Lei reconhece a Festança de Vila Bela

MATO GROSSO Autoridades agradecem a Júlio Campos pela lei que permite captar recursos para a grande festa da antiga capital

Eduardo Gomes

@andradeeduardogomes

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Júlio Campos com autoridades de Vila Bela

A Festança de Vila Bela da Santíssima Trindade é oficialmente reconhecida como de relevante interesse cultural e como Patrimônio Imaterial do Estado de Mato Grosso, graças à Lei 12.657 de 19 de setembro deste ano, de autoria do deputado estadual Júlio Campos (União), aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador Mauro Mendes (União).

Para agradecer ao deputado Júlio Campos pela lei, o presidente da Câmara e vice-prefeito eleito de Vila Bela, Elias da Conceição Silva, o Elias da Ricardo Franco (PSB), foi ao gabinete do parlamentar em companhia dos vereadores Flávio Ferreira de Souza e Edcley Coelho (ambos do PSB). A visita serviu ainda para que fossem tratados assuntos de interesse do município, na região Oeste, fronteira com a Bolívia, cuja sede foi fundada em 19 de março de 1752 observando uma planta urbanística elaborada em Lisboa, para que a mesma fosse a primeira capital de Mato Grosso.

Aproveitando o programa de integração continental do presidente Lula, que cria em Mato Grosso a Rota Quadrante Rondon, para ligar a região Oeste aos portos chilenos e peruanos, beneficiando diretamente Vila Bela, Cáceres, Pontes e Lacerda, Comodoro e outras cidades na fronteira e na faixa de fronteira, Mauro Mendes planeja pavimentar 78 km da rodovia que faz a ligação de Vila Bela com San Ignacio de Velasco (Bolívia); esse planejamento ganhou espaço no encontro do deputado com as autoridades visitantes, e Júlio Campos assegurou que cobrará agilidade para a obra anunciada. O prefeito reeleito de Vila Bela, André Bringsken (MDB), não participou do encontro por se encontrar licenciado para se submeter a cirurgia de varizes; Bringsken, no entanto, articula com autoridades do país vizinho, a pavimentação de um trecho para assegurar a ligação de Vila Bela com o porto de Arica, no Chile, outros portos chilenos e peruanos.

A pavimentação do lado brasileiro exige a construção de uma alfândega na fronteira, para que a exportação seja processada. Além dessa instalação, será preciso a instalação de um posto da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal. “Vou acionar meu irmão, o senador Jayme Campos (União), para que trate dessas questões em Brasília”, antecipou o deputado anfitrião

A saúde pública também esteve no centro das conversações, e o parlamentar assumiu compromisso de enviar emenda em 2025 para a prefeitura aplicar em cirurgias e outros atendimentos médicos.

Vila Bela e o mundo

Bringsken busca uma saída para os portos chilenos e peruanos

Para Vila Bela alcançar Arica será necessário pavimentar 198 km, dos quais 78 km Brasil. Do lado boliviano o governador de Santa Cruz, Luís Fernando Camacho Vaca, informou a Bringsken, que seu Estado (Departamento) não tem capacidade orçamentária para a obra, nem lastro para contratar empréstimo internacional, mas que dará o trecho em concessão para exploração por pedágio por 25 anos, ao grupo empresarial que a construir.

O posicionamento de Camacho Vaca tem a chancela do presidente Luís Arce, que baixou decreto nesse sentido. A concessão na Bolívia já despertou interesse em três grupos, um dos quais da China. Do lado brasileiro ainda há um gargalo, que Bringsken busca superar; a obra será realizada em dois trechos, um com 40 km e outro com 38 km; o primeiro recebeu o sinal verde de Mauro Mendes, que deverá autorizá-lo oficialmente até o final deste ano; no outro, um proprietário rural no trajeto quer indenização para permitir a pavimentação, e negociações estão em curso.

Patrimônio Imaterial

A leveza da Dança do Chorado

O reconhecimento da Festança como Patrimônio Imaterial do Estado de Mato Grosso insere aquele evento no calendário cultural nacional.

O reconhecimento oficial além de abrir portas para a captação de recursos, apoio institucional e patrocínio junto aos ministros do Turismo e da Educação e Cultura, e outros, também o faz junto a empresas privadas e fundações.

Saibam mais sobre a Festança:

Nasce a Dança do Chorado

Nenhuma manifestação cultural brasileira tem laços mais profundos com a família do que a Dança do Chorado, a poesia da alma, que na escravatura foi cantada com o coração, por olhos marejados e mãos calejadas. O mais sublime da sensualidade em defesa dos escravizados é agora um dos pontos altos de Vila Bela na Festança e fora dela.

