Liu Arruda entre nós, além da vida e da morte

Liu Arruda para sempre
Liu Arruda virou estrela no céu e fisicamente não está mais entre nós, mas seu legado cultural, sim – para sempre.

Ontem, 30, ele faria aniversário.

blogdoeduardogomes o reverencia neste texto extraído do livro Dois dedos de prosa em silêncio – pra rir, refletir e arguir, publicado em  Cuiabá no ano de 2015 pelo jornalista Eduardo Gomes de Andrade com ilustração de Generino

A obra  não contou com apoio das leis de incentivos culturais.

O capítulo:
 Liu Arruda, pai do digoreste

 

Completo. Assim era Liu Arruda, senhor absoluto dos palcos, artista que se fundia e se confundia com seus personagens sem perder sua identidade.

O humor de Liu Arruda não se resumiu ao linguajar cuiabano dos quase 40 tipos por ele criados: ia muito além, atravessava a barreira do imaginário, tinha na ponta da língua a frase ferina para satirizar políticos e a chamada alta sociedade.

Liu Arruda era cuiabano de berço e recebeu o nome civil de Elonil Arruda. Jornalista por formação acadêmica (Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro) e ator por opção – e convicção -, participou de novela apresentada pela Rede Bandeirantes de Televisão e de Especial na TV Manchete, mas era no palco, vivendo seus personagens, que ele mostrava o melhor de sua arte, única, ácida com os políticos, impagável.

Irreverente, Liu Arruda não se limitou a criar personagens isolados no contexto: constituiu uma família bem pirada. A figura central era Comadre Nhara, que satirizava a colunista social do Jornal Diário de Cuiabá, Vanessa Komenta. O marido da comadre era D’Juca e o casal tinha dois filhos: Ramona – louca varrida – e Gladstone – noiado, chegado ao cigarrinho de maconha.

Nhara inspirou outros humoristas cuiabanos, que criaram personagens com o DNA do linguajar, dos trejeitos, do penteado, da maquilagem e das roupas que nasceram da genialidade de Liu Arruda para a desbocada comadre.

Além de perfeito no palco, Liu Arruda também abriu o mercado ao humor nos comerciais na televisão e no rádio de Cuiabá. Seu talento a serviço nas peças publicitárias da rede de Supermercado Trento marcou época e popularizou a marca daquela empresa.

DIGORESTE – O humor de Liu Arruda despertou a autoestima do cuiabano para o seu linguajar. Até então, o sotaque e as expressões verbais da região eram mantidos longe do rádio, da televisão, dos comerciais e das peças teatrais, como se fossem depreciativos.

Rompendo uma idiota barreira que escondia o cuiabanês, bem ao estilo da síndrome do Cachorro Vira-lata, Liu Arruda oficializou o sotaque cuiabano, que é cantado, puxado ao xis, que dá pronuncia de “d” ao “j” e popularizou a expressão digoreste – abrangente, mas sempre significando algo bacana.

Com a ousadia de Liu Arruda, o falar cuiabano virou motivo de orgulho. “Sou de ‘tchapa’ e ‘crux’ – dizem com orgulho os que nasceram e que pretendem morrer na quase tricentenária cidade fundada pelo bandeirante Paschoal Moreira Cabral Leme.

CRÍTICO – Jayme Campos era governador (1991/94) e Mato Grosso reverenciava a primeira-dama Lucimar Sacre de Campos. Nos municípios, mulheres ligadas aos meios políticos brigavam pelo comando municipal da “Liga das Amigas e Admiradoras da Lucimar” – (LAAL). Liu Arruda não perdoou. Criou a LIAL, que era a sigla da “Liga das Inimigas das Amigas e Admiradoras da Lucimar”.

ADEUS – O último ato do ator e humorista não foi uma tirada apimentada para levar o público ao delírio. Precocemente, aos 42 anos, o riso de Liu Arruda se apagou para sempre, deixando um vazio enorme e o palco sem graça nesta terra que tanto precisa de críticos e de humoristas.

Desde o adeus de Liu Arruda, em 24 de outubro de 1999, o humor em Cuiabá nunca mais foi o mesmo.

Sem Liu Arruda Cuiabá ficou sem a crítica política no palco. Hoje, tudo que há nessa área é humor chapa branca, que leva ao riso bajulativo aos donos do poder, claro, que remunerado formal ou informalmente.

Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes

FOTO: MINSC – Cuiabá

ARTE: Generino (ilustra o livro)

PS – Texto extraído de um dos capítulos do livro Dois dedos de prosa em silêncio – pra rir, refletir e arguir publicado em 2015 pelo jornalista Eduardo Gomes de Andrade com ilustração de Generino e capa de Édson Xavier; a obra não teve apoio das leis de incentivos culturais.

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