II Encontro de Mulheres Ciganas de MT será neste sábado

Sandra Lúcia Regina Costa Oliveira*
Cuiabá

No dia 25 deste mês, 20 mulheres ciganas do tronco étnico Calon participarão do II Encontro de Mulheres Ciganas de Mato Grosso. Uma realização da Associação Estadual das Etnias Ciganas (AEEC-MT), o encontro tem apoio institucional

O II encontro de Mulheres Ciganas de MT integra a programação do IV Encontro de Cultura Cigana de MT e é uma continuidade do movimento que a AEEC-MT iniciou em 2021, com a edição do I Encontro, que ocorreu em Rondonópolis entre 21 e 23 de abril, para o reconhecimento das mestras ciganas e seus saberes ancestrais como relevantes manifestações do patrimônio cultural cigano, mato-grossense e brasileiro.

Valorizando o aspecto cultural da itinerância, historicamente vinculado às etnias ciganas, o II Encontro em Cuiabá, segunda maior cidade com população cigana do Estado. Oferecemos na programação uma roda de diálogo sobre a medicina tradicional cigana, especialidade de muitas mestras ciganas como a Mestra Diva e suas primas Dora, Olga, Cida, Isa, Terezinha, Biga e Irandi.

O encontro contará ainda com uma pequena mostra da culinária Calon.
Segundo a presidente da AEEC-MT e proponente do encontro, Rosana Alves Cruz, o objetivo é fortalecer essas expressões culturais calon, partinco das mulheres.

“O objetivo principal com a realização desses encontros de mulheres é repensar e fortalecer a nossa autoestima, a partir da revalorização das tradições das Calins. Estamos gerando um movimento de inclusão que gira em torno do reconhecimento de seus saberes. Fortalecer as mulheres ciganas é fortalecer a cultura Cigana”, pondera Rosana.

Já a produtora executiva do Encontro, Fernanda Caiado, revela que a ideia central é a permanência e conservação de tradições, narrativas, memórias, histórias e costumes ciganos. Para a Calin, garantir a continuidade da cultura Calon, significa também enriquecer culturalmente a sociedade mato-grossense.

“Historicamente as etnias ciganas foram excluídas e perseguidas, tanto em Portugal, de onde nós do tronco Calon viemos deportados durante quase 300 anos, expulsos e com ordens e políticas persecutórias, nos proibindo de falar a língua, praticar nossos costumes, andar em bandos, ou seja, viver em comunidade, quanto no Brasil, onde essas leis se perpetuaram. Mas nós resistimos, nos mantivemos como identidades de resistência, com conhecimentos e práticas próprias, sem sermos assimilados. O que nós queremos é garantir que esse modo de vida próprio seja mantido e que nossos jovens e crianças tenham a possibilidade de um futuro de inclusão social plena”, Avalia Fernanda.

Outro objetivo do projeto é desconstruir imaginários preconceituosos e discriminatórios contra as pessoas ciganas. “Houve uma tentativa de apagamento de nossas identidades culturais, que são expressas ainda hoje por um imaginário recheado de estereótipos negativos, que precisam ser quebrados”, comenta o diretor de arte e cultura da AEEC-MT, Rodrigo Zaiden, que também é diretor de produção e arte do II Encontro de Mulheres.

Os preconceitos e o racismo histórico afetam sobretudo as mulheres Calins, impactadas duplamente: pelas exclusões socioeconômicas e étnico-racial e pelo viés machista, tanto da sociedade em geral, quanto internamente, uma vez que o machismo se manifesta, ainda que de forma diferente, entre algumas famílias ciganas. Rompendo com essas opressões, o encontro foi construído baseado no diálogo com as participantes, suas narrativas e saberes.

A medicina tradicional sempre foi um dos principais conhecimentos das Calin. Promover sua continuidade significa resguardar um patrimônio imaterial que leva saúde às pessoas ciganas e não-ciganas. O encontro fortalece ainda os laços comunitários entre as mulheres ciganas, promovendo o intercâmbio e a troca de experiências entre as Calins mato-grossenses.

 

Metodologia e Programação

Com culturas ricas e milenares, os povos ciganos possuem longo histórico de migrações e conhecimentos acumulados, mas também de expulsões e perseguições por onde passaram, sobrevivendo como identidades de resistência ao modelo ocidental e à sociedade majoritária brasileira. Ocorre que esses conhecimentos não estão institucionalizados, sendo transmitidos há séculos essencialmente pelas mulheres de geração em geração, oralmente, aprendidos nas situações da vida. Se aprende a reconhecer as plantas medicinais e a manipulá-las (processo de arranque, corte, secagem, condicionamento, quantidade e misturas, seus benefícios e curas) com as mães, as avós e as tias, que já possuem experiência acumulada. Boa parte dos remédios, aliás, são para atender a saúde da mulher, envolvendo desde poções para engravidar, quanto para problemas relativos ao aparelho reprodutor ou infecções sexualmente transmissíveis.

A programação prevê três vivências culturais: a Roda de Diálogo “Medicina tradicional cigana: garrafadas, banhos e chás”.

A primeira oficina visa fortalecer a medicina Calon, que é desenvolvida pelas mulheres e se compõe de práticas e cuidados baseados na cura pelas plantas do cerrado, principalmente, e materiais orgânicos como argila ou mel, além de modos de ver, se comportar e agir, que baseados numa filosofia própria, expressam uma visão holística- espiritualista frente aos processos de saúde-doença e vida-morte.

A oficina de medicina tradicional seguirá todos os passos necessários, desde a visita de campo ao cerrado, para o reconhecimento e o arranque das plantas, passando pela sua secagem, manipulação e conhecimento sobre seus usos variados para as diferentes enfermidades. Ao final, cada participante produzirá uma garrafada, principal produto da medicina Calon.

A oficina será ministrada em conjunto pelas primas da Mestra Diva, as irmãs Dora, Oga, Cida, Isa, Terezinha e Biga, todas residentes de Cuiabá e matriarcas da comunidade cigana na Capital Mato-grossense. Além delas, também fará parte do projeto a professora aposentada e ativista Irandi Rodrigues Silva.

I Encontro em Rondonópolis

Durante três dias de abril de 2021 (23 a 25 de abril) ocorreu, de forma inédita em Rondonópolis, o I Encontro de Mulheres Ciganas de MT. O evento foi um dos produtos transmidiáticos do projeto “Diva e as Calins de MT: Ontem, Hoje e Amanhã”, aprovado no edital Conexão Mestres da Cultura (Aldir Blanc, SECEL-MT).

A vivência reuniu 15 mulheres ciganas que trocaram experiências e aprofundaram conhecimentos em torno dos saberes da Mestra da cultura mato-grossense, Maria Divina Cabral, a Diva, condecorada no projeto pelos relevantes serviços prestados para a comunidade cigana e não-cigana como raizeira, benzedeira e pela conservação das tradições romani.

*Editado