Na cidade e nas fazendas, mães, tias, irmãs, cunhadas, primas e amigas dos escravos que seriam levados ao suplício descobriram um meio de amenizarem e até mesmo de evitarem a tortura dos seus. Inventaram a Dança do Chorado, que como o nome diz é um bailado permeado de lágrimas. Ao som dos profanos tambores e instrumentos de cordas, dançavam alucinadamente belas e sedutoras para os lacaios da casa-grande e até para os seus ocupantes.

A mulher do Chorado botava vestido de chita colorida com providenciais aberturas e decote para mostrar aos olhos gulosos dos gajos suas coxas grossas, seus seios arrebitados e sua bunda torneada. Uma rosa vermelha ou amarela no cabelo pixaim. Um colar de miçangas feito com cascas e frutos secos do mato. Um perfume extraído de flores. A anca perfeita e tentadora. Os dentes de brancura inigualável. A boca carnuda. Requebrava e em gemidos lascivos despertava desejos. Atiçava ainda mais a tara dos homens que tinham poder para punir ou absolver os escravos a um passo da tortura ou sendo submetidos a ela: gingava com uma garrafa de Canjinjin sobre o cabelo crespo reluzente e dava doses aos extasiados espectadores. O forte teor alcoólico das talagadas com gosto de agridoce, corpos bonitos a lhes esfregar… era um ai Jesus!

O que acontecia com uma e outra mulher enquanto as demais dançavam ninguém nunca registrou. Também não há detalhamento do que elas faziam quando cessava a dança e o som dos instrumentos musicais tocados por negros que as acompanhavam. De igual modo nunca se escreveu sobre o comportamento de brancas portuguesas e nascidas em Mato Grosso, com os jovens negros. Enquanto seus homens se esbaldavam com as negras, um fuzuê silencioso acontecia entre quatro paredes nas casas-grandes ou em seus quintais. Não havia IBGE para recensear a quantidade de bebês mulatinhos que nasciam de mães brancas e negras. Literalmente era o toma lá dá cá; ora, pois, pois! Davam e se davam bem matrimonialmente as patroas. Puritanas senhoras brancas devotadas à Santa Madre e fiéis quando de pernas fechadas.

O que era dança de dor virou cultura e tradição. O Chorado encanta a todos e mais graça ainda ganha ao som do Conjunto Aurora do Quariterê, formado por mulheres negras com suas vozes roucas e seu ritmo afro-vila-belense saudando o Campo Verde, como a cidade é chamada pelos filhos negros.

Festança

Dança do Congo é parte da Festança

Em julho Vila Bela cobre-se de cor e se deixa inundar pelo som da Festança, que reúne num só período as festas dedicadas ao Glorioso São Benedito, ao Divino Espírito Santo e às Três Pessoas da Santíssima Trindade. Neste tríduo se misturam a Dança do Congo, a Dança do Chorado, ladainhas, celebração de missas, procissão, quermesse onde ninguém sabe onde começa o santo nem onde termina o profano. É a mais pura idiossincrasia.

Sem rancor, sem espírito revanchista, em paz e com espírito desarmado, Vila Bela sai às ruas para sua Festança. Moças e vovós se juntam no bailado da sensualidade do Chorado, que também é apresentado em outras ocasiões. Rapazes, homens fortes e anciãos fazem encenações do Congo. O povo canta, dança e é feliz na terra multirracial e abençoada no coração da América do Sul.

Na Festança e fora dela a bebida mais consumida depois da cerveja é o Canjinjin, à base de cachaça, gengibre, mel, canela, ervas aromáticas e outros componentes. A fórmula é guardada a sete chaves pelas mulheres que o fazem, mas a transmitem às suas herdeiras.

A sabedoria popular em Vila Bela diz que Canjinjin foi um jovem, forte e belo príncipe africano filho do rei do Congo. Ao batizarem a bebida com seu nome, as mulheres buscaram uma referência masculina para o produto, que dizem ser afrodisíaco na acepção da palavra.

Fotos:

1 – Edson Rodrigues

2 – Arquivo

3 e 4 – José Medeiros

Comentários (1)
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  • André Bringsken

    Parabéns meu rei!! Excelente matéria!! Obrigado pela valorização da nossa cultura

    André Bringsken – prefeito de Vila Bela da Santíssima Trindade – via WhatsApp