MEMÓRIA – Bar Bombaim e sua cidade

2012 – O Bombaim abandonado pouco antes de sua demolição
O baiano Inocêncio de Matos montou o Bar Bombaim na Rua Batista das Neves, 39. Isso em 1962 e o tocou até tombar fulminado por um infarto. 
O Bombaim era mistura de bar, restaurante, salão de jogos e ambiente caracterizado pela boa música e limpeza. Os garimpeiros respeitavam o proprietário e até mesmo a polícia entrava com cautela no estabelecimento, dizem moradores antigos.
No entorno do Bombaim havia sorveteria, cinema, outros bares, hotéis, oficinas de dragas, armazéns, cabarés, quartos alugados por prostitutas, bancos e a matriz de São José. A única construção importante distante do Bombaim é a Igreja do Senhor Bom Jesus da Lapa, construída no topo do morro que circunda parte da cidade, pelo garimpeiro baiano Nozinho da Ponte, em pagamento de promessa por ter bamburrado.
Em ruínas o Bombaim com suas 12 portas de madeira foi demolido em 2012, meses após essa foto de Marcos Negrini. Com seu fim Alto Paraguai ficou sem mais uma das referências do opulento ciclo do diamante, que se estendeu desde os primórdios da colonização de Mato Grosso até 1995, quando a população local era de 14.931 habitantes – agora são 11.356 moradores. O município perdeu a força econômica resultante da extração da pedra mais cobiçada do mundo. Até os xibius se evaporaram e resta uma cidade localizada a 220 quilômetros de Cuiabá, por rodovia pavimentada, que tenta se reorganizar economicamente.
Alto Paraguai e suas ruas tranquilas

Quem bamburrou, bamburrou; quem não bamburrou não bamburra mais”. Essa é a melhor frase pra resumir o ânimo dos remanescentes garimpeiros em Alto Paraguai, que durante décadas fervilhou com o diamante e que agora carrega a pecha de primo pobre entre os municípios de Mato Grosso.

As ruas desertas contam em silêncio que parte da população permanece fora durante o dia, trabalhando nos municípios vizinhos, principalmente em Diamantino. Com a iniciativa privada sem condições de gerar empregos a cidade convive com o clientelismo do programa Bolsa Família, com empregos nitidamente com função social (ou politiqueira) na prefeitura e Câmara Municipal.
De 1938, quando foi fundada, até o começo da década de 1990, Alto Paraguai não sabia o significado da palavra crise. O diamante era a verdadeira moeda circulante. Com ele no fundo do picuá comprava-se de tudo, desde o querosene das lamparinas que clareavam a noite ao trezoitão símbolo da valentia e ao sexo com as beldades que faziam a vida nos cabarés no Canoão do Meio, que era a zona boêmia da cidade.
O diamante sumiu, se escafedeu, não ficou um xibiuzinho sequer. Para complicar a legislação ambiental fechou o cerco sobre os garimpeiros que teimavam em encontrar a pedra mais cobiçada do mundo inteiro. Sem o garimpo a cidade sentiu o baque, pois não tinha meios para absvorver a mão de obra que ficou ociosa e, para complicar, quem se acostuma à aventura da garimpagem não engole emprego urbano nem no campo. O resultado desse casamento foi o pior possível: a mistura de um lugar blefado e uma população masculina sem os pés no chão.
Com ou sem diamante o município de Alto Paraguai tem tudo para dar certo, apesar da crise em que se encontra mergulhado há anos.
A cidade leva água tratada às torneiras de todas as casas e energia elétrica, também. A telefonia fixa está em desuso, mas móvel é tão massificada quanto nas demais cidades brasileiras. Correios, estrutura escolar, ruas pavimentadas ou calçadas e baixo índice de criminalidade garantem razoável qualidade de vida aos moradores. Suas lavouras de soja e milho safrinha têm uma distância média de 90 quilômetros das indústrias de calcário em Nobres.
A rotina da cidade é tranquila e parte da pouca movimentação fica por conta dos ônibus do transporte escolar, que trafegam diariamente 1.570 quilômetros num vaivém sem fim com alunos dos três turnos.
A situação do município não é boa, mas Alto Paraguai tem DNA garimpeiro e no garimpo a regra é sonhar dormindo e acordado, sonhar sempre, porque o sonho é a parte da vida que não tem derrota nem frustração.
Alto Paraguai é abençoada pelo Senhor Bom Jesus da Lapa, dos baianos e dos garimpeiros do mundo inteiro. Em 1955, no alto do Morro Bom Jesus da Lapa, que circunda parte de sua área, o capangueiro e dono de garimpo Nozinho da Ponte mandou erguer uma capelinha e nela entronizou uma imagem do Senhor Bom Jesus, que comprou na cidade de Bom Jesus da Lapa, ribeirinha ao São Francisco, na Boa Terra, onde nasceu.
A devoção católica a Bom Jesus da Lapa, que também é padroeiro do lugar, conseguiu arrancar um grande e permanente milagre que se arrasta há anos: a sobrevivência coletiva apesar do caos.
A cidade espera por um milagre de seu padroeiro, mas nenhum católico se atreve a apressar o santo, porque sabe de sua origem baiana – e baiano bom não tem pressa.
REALIDADE – Desde o baque do garimpo, Cuiabá e Várzea Grande são destinos de famílias de Alto Paraguai. O binômio emprego e estudo responde por parte do esvaziamento populacional do município.

 

Redação blogdoeduardogomes reproduzindo texto de 2012 (com população atualizada) do jornalista Eduardo Gomes de Andrade com foto de Marcos Negrini 

manchete