Hoje (30), para marcar os cem anos de nascimento de Chacrinha, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) reúne num especial relíquias do artista: entrevistas concedidas ao jornalista e radialista Hilton Abi-Rihan, encontradas no acervo da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Nos áudios, deparamos com um Abelardo Barbosa que foge à imagem alegre e brincalhona que marcaram o personagem no rádio e na televisão. Em 1980, um Chacrinha irritado solta um palavrão e deixa o estúdio durante um programa em que discutia o jabá (pagamento feito pelas gravadoras para que toquem somente as músicas determinadas). No segundo momento, num programa de carnaval gravado em 1984, ele fala sobre um problema de saúde que o afetava na época: a depressão.
Mesmo nessas situações, é possível também reconhecer a figura do Chacrinha como o ícone de humor perspicaz que se tornou conhecido país afora e foi considerado o maior comunicador do Brasil. Outros momentos de sua trajetória são lembrados na entrevista com Denilson Monteiro, autor de Chacrinha, uma Biografia.
Chacrinha manda bronca nos estúdios da Nacional
Em 20 de junho de 1980, Abelardo Barbosa foi aos estúdios da Rádio Nacional – então localizados na Praça Mauá, no Rio de Janeiro – para participar de uma edição do Programa Nacional 80. No dia anterior, o cantor Oswaldo Nunes havia acusado Chacrinha ao vivo no rádio por cobrar aos músicos para se apresentar em seu programa. Chacrinha fazia sua habitual “ronda” pelas emissoras e ouviu as acusações de Oswaldo. Irritado, ligou para a rádio e pediu para responder ao que estava sendo dito sobre ele.
No dia seguinte, ele foi pessoalmente ao programa apresentado por Hilton Abi-Rihan e Washington Rodrigues. Oswaldo também estava presente. A conversa fluía normalmente até que o cantor afirmou, enfático: “Tem jabá, o Chacrinha tem jabá”. Foi então que o comunicador ameaçou deixar o estúdio: “Eu não vou discutir com esse rapaz”. A solução foi dada pelos famosos comerciais. Na volta do programa, ficou combinado que Chacrinha falaria por mais três minutos e, em seguida, a palavra seria concedida a Oswaldo. Quando o programa se aproximava dos 30 minutos, Oswaldo dirigiu uma pergunta para Chacrinha: “O senhor só leva uma pessoa no seu programa se for de graça, isso não é uma maneira de explorar o artista?”. Chacrinha respondeu que isso só acontecia quando era vontade do artista, ao que Nunes retrucou: “você não paga ninguém, Chacrinha”.
O clima esquentou e os dois começaram uma intensa discussão, que cresceu até o momento em que o Velho Guerreiro soltou um sonoro palavrão. Novamente os comerciais entraram em cena. Na volta do programa, Chacrinha já não estava mais no estúdio e Washington Rodrigues pediu desculpas aos ouvintes pelo ocorrido. Ouça o trecho editado do programa com a contextualização de Denilson Monteiro:
Depressão
Em 1984, Chacrinha voltou aos estúdios na Rádio Nacional para conversar com Hilton Abi-Rihan em um programa especial de carnaval. Ao ser questionado se passava por situações de raiva e angústia, Abelardo Barbosa afirmou que estava quase concluindo um tratamento de depressão que havia durado seis meses. “Quando ela está no auge mesmo, você vê tudo preto, é tudo preto. Você não quer ver ninguém, não quer saber de ninguém, dorme três dias seguidos sem parar”, contou.
Chacrinha
Abelardo Barbosa caracterizado como Chacrinha. Foto: Acervo Leleco Barbosa
Em seguida, Chacrinha revelou que era a primeira vez que tratava desse tema publicamente. “Agora, eu faço uma força tremenda. Tô falando isso aqui, é a primeira vez que eu tô falando isso aqui”, disse. Ouça o trecho da entrevista contextualizada pelo depoimento de Denilson Monteiro.
O início no rádio
Natural de Surubim, no Agreste de Pernambuco, Abelardo Barbosa teve o primeiro contato com rádio em 1937, como estudante de medicina, quando realizou uma palestra sobre alcoolismo na rádio Clube de Pernambuco. “Ele foi fazer uma palestra sobre alcoolismo”, conta Monteiro. “Gostaram da voz dele e contrataram ele pra ser locutor”, acrescentou.
Como baterista do grupo de jazz Bando Acadêmico, ele entrou com os músicos em um navio rumo à Alemanha, em 1939, mas com o início da Segunda Guerra Mundial teve de desembarcar no Rio de Janeiro, onde se tornou locutor da Rádio Tupi. Na rádio Clube de Niterói, comandou o programa de carnaval Rei Momo na Chacrinha, que acabou se estendendo para depois da festividade.
“Ele fazia aquele programa com músicas de carnaval, as marchinhas, fazia o programa com a sonoplastia e fingia que estava fazendo umas entrevistas. E isso revolucionou, ele ficou conhecido porque falava um monte de coisas absurdas. Na época, ele era conhecido até como ‘o louco de Niterói'”, conta Denilson Monteiro.
Rádio Nacional
Ao ser questionado por Abi-Rihan sobre um momento marcante de sua vida, Chacrinha falou de sua rápida passagem pela Rádio Nacional, em 1945, onde apresentava os programas Noite Dançante, aos sábados, e Tarde Dançante Melhoral, aos domingos, quando não havia futebol. “Uma coisa muito importante da minha vida aconteceu aqui na Nacional, quando eu trabalhava na Rádio Guanabara e ela era dirigida pela Rádio Nacional. A Rádio Guanabara foi entregue ao seu dono e quem ficou na Guanabara foi despedido. Então o senhor Vitor Costa mandou me chamar e perguntou se eu queria continuar na Nacional ou se eu queria ficar na Guanabara”, disse. “Naquela época [isso] foi muito importante, porque marcou a minha vida como profissional. Foi a primeira vez que eu me senti atraído por duas emissoras”, acrescentou Chacrinha.
Do rádio para a televisão
Na década de 50, com o personagem já incorporado, Abelardo Barbosa lançou o Cassino do Chacrinha. O programa passou do rádio para a televisão e manteve seu sucesso até a década de 1980.
Em seus programas de auditório na televisão, foram revelados diversos nomes da música brasileira como Roberto Carlos e Raul Seixas. “O jeito de falar e os jargões surgiram no rádio e ele trouxe do rádio pra TV. Fantasias, todo esse negócio começa na Tupi, mas vai se desenvolvendo ao longo da carreira. Ele nunca parou de inventar alguma coisa nova”, conta Denilson Monteiro.
Chacrinha passava os dias na piscina de sua casa, com um rádio ao lado para saber quais artistas ele chamaria para o seu programa, conta o biógrafo. “Ele pensava 24 horas no programa.
Tudo pra ele era o programa, e a família também tinha que pensar no programa. A esposa dele ficava em casa anotando o que a concorrência estava fazendo”, diz Monteiro.
Na entrevista de 1984 para a Rádio Nacional, Chacrinha conta sobre a importância dos shows que fazia país afora para descobrir novos talentos e fala da preocupação em apresentar na televisão aquilo que o público gostava.
“Quando eu sinto que a música é boa, nós não temos radicalismo: foi bom toca, foi bom apresenta. Nós procuramos diante de nossas fracas e modestas possibilidades dar ao público aquilo que realmente o público gosta, não o que nós gostamos. Tem que dar o que a gente sente que o público quer, não o que a gente quer. O que a gente quer a gente ouve em casa, não é verdade?”, Chacrinha.
Leandro Melito – EBC
Foto: ACERVO LELECO BARBOSA