Antes de embarcar para a África do Sul para participar da Cúpula dos Brics em Johanesburgo, o presidente Michel Temer fez um pedido a assessores: queria encontrar e tiraruma foto com alguém da família de Nelson
Temer pretendia mostrar que – nas palavras de um integrante da comitiva – “não estava indiferente” às comemorações do centenário do ex-presidente sul-africano em sua passagem pelo país. Morto em 2013, Mandela teria feito 100 anos neste mês.
Em uma reunião, membros de sua comitiva comentavam que, para o presidente brasileiro, mostrar sensibilidade às homenagens a Mandela (ganhador de um Nobel da Paz e líder da resistência contra o apartheid) seria positivo a sua imagem, que sofre com índices de reprovação históricos.
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Com aprovação de 4%, de acordo com o Ibope, Temer é o presidente mais mal avaliado desde que a pesquisa começou a ser feita, em 1986.
Oportunidade perdida
Os Brics – grupo de países emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – se reúnem todos os anos desde 2009.
Essa é a terceira participação de Temer, e ofereceu mais oportunidades do que apenas pose para fotos: em um momento em que o protecionismo do governo americano de Donald Trump provoca guerras comerciais, a cúpula foi um espaço para outros países tomarem a frente na defesa do multilateralismo.
“Havia muita gente achando que o bloco seria temporário, mas ele já conseguiu mostrar que veio para ficar”, afirma Oliver Stuenkel, coordenador do MBA de Relações Internacionais da FGV-SP.
Nos últimos dez anos, os Brics consolidaram a sigla com a defesa de interesses comuns, a institucionalização de um Conselho Empresarial e a criação de um banco de desenvolvimento próprio.
Segundo analistas ouvidos pela BBC News Brasil, no entanto, a dificuldade de Temer é não ter força política para aproveitar essa oportunidade. “É um momento super favorável para que países com menor importância assumam o protagonismo”, explica o pesquisador Sergio Veloso, do centro de estudos BRICS Policy Center.
“Temer, no entanto, é incapaz de surfar nessa onda. Hoje, a única coisa que o governo pode fazer é buscar sobrevivência e tentar manter algo de si no próximo governo”, afirma o pesquisador.
Segundo Stuenkel, o Itamaraty tem feito um esforço considerável para manter a participação brasileira no bloco.
“O ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, viajou muito à África, deu apoio ao conceito dos Brics, que inicialmente encarava com ceticismo. Fez o que podia, dentro do possível”, afirma o especialista. “O problema é que o governo Temer é muito fragilizado, e isso tem um impacto direto na política externa.”
“Dá pra dizer que estamos num momento de desprestígio, de extrema fraqueza, sem capacidade de construir uma narrativa de investimento públicos ou projeção do Brasil pra fora”, diz Veloso.
Brasil tem duas reuniões bilaterais
Segundo os analistas ouvidos pela BBC News Brasil, as relações bilaterais do Brasil na Cúpula são um exemplo desta dificuldade de agregar prestígio.
Em reunião com o presidente chinês Xi Jinping na quinta, Temer pediu que a China reconsiderasse o embargo ao frango brasileiro e as taxas de importação do açúcar. Apesar de o brasileiro dizer que “sentiu receptividade”, saiu da reunião sem nenhum compromisso concreto dos chineses de revisar as políticas.
“Isso diz respeito à força limitadíssima que o governo tem nesse momento, com muito pouca capacidade de negociação”, avalia Veloso.
Temer foi o único presidente do bloco a não se encontrar com Vladimir Putin em uma reunião bilateral. O líder russo se encontrou com os presidentes Maurício Macri, da Argentia, e Recep Tayyip Erdogan, da Turquia, países convidados a observar as reuniões dos Brics.
Foi o segundo ano que isso aconteceu. Em 2016, Putin também recebeu todos, menos Temer. Na ocasião, o desconforto foi tanto que o governo brasileiro se esforçou para combinar uma ida de Temer à Rússia em 2017.
O país tem interesse na reunião, segundo os analistas. O embargo russo à carne brasileira, por exemplo, é um assunto caro ao agronegócio e poderia ter sido discutido em um encontro com Putin.
O Brasil também não teve nenhuma reunião bilateral com a Índia ou com os países observadores, embora tenha se encontrado individualmente com a África do Sul.
Segundo Stuenkel, é relativamente normal que um chefe de Estado que está saindo tenha menos “poder convocatório”.
“A não ser que seja um presidente muito popular, que tenha um papel muito importante na cúpula ou indícios de que vá fazer um sucessor”, explica ele.
Mas, segundo o professor, no caso de Temer, isso é agravado pela fragilidade do governo. “É um presidente com mandato curtíssimo, que assumiu em meio a controvérsias, que está envolvido em investigações de corrupção e tem baixíssima taxa de aprovação”, diz Stuenkel.
