Golpe no Pantera do Leste

O autor
Rubens dos Santos e Cacildo Hugueney encontraram-se, faz muito tempo, no clube de carteado do Abrahão, em Cuiabá, e cujas mesas frequentavam de vez em quando para jogar canastra. A conversa entre os dois, como não poderia deixar de ser, descambou logo para o futebol.
E Hugueney saiu na frente no placar de roncar papo e com toda corda, pois o seu “Pantera do Leste” era mesmo um timaço, que fazia qualquer adversário tremer. O Araguaia Esporte Clube tornou-se conhecido em Mato Grosso como “Pantera do Leste” justamente porque vivia estraçalhando seus adversários.
Para provocar Rubens dos Santos, Hugueney lembrou que fazia pouco tempo o seu “Panterão” tinha passado por Cuiabá e nem tomou conhecimento do Mixto e do Dom Bosco, surrando os dois, na época os grandes times da capital.
– Vocês ganharam porque jogaram com timinhos. Por que você não desafiou o Operário? – reagiu Rubens dos Santos.
– Ah, é! Pois está desafiado – retrucou Hugueney.
– Quando é que você quer jogar lá em Alto Araguaia? Ou você prefere apanhar aqui mesmo? – perguntou Hugueney.
– Tem que ser lá, Hugueney. Nós vamos dar nessa fera lá no seu covil… – replicou o operariano.
Amarraram o jogo lá mesmo no clube de carteado, para duas semanas depois, com o testemunho de outros jogadores de canastra e amigos de Hugueney e Santos.
O dia do jogo ia chegando e Rubens dos Santos entrando em pânico. Afinal, quem era o Operário daquela época para enfrentar o supertime do Vale do Araguaia?
Mas o Operário não podia voltar atrás. Rubens dos Santos sabia que havia cometido uma burrada daquelas e agora tinha que arcar com as consequências. Desistir do jogo significava passar o resto da vida sendo motivo para gozações nas rodas esportivas.
Na semana do jogo, Rubens dos Santos recebeu um telegrama de Hugueney cancelando o amistoso. Rubens dos Santos guardou o telegrama e não fa¬lou nada pra ninguém.
No sábado da véspera do jogo, depois do almoço, conforme estava programado, os jogadores do Operário subiram na carroceria de um velho caminhão de um órgão do governo federal em Várzea Grande e se mandaram para Alto Ara¬guaia.
Naqueles idos da década de 50 viajar pelas estradas de Mato Grosso era uma aventura. Ainda mais em cima de um caminhão, cujos assentos eram duras tábuas colocadas na parte superior de um lado a outro da carroceria. Mas sacrifício não era levado em conta, o que o pessoal queria era mesmo jogar bola, divertir-se.
Eram 5 horas da manhã de domingo, quando o Operário chegou a Alto Araguaia. Rubens dos Santos mandou o motorista Safer tocar direto para a casa de Hugueney, que, além de diretor do “Pantera do Leste”, era também o prefeito de Alto Araguaia.
Acordado a pedido de Rubens dos Santos, quando Hugueney apareceu na porta da casa, com cara de sono, e viu aquele povaréu foi logo perguntando assustado: “Que diabos vocês estão fazendo aqui?…”
– Ora, viemos jogar. Não combinamos que o jogo é hoje? – respondeu Rubens dos Santos.

 

