Desenredo

O mundo todo marcado
A ferro, fogo e desprezo
A vida é o fim do tempo
A morte é o fim do novelo

Esse verso, garimpado da joia da música popular brasileira, composta por Dori Caymmi e Paulo Cesar Pinheiro – DESENREDO, me fez refletir sobre algumas ocorrências dos últimos dias e animou-me a escrever este texto, refazendo os propósitos de vida que tanto
defendo e que, por vezes, são arrefecidos.

O tempo de hoje não é um tempo fácil.

A tecnologia imprimiu um novo ritmo à luta do homem pelas suas necessidades. Não é raro ver alguém entender e divulgar como imprescindível, algo frívolo, fútil. Por vezes, tenho a impressão que vaidade, prepotência, pernosticidade, etc., ocuparam os espaços ainda presentes na humanidade para altruísmo, comprometimento, eficiência, etc. É só
impressão… no cotidiano, exteriorizações dessa natureza servem apenas para desnudar
personalidades, desonrar pessoas e alimentar o ego do emitente. Nada somam.

A atualidade virtual, como ressalta Umberto Eco, “deu azo a muita imbecilidade”.

Alguns propagam pela mídia, redes sociais e até em reuniões orgânicas, a incompetência alheia, medida com régua que só é utilizada para o próximo, quando o certo seria adotar o mesmo instrumento usado para para mensurar a própria competência. O resultado revelaria a igualdade entre o crítico e o criticado. O povo diria, “macaco olha o teu rabo”

Outros, supostamente esclarecidos, bastam-se olhando para o seu interior. Vivem aprisionados e por isso, tal qual o “assum preto”, do poema de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga, “cantam bonito, vez que conseguem enxergar o céu”. Não passam disso, todavia. Mas convenhamos, ainda parodiando os poetas populartes mencionados, “é melhor que ter os olhos vazados”.

No atual estágio em que vivemos temos que nos valer diariamente dos princípios que carregamos. Renovar a esperança na construção de uma Nação justa, próspera e soberana e lembrar que não se constrói um edifício sem adotar, desde as bases, os cuidados mínimos necessários para se enxergar o todo. Visão estratégica tem como pressuposto, também, a gestão eficiente das pessoas que integram os órgãos, corrigindo rotineiramente as desconformidades dectatadas, pelos meios disponíveis.

É engano pensar que temos a alternativa mais adequada. Importa apenas contribuir com a busca da solução. Adotá-la, requer outros pressupostos que compõem todo o cenário. De outro modo, não se deve perder o precioso tempo de vida com lamentações pelos
males que julgamos enfrentar. Sempre há algo a ser feito em prol da minha aldeia, independentemente de decisão de outrem.

Além disso, não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe. Algumas manifestações de colegas e colaboradores, longe de atingirem os escopos individuais
almejados, impactam negativamente na essência da instituição. Ferem de morte, o pacto social que fizemos de sermos modernos, eficientes, acessíveis, confiáveis e independentes.

A carreira do Ministério Público é valorizada e imprime na sociedade o desejo de alcançá-la. Inúmeros pais apoiam seus filhos para as faculdades de direito; incentivam o preparo para os concursos públicos e almejam a aprovação para se fazerem promotores de justiça. Jovens sonham, desde o ensino médio e até antes, galgar essa brilhante carreira.

Isso não foi uma conquista fácil. Temos compromisso com a democracia que exige um Ministério Público calibrado para suportar os eventuais desajustes presentes em sociedades onde se impera a liberdade.

Orgulho-me de constatar nos últimos anos, a valorização das carreiras jurídicas que integram a estrutura do Estado. Sempre entendí que Juízes, Delegados, Procuradores,
Defensores Públicos, enfim, todos aqueles que atuam na seara da Justiça, merecem tratamento dignos da importância da função que exercem.

Tenho a honra de ter acompanhando de perto a estruturação institucional. E não me importo, creiam, que alguns se assumam proprietários dessas mudanças. Entendo as
fraquezas humanas e luto para não sucumbir-me a elas. Por vezes, também, sou muito fraco.

As eventuais divergências, naturais em qualquer processo, precisam ser interpretadas como próprias do modelo.

Todos foram partícipes da tarefa de construção do Ministério Público, corrigindo as carências das equipes, importando, também, no crescimento da massa de servidores
que empresta seu trabalho à causa ministerial.

Sabemos que atuamos em defesa da sociedade e isso tem como pressuposto, a credibilidade junto a ela. Críticas de qualquer ordem são aceitas no regime democrático mas, requerem, necessariamente, a análise prévia da pertinência do tema enfocado. Me
parece claro que um Ministério Público enfraquecido só interessa aos que gravitam à margem da lei.

Como integrantes do aparelho repressor do Estado, debruçamo-nos diariamente sobre notícias de fatos susceptíveis de investigação, tendo por premissa indispensável o
juízo prévio de valoração da notícia e o “modus” de tratá-la diante da possibilidade concreta de procedência ou improcedência.

Por isso, reivindico aos colegas Promotores de Justiça e aos colaboradores
em geral, que não se amiudem com eventuais repercussões midiáticas de arroubos,mesmo aqueles nascidos em nosso meio. São exteriorizações individuais que não podem ser creditados ao conjunto da Instituição.

Aqui como alí temos que ter competência para tratar qualquer desconformidade, adotando, com eficiência, as medidas correcionais. E sobretudo, consciência de que devemos – mais que todo mundo, render-mo-nos às decisões de instâncias administrativas e/ou judiciais, ainda que desconfortem posições pessoais. Afinal, vivemos disso.
É bom lembrar que lutamos em prol de um Estado cada vez mais eficiente, como orienta a Constituição da República. E eficiência é saber lidar com divergências para responder eficientemente às eventuais desconformidades que permeiam a vida em sociedade,
verdadeira razão de nossa existência.

Edmilson da Costa Pereira – procurador de Justiça no Ministério Público do Estado de Mato Grosso