Na semana passada, a Polícia Federal desencadeou em Cuiabá e outras cidades uma gigantesca operação intitulada Malebolge, nome tão difícil quanto difícil é entender o que se passa na esfera de parte do poder mato-grossense.
Na operação, que cumpriu mais de 60 mandados de busca e apreensão, somente um cidadão foi preso preventivamente. Trata-se do deputado estadual Gilmar Fabris (PSD), que é vice-presidente da Assembleia e que a presidiu. Fabris foi para a prisão por ordem do ministro do STF, Luiz Fux, em atendimento ao Ministério Público Federal (MPF), que entendeu um ato do parlamentar como obstrução de justiça.
Policiais vasculharam gabinetes – inclusive os forros dos tetos dos mesmos – na Assembleia e no Tribunal de Contas do Estado (TCE); também fizeram pente fino da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (Sedec), nos gabinetes dos prefeitos Emanuel Pinheiro/PMDB (Cuiabá) e Luciane Bezerra/PSB (Juara), no gabinete do deputado federal Ezequiel Fonseca (PP), nas residências dos mesmos e dentre as quais a do ministro Blairo Maggi/PP (Agricultura) e em empresas dos alvos da operação.
A ação policial, que teria contado com a participação de 270 delegados e agentes federais, aconteceu como desdobramento de uma delação do ex-governador Silval Barbosa (PMDB) ao MPF com homologação de Fux, que a definiu como “monstruosa”.
A parte operacional de Malebolge e agora sua fase de checagem de documentos, tomada de depoimentos, cruzamento de movimentação bancária com autorização judicial e com idêntica cobertura a quebra de sigilos fiscais e telefônicos, afunilarão os indícios, vídeos e sinais palpáveis de recorrentes crimes de diversos naipes no âmbito do colarinho branco que tão mal causa ao Brasil.
O tempo necessário à apuração será ditado pela evolução das investigações, das perícias e da localização dos investigados para que sejam ouvidos. Enquanto os fatos acontecem longe dos olhos da população Mato Grosso fica em desconforto à espera do desfecho.
Desconforto, sim. Afinal a Polícia Federal investiga quase todos os atuais e alguns ex-deputados estaduais, o que deixa a Assembleia sem legitimidade moral para legislar e fiscalizar os atos do governo.
Desconforto por cinco dos seis conselheiros titulares do TCE (uma vaga está aberta por afastamento judicial do conselheiro Humberto Bosaipo, que mesmo afastado conquistou o benefício da aposentadoria) terem sidos afastados de seus cargos e estarem proibidos de frequentarem aquele órgão técnico.
Desconforto pela prisão preventiva do deputado Fabris.
Desconforto pelas investigações sobre o ministro e senador licenciado Blairo Maggi, sobre o senador Cidinho dos Santos (PR) e o deputado federal Ezequiel Fonseca.
Desconforto pela citação do delator sobre outros congressistas que teriam participado do corrupto esquema, a exemplo dos deputados Fábio Garcia (PSB) e Carlos Bezerra (PMDB), e do senador Wellington Fagundes (PR).
Desconforto pelas investigações sobre os prefeitos Emanuel Pinheiro e Luciane Bezerra.
Desconforto pelas investigações sobre o secretário Carlos Avalone (Sedec).
Desconforto por tudo isso e ainda pelo silêncio sepulcral da Assembleia, do TCE, do governador Pedro Taques (PSDB), da bancada federal e dos dois prefeitos e as respectivas Câmaras de Vereadores de suas cidades.
Mas, afinal, o que se investiga? Os inquéritos querem chegar ao cerne da questão do mar de corrupção que caracterizou o governo do delator Silval com as instituições ora citadas e os congressistas idem. Alguns deles foram filmados recebendo maços de dinheiro de Sílvio Corrêa, então chefe de Gabinete de Silval; rFabris e Baiano Filho (PSDB) foram gravados em diálogos nada republicanos com o mesmo Sílvio, discutindo valores; um áudio revela um conversa atípica do deputado estadual Romoaldo Júnior (PMDB) com um dos filhos do delator. Além das imagens e do som a delação apresentou anotações e documentos que reforçam a fala do ex-governador.
Diante dessa situação nasce o desconforto, porque tanto a Assembleia quanto o TCE e as duas prefeituras tentam apresentar a imagem da normalidade permanecendo atuando dentro de sua plena autonomia institucional. Que legitimidade há nisso? É justo manter o quadro atual com parte do poder constituído funcionando paralelamente ao chafurdamento da maioria de seus componentes?
Mato Grosso está em desconforto, mas as ruas continuam em silêncio, pela fraqueza das instituições e de figurões que representam entidades patronais, de líderes sindicais laborais e da cúpula que dirige o movimento estudantil. A Justiça não pode ser açodada sob pena do surgimento de tribunais de exceção. Os inquéritos têm que cumprir tramitação regular. Disso se valem os alvos que continuam em suas funções.
Estamos num beco quase sem saída. Permanecer o status quo é bater palma para quem entrega a chave do galinheiro para a raposa. Enfrentar essa anomalia com a plenitude da cidadania continua no campo abstrato nesta terra onde lamentavelmente o feio é roubar e não poder carregar.
Eduardo Gomes de Andrade
Editor