‘Conversas informais’
Durante um encontro de Temer com a imprensa na cúpula, a BBC News Brasil questionou o presidente sobre o motivo de não ter havido reuniões bilaterais com Rússia e Índia, mas ele não respondeu.
Aloysio disse que não tivemos mais reuniões bilaterais pois “os presidentes conversaram muito entre eles (em conversas informais)”.”Agora mesmo, antes dessa reunião, eles tiveram a oportunidade de conversar entre eles e falar de alguns questões bilaterais”, disse o ministro à imprensa.
O ministro também declarou que o Brasil não pediu um encontro formal com Putin e que as conversas sobre o embargo à carne “estão sendo feitas, e não é em uma reunião como essa (um encontro bilateral na cúpula dos Brics) que se resolve esse tipo de coisa” – apesar desse tipo de assunto ter sido discutido com o presidente chinês durante o encontro com Temer, na quinta.
A grande vitória do Brasil na cúpula foi o acordo para a criação de uma filial do banco de desenvolvimento do bloco no país e uma parceria para cooperação em aviação.
Mas diversas outras parcerias que o governo esperava fechar não foram concluídas, entre elas uma de cooperação para uso de imagens de satélites e uma para criação de um centro de vacinas na África. Segundo Aloysio, os trabalhos sobre vacinas estão avançando e “os acordos que o Brasil esperava fechar, ele fechou”.
Prêmio de consolação
“Para assumir qualquer liderança nos Brics, o Brasil vai precisar articular uma nova narrativa, um plano, a partir de janeiro. E tudo vai depender de quem será eleito (nas eleições de outubro)”, segundo Stuenkel.
Se o governo tem dificuldade em ter relevância na cúpula, ao menos a foto com uma das netas de Mandela, Ndileka Mandela, Temer conseguiu.
Sua visita à Fundação Mandela, no entanto, quase causou constrangimento entre o presidente e seus ministros.
Temer pediu para os assessores deixarem o encontro fora da programação oficial para não causar um problema político. O medo era de que, não sendo convidados para participar do encontro, seis ministros que também participaram da cúpula se sentissem “alijados de algo especial”, nas palavras de um membro da comitiva.
A presidência cogitou convidar todos os ministros para participar, mas isso criaria um problema de logística, já que o escritório onde o encontro ocorreu é pequeno.
Como a foto seria divulgada e os ministros ficariam sabendo do encontro de qualquer forma, a solução foi marcar um horário em que eles tivessem outros compromissos. Apenas o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, acompanhou o presidente, segundo um dos ministros, que não foi convidado para a reunião.
Após a publicação da reportagem, a Assessoria de Imprensa da Presidência enviou à BBC News Brasil a seguinte nota:
É um equívoco medir o sucesso da participação em uma cúpula multilateral pela quantidade de encontros bilaterais entre os participantes. O Brasil apresentou três propostas específicas para a décima Cúpula do Brics, em Joanesburgo, África do Sul, todas acolhidas e aprovadas pelos líderes: acordo de sede para o escritório nas Américas do Novo Banco de Desenvolvimento (o Banco do Brics), que será instalado no Brasil; criação de rede de parques tecnológicos do Brics; e memorando sobre parceria em aviação regional. São todas iniciativas que interessam concretamente à sociedade brasileira, que se traduzirão em mais investimentos, em mais negócios, em mais competitividade. Um outro objetivo brasileiro na cúpula, plenamente cumprido, foi transmitir forte mensagem de responsabilidade e de abertura, de apego ao multilateralismo e ao diálogo, em momento internacional de tendências isolacionistas e protecionistas. O presidente Temer transmitiu essas mensagens em seus pronunciamentos e contatos com outros líderes. As mensagens foram consagradas na Declaração de Joanesburgo, assinada pelos cinco países. Além das agendas bilaterais com os presidentes da China e da África do Sul, o presidente Temer teve conversa reservada com o presidente Putin, ocasião em que o Brasil defendeu o fim das restrições à exportação de carne, pleito com impacto direto para nossa economia. A décima cúpula do Brics foi um êxito, não só do ponto de vista dos temas econômicos, mas também dos assuntos políticos e culturais. No ano que vem, o Brasil hospedará a décima primeira edição do evento, oportunidade valiosa de aprofundar ainda mais os laços entre os governos e povos não apenas do Brics, mas também de atores externos convidados. Em agenda extra cúpula, o presidente Temer foi conhecer a Fundação Nelson Mandela, a quem recebeu no Brasil quando era presidente da Câmara dos Deputados, em 1998. Ele foi recepcionado pela neta de Mandela Ndileka Mandela; pelo CEO da Fundação, Sello Hatang; e pela Ministra de Desenvolvimento de Pequenos Negócios da África do Sul, Lindiwe Zulu. Visita, aliás, registrada por foto na própria matéria em questão, que traz análises sem fundamento, com evidente viés ideológico.
Márcio de Freitas Secretário Especial de Comunicação Social Presidência da República
FOTOS:
1 e 3 – Cesar Itiberê – PR
2 – Rogério Melo – PR