– Mas eu mandei um telegrama cancelando o jogo – disse Hugueney.
– Eu não recebi telegrama nenhum – garantiu Rubens dos Santos.
– Hoje não dá para ter jogo, fica então adiado para amanhã. Não tem problema: eu decreto feriado municipal amanhã depois do meio-dia e pronto – afirmou o prefeito com ar de autoridade.
– Tem problema, sim, meu amigo – retrucou Rubens dos Santos.
– Meus jogadores estão no Exército, estudam, trabalham… e têm que estar lá em Cuiabá amanhã cedinho.
Temos que jogar hoje mesmo, não tem jeito não! – justificou o mandachuva tricolor.
Hugueney mandou chamar alguns diretores do Alto Araguaia, confabularam por algum tempo longe dos adversários, e, rapidamente, da mesma forma que a cidade ficou sabendo que naquele domingo o “Pantera do Leste” não ia estraçalhar nenhum adversário, recebeu com euforia a notícia de que ia ter jogo sim.
Na hora do almoço, a diretoria do AEC mandou servir vinho para a rapaziada do Operário. O vinho era um moscatel daquele danado para dar dor de cabeça e causar disenteria.
Desconfiado, Rubens dos Santos pediu para ninguém beber do vinho. A moçada só ficou na vontade de traçar o moscatel.
Chovia muito em Alto Araguaia naquele domingo, cujo ano nem Pedro Lima, do AEC, nem Rubens dos Santos se lembram. Mas o estádio estava lotado. Como sempre!
Começa o jogo, muito equilibrado, com as duas equipes criando oportunidades de marcar gols. No entanto, foi o Operário que virou o primeiro tempo ganhando de 1×0.
O jogo recomeçou, sob intensa chuva e o Operário, com um time de jogadores mais leves, aos trancos e barrancos, ia sustentando a vitória parcial.
Faltavam uns 15 minutos para o encerramento da partida quando desabou um temporal daqueles de doer no lombo. Para complicar, ninguém enxergava nada! Dentro ou fora de campo.
Diretores do “Pantera do Leste” foram até o banco de reservas do Operário propor a Rubens dos Santos que o jogo fosse suspenso e os 15 minutos restantes disputados no dia seguinte, no período da tarde.
Rubens dos Santos recusou a proposta. “Vamos completar o jogo. Falta tão pouco tempo…” – argumentou.
Quando os diretores do adversário viraram as costas, Rubens dos Santos chamou o grandalhão zagueiro reserva Alcimar Martins, na época prefeito de Nossa Senhora do Livramento, e o mandou entrar em campo para reforçar o time.
– No lugar de quem? – perguntou Alcimar.
– Não é substituição, não! Disfarça e entra, ninguém vai perceber… – ordenou o dirigente e naquele dia também técnico do Operário
Com 12 jogadores em campo e Alcimar cumprindo rigorosamente a ordem de Rubens dos Santos de rebater de qualquer jeito tudo que aparecesse nas imediações da área operariana – bola, adversário, cachorro perdido do dono – o Operário venceu o jogo por 1×0. Foi a primeira derrota do “Pantera do Leste” ao longo de mais de 5 anos de existência.
Na realidade – sustenta Pedro Lima – o jogo terminaria empatado se o juiz Samuel Torquato, irmão do coronel-dentista do Exército Estevão Torquato e que o Operário levou em sua delegação, não tivesse tido o peito de anular um gol do seu clube, feito aos 44 minutos do 2° tempo.
Inconformados com a perda da invencibilidade, os diretores do “Pantera do Leste” pediram uma revanche ao Operário para a quarta-feira da semana que estava começando de forma muito amarga para os alto-araguaienses. O AEC dava hotel, comida e ainda um bom dinheiro para o Operário, mas a resposta de Rubens dos Santos, mais uma vez, foi não.
À noite, durante o jantar oferecido à delegação operariana, com muita festa e confraternização, como era tradição naqueles velhos e saudosos tempos do futebol romântico, Rubens dos Santos confessou que havia recebido, sim, o telegrama de Hugueney cancelando o jogo, mas como o Operário não tinha time para enfrentar o “Pantera do Leste”, deu o golpe do joão sem braço, pois sabia que à última hora os dirigentes não tinham como ir buscar no interior de Goiás a seleção que jogava pelo AEC.
Isso mesmo: nos finais de semanas o presidente do clube, Pedro Lima, pegava um dos aviões de sua frota de táxi aéreo e saía catando os melhores jogadores de Jataí, Piranhas, Mineiros, Rio Verde, para defender o imbatível “Pantera do Leste”…
O espião do Operário em Alto Araguaia – gabava-se Rubens dos Santos no jantar – tinha trabalhado direitinho, passando-lhe todas as informações que ele precisava para dar um golpe mortal no “Pantera do Leste”.
E para completar a sacanagem, o Operário terminou a partida com 12 jogadores em campo, sem o adversário perceber…
Durante muito tempo, o clube de Alto Araguaia tentou acertar uma revanche com o Operário, porém Rubens dos Santos sempre caiu fora…
Mas Pedro Lima jura que o time de Alto Araguaia ganhou uma vez do Operário em Cuiabá, em 1962. Ele não se recorda do placar, mas garante que Rubens dos Santos, ainda de tão boa memória, deve se lembrar muito bem que o jogador alviverde Fazendinha deixou a torcida cuiabana extasiada com a sua requintada arte de jogar bola.
Essa versão da história dos dois clubes – a derrota do Operário em casa para o “Pantera do Leste” – Rubens dos Santos mantém até hoje sob o mais completo sigilo…
PS – Reproduzido do livro Casos de todos os tempos  Folclore do futebol de Mato Grosso, do jornalista e professor de Educação Física Nelson Severino
Comentários (1)
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  • Inacio Roberto Luft

    Boa história