De um lado o fogo, de outro lado a seca

Herman Oliveira*
Cuiabá

Mato Grosso está em chamas!

O Brasil está em chamas!

O mundo inteiro em chamas!

Ao mesmo tempo, também estamos secando!

Tenho, por força de ofício, mas também por hábito, acompanhado discussões sobre Crise Climática, Crise Hídrica, Insegurança Alimentar, mas também tenho observado as paisagens desde a rua onde moro, até enquanto viajo pelo estado realizando uma parte do meu trabalho.

É espantosa a alteração da paisagem, as cinzas escuras e claras, árvores ressequidas, animais mortos, morros pelados… tudo isso dá o que pensar! Tudo isso me leva a um lugar, não sei se no futuro ou no presente, em que não há esperança, não há água, comida, um pouco à moda dos filmes apocalípticos que anunciam um mundo de desespero e morte, doenças, guerras e, de maneira extremamente pungente, aquilo que o velho Marx dizia e que o neoliberalismo tem varrido para debaixo do tapete: a luta de classes.

Recentemente reli um livro complexo e instigador do Zizek, “Um mapa da ideologia”, e fui rememorando todas ou quase todas as vezes em que fomos, nós da esquerda, acusados de fazermos defesas ideológicas. Essas acusações têm atingido o paroxismo na política a partir de muitas inverdades: ideologia de gênero, escola sem partido (por causa da ideologia implícita, obviamente), ambientalismo político ideológico que anuncia as mudanças climáticas e por aí vai. Porém, uma ideia (não uma ideologia), a partir do primeiro parágrafo do livro, ficou espetando meus pensamentos: “é mais fácil pensar num cenário catastrófico do que pensar o fim do capitalismo”.

Então, perguntaria a alguém que não tenha captado a má intenção implícita no meu raciocínio: o que uma coisa tem a ver com a outra? Tudo, eu diria.

Primeiro, é assustador o fato de que as plataformas da maioria esmagadora dos políticos sequer fazem menção às crises que eu apontei anteriormente. É como se isso fosse problema dos outros. Mas quais outros?

Vocês se lembram daquele desenho animado que minhas filhas chamam de filme, “A Era do Gelo”? A certa altura o grupo que o protagoniza se defronta com um exército de dodôs e tenta pegar um melão para alimentar a criança que fazia parte do bando. Os dodôs reagem de maneira violenta, avançando e dizendo “Doom on you!” que foi traduzido para “Problema de vocês!”.

Entenderam a analogia? Os políticos, num verdadeiro e incrível exercício de alienação, simplesmente ignoram o problema (Problema de vocês!). Não é que eles negam que haja um problema, mas jogam com a relação entre o visível e o invisível. Não basta sentir o calor na pele, não bastam os incêndios, o racionamento de água, as altas temperaturas ou o anúncio de que Cuiabá estará inabitável em 2050.

Há um dado bastante curioso segundo o qual não há mais água disponível no planeta. No entanto, diriam esses políticos, “isso é pura ideologia porque, quando abro minha torneira, sai bastante água”. Porém, é assim que age o capitalismo: enquanto uns têm bastante, outros têm pouco e a maioria não têm nada. Perguntem aos moradores de Alta Floresta, no norte de Mato Grosso, como estão suas torneiras. Ou às comunidades em torno do Rio Paraguai, que no próximo mês tem uma data para ser “comemorado” em meio a uma das piores secas já vistas na bacia.

Retomando a ideia do visível e invisível, tenho a impressão de que essas pessoas não têm capacidade de abstrair, de simbologizar (como diria Leslie White), de perceber o problema antes que ele se torne real e isso pode decretar nosso fim num período ainda mais curto do que prevê o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climática, o IPCC. Quer algo mais ideológico do que ignorar os avisos, não só da Ciência, mas dos fenômenos naturais em desequilíbrio?

Bom, os dodôs estão extintos, principalmente por intervenções humanas. A fila está andando. Quem “seremos” os próximos?

* Herman Oliveira é secretário executivo do Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad)