Dia Nacional de Luta Contra a Violência à Mulher

Neste sábado (10), o Brasil celebra o Dia Nacional de Luta Contra a Violência à Mulher. A efeméride, contudo, tem poucos motivos para ser comemorada. Os casos de feminicídio no país cresceram 22% em 12 estados durante pandemia, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

 

De acordo com levantamento do Instituto AzMina divulgado na última quinta-feira (8), desde o início da pandemia no Brasil, três mulheres morrem por dia vítimas de violência doméstica. São Paulo (79), Minas Gerais (64) e Bahia (49) são os estados com maior número de casos de feminicídio neste período.

​A FBSP menciona também como estatística preocupante o aumento de denúncias feitas por telefone. Em uma comparação entre março de 2019 e 2020, a entidade registrou um acréscimo de 17,9% em ligações para denunciar agressores. Em abril deste ano, quando quarentena já havia sido decretada em todos os estados brasileiros, a procura pelo serviço cresceu 37,6%.

Para o advogado criminalista e ex-integrante do Ministério Público Estadual de São Paulo Roberto Tardelli, o aumento no número de casos de feminicídio está condicionado a uma série de fatores.

“Em primeiro lugar, somos uma sociedade violenta. A violência é muito mais praticada no Brasil do que imaginamos, e isso acontece porque há uma aceitação social, uma banalização da violência, que é muito grande. É fato que a convivência social ao longo da pandemia agravou este quadro, até porque a agressão às mulheres se baseia em uma situação de superioridade e dependência financeira. Mas este é um problema social, e é antigo. O que sustenta isso é a violência urbana. Quando a violência é naturalizada, a agressão se torna lugar comum”, disse ele em entrevista para Sputnik Brasil.

Questionado a respeito de soluções e políticas públicas para conter o aumento de incidentes no Brasil, Tardelli afirmou que “a lei nunca é o bastante, principalmente diante de um governo que nega a questão de gênero, que sequer é debatida nas escolas”.

​Para ele, esta “deveria ser uma pauta prioritária em quaisquer espaços de convivência social”. O advogado salientou em sua entrevista que, no momento, “o problema cresce na medida em que políticas públicas oficiais de governo estão fora da discussão. É preciso ensinar isso nas escolas. A questão deve ser visitada, revisada […] E o que temos é uma negação do problema. Portanto, se governo nega que haja um problema de violência doméstica, não há como estabelecer qualquer política pública de prevenção”.

Diante de um cenário de agravamento nos índices de violência doméstica, a professora Juliana Vinuto, do Instituto de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), especialista em estudos de gênero e população carcerária, falou com exclusividade à Sputnik sobre o tema.

Para ela, a nova legislação sobre feminicídio, ao especificar e tipificar o crime por meio de lei, foi a principal razão para o aumento, desde 2016, nas denúncias dos casos de violência doméstica.

De acordo com Juliana, “este aumento é uma faca de dois gumes. Por um lado, são mais assassinatos, por outro, estamos falando de mulheres que estão denunciando”.

​As denúncias, segundo ela, constituem um ponto fundamental para compreender a questão:

“É preciso pensar que esses números são subnotificados, porque a violência, no Brasil, tornou-se tolerável, inclusive pelos órgãos de estado. O feminicídio é um sempre a ultima etapa de um processo que começa com a violência psicológica”.

Em 2019, por exemplo, segundo dados da FBSP, houve 1.310 assassinatos decorrentes de violência doméstica ou motivados pela condição de gênero. Esse número representa uma alta de 7,2 % em relação a 2018. Entre janeiro e julho de 2020, os feminicídios atingiram a marca de 101 casos; 12% a mais do que os 90 registros feitos no mesmo período de 2019.

A produção de estatísticas confiáveis é fundamental para a avaliação de um problema e a busca de soluções. O Observatório da Mulher contra a Violência e o Instituto DataSenado, ambos vinculados à Secretaria de Transparência da Casa, realizam pesquisas bianuais com mulheres de todo o país com vistas a elaborar uma série histórica da violência de gênero.

Em 2017, em uma destas pesquisas, foi feita a seguinte pergunta: “Você já sofreu algum tipo de violência doméstica ou familiar provocada por um homem?”. A questão foi respondida positivamente por 29% das entrevistadas – um índice consideravelmente maior do que nos 12 anos anteriores, quando a taxa oscilou entre 15% e 19%.

O primeiro contato que a mulher tem com a estrutura que a recepciona depois de uma experiência traumática pode ser decisivo para que ela adquira confiança e volte a buscar apoio, garantindo que a sua situação estará devidamente monitorada e não se agravará. Nesse sentido, a Lei Maria da Penha, de 2006, é a principal referência.

Outra forma de combater a violência contra mulher é a ampliação de delegacias especializadas no atendimento às mulheres. Contudo, elas são poucas e ainda esparsas no território nacional: de acordo com dados da FBSP, menos de 10% dos municípios contam esse serviço.

​Juliana Vinuto enfatizou que um dos maiores problemas do feminicídio no Brasil é a ausência de delegacias especializadas. Concomitantemente, há a questão do machismo estrutural na sociedade que não pode ser relativizado. Sobre este tema, a professora disse:

“A delegacia da mulher é uma conquista do movimento feminista. Mas isso não resolveu o problema, porque não afetou os valores da sociedade, principalmente da polícia. Há um avanço, claro, há mulheres que estão conquistando espaço dentro deste segmento. Contudo, como primeiro contato na recepção de uma delegacia raramente é feito por uma mulher, isso configura um problema. Um homem pode bloquear psicologicamente uma mulher. É comum que mulheres que peçam proteção sofram algum preconceito. Se a mulher não se adequar aos padrões respeitáveis, ela simplesmente é mal acolhida”.
Cinco anos da Lei do Feminicídio

A Lei do Feminicídio completou cinco anos em 2020. Desde o dia 9 de março de 2015, assassinatos de mulheres envolvendo violência doméstica e questões de gênero passaram a ser qualificados como crimes hediondos, com penas de até 30 anos.

Essa pena pode ser elevada em até 50%, caso o crime seja praticado: na presença de filhos, pais ou avós da vítima; durante a gestação ou nos três meses imediatamente pós-parto; ou contra vítima menor de 14 anos, maior de 60 anos ou portadora de deficiência.

Roberto Tardelli também falou com exclusividade à Sputnik Brasil a respeito deste assunto:

“O feminicídio não existia como substantivo. Nunca havia sido considerada que a condição de gênero era determinante para pratica do crime. As coisas só passam a existir a a partir do momento em que damos à elas um nome. Quer dizer, crime já existia, mas ele ficava dentro de contexto que o transformava em algo retórico, como o criminoso alegar legítima defesa de sua honra. A ‘defesa da honra’ é uma valor falso que impõe à mulher uma vida de reclusão”.

Sputnik Brasil com duas fotos referenciais

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