de um horário eleitoral e não mediu elogios a Pedro Taques.

Que justiça seja feita. Que este texto diga ao futuro que não houve unanimidade no acobertamento da Grampolândia. Que ele não seja interpretado como panfletário. Que não se confira falso rótulo de virtudes ao seu autor. Que acima de tudo seja um grito contra o estranho compadrio entre governador e prefeitos, em nome da sobrevivência política que tanto mal causa a Mato Grosso. Mais: que no amanhã, quando a poeira assentar com o desfecho da ação ora sob a toga do ministro Mauro Campbell Marques, do STJ, o leitor mato-grossense leve em conta que apesar dos panos quentes generalizados alguém simplesmente cumpriu seu dever jornalístico.

 

Eduardo Gomes de Andrade
Editor

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