Segundo a coordenadora da Coordigualdade do MPT e procuradora do trabalho Valdirene Silva de Assis, por causa do preconceito, os negros têm também dificuldade de ocupar cargos de maior exposição, como relações públicas, caixa bancário, secretários e recepcionistas.
“Observamos que nosso texto constitucional traz proteção – nós temos vários dispositivos, alguns específicos sobre a questão trabalhista, que versam sobre os direitos sociais e que mencionam expressamente a vedação de toda e qualquer forma de discriminação, de diferenciação de salário, e o crime de racismo também é tipificado pela Constituição Federal. Apesar disso, a sociedade nos mostra que essa estrutura legal não consegue fazer com que se caminhe em uma situação diversa [da discriminação e da exclusão racial]”, disse Valdirene na tarde desta quarta-feira (8), ao participar do Seminário Racismo no Mundo do Trabalho, na sede do MPT em São Paulo.
A procuradora destacou que o percentual de negros na população brasileira é superior a 50%, embora o índice não se reflita em uma representação no ambiente de trabalho.
O professor Cleber Santos Vieira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que é membro da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, apontou três tipos de discriminação frequentes no ambiente de trabalho: a primeira é a ocupacional, que questiona a capacidade do negro de desempenhar tarefas mais complexas, mesmo que este profissional seja capacitado para tais funções.
A segunda é a discriminação salarial, com o desrespeito à equiparação na remuneração de brancos e negros, sugerindo que o trabalho feito pelo negro tem menor valor. E a terceira é a discriminação pela imagem, na qual a pele escura e os cabelos crespos são alvo de preconceito e deixam os negros de fora de diversas oportunidades de trabalho.
Problema histórico
“O trabalho foi inicialmente usado no país como ferramenta de opressão e aprisionamento da população negra. A invisibilidade dos trabalhadores negros resulta diretamente da forma como a divisão social do trabalho foi constituída entre nós”, afirmou Cleber Vieira. Segundo o professor, o sistema escravista “racializou” toda a estrutura da sociedade brasileira, e a permanência do racismo é um traço estruturante fundamental.
“No Brasil escravista, os papéis dados aos indivíduos eram determinados pela cor da pele. Enquanto o trabalho na administração pública, política, justiça, nas atividades comerciais, era reservado à população branca, o trabalho manual das matas, fazendas e minas era realizado por por negros”, disse Vieira. Ele acrescentou que os trabalhos mais qualificados, considerados nobres, eram exercidos por uma minoria branca. Já o trabalho braçal e mal remunerados cabia aos negros, primeiramente os escravos e os negros chamados livres após a abolição da escravidão no papel, enfatizou.
A representante da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no evento, Thaís Faria, apresentou dados que mostram a continuidade desse modelo de discriminação e racismo. “Quando olhamos os dados sobre salários e sobre informalidade, vemos como a situação é extremamente real e cruel. A média de salário do homem branco é R$ 2.507; a da mulher branca, R$ 1.810; a do homem negro, R$ 1.458; e a da mulher negra, R$ 1.071”, disse Thaís, que é oficial técnica em princípios e direitos fundamentais no trabalho da OIT.
Quando o recorte é o trabalho informal, a mulher negra tem a maior taxa de informalidade no mercado de trabalho no Brasil. “Vemos, por exemplo, que, na categoria das trabalhadoras domésticas, quase 90% são mulheres negras”, ressaltou a representante da OIT. Ela acrescentou que grande dessas mulheres é chefe de família e que a categoria das domésticas é uma das que mais sofrem de depressão, inclusive pela instabilidade no trabalho.
“Porque, se ela é chefe de família, tem filhos para criar e está na informalidade, se adoecer, não recebe dinheiro. Como é que cria sua própria família? Qualquer crise que a pessoa tenha e perca o emprego, como é que vai criar a família? São pessoas que têm um número muito grande acidentes de trabalho e que também estão envolvidas em casos de assédio sexual e outros tipos de violência”, disse Thaís.
A representante da OIT destacou que não existe desenvolvimento econômico sem justiça social. “[É preciso] promover a justiça social e a diminuição da pobreza. Não se diminui a pobreza sem dar condições iguais a todas as pessoas, para que possam produzir, ter um trabalho decente, um trabalho digno. Por fim, é um tema de desenvolvimento social e econômico, porque estamos falando de força de trabalho de igual valor. E quando excluímos essa juventude [negra] de participar da força de trabalho e produtividade do Brasil, perdemos dinheiro, perdemos na economia, perdemos no desenvolvimento econômico, perdemos na promoção da justiça social.”
Setor bancário
A discriminação, como mostra a história do Brasil, ocorre em diversos setores, inclusive no bancário, destacou a secretária-geral do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Neiva Santos. O sindicato realizou dois censos, em 2008 e 2014, para avaliar a discriminação de gênero e cor no setor bancário. “No topo da pirâmide [cargos mais altos] não tem mulheres, não tem negros nem mulher negra. De forma alguma. Porque não haverá ascensão enquanto não quebrarmos o preconceito e o racismo no setor financeiro”, afirmou a sindicalista.
Segundo as informações mais atualizadas, do censo de 2014, as mulheres no setor bancário ganham 77% da remuneração dos homens. “Melhoramos esse indicador desde 2008 em 1,5%. Conforme cálculo do Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos], se a cada seis anos conseguirmos melhorar 1,5%, vamos demorar 88 anos para ter salários iguais aos dos homens, se continuar neste ritmo.”
“Se olharmos o rendimento médio dos bancários por cor, a média mensal dos negros é 84% em relação ao dos brancos. No mesmo ritmo [considerado entre 2008 e 2014], nós demoraríamos 23 anos para ter equiparação salarial entre negros e brancos”, acrescentou Neiva.
Para a sindicalista, outra questão grave é que as mulheres negras recebem o equivalente a 68% do rendimento dos homens brancos. “Se você olhar o setor financeiro, é muito raro você ver uma gerente negra. Então os bancos, vão contratar [negras] para áreas invisíveis.”
No censo de 2008, os negros representavam em torno de 18% da categoria dos bancários. No último levantamento, em 2014, o percentual passou para 24,7% (21,3% pardos e 3,4% pretos), o que ainda não reflete o presença dos negros na sociedade brasileira. Apesar desse aumento na participação em cargos no setor bancário, Neiva afirmou que a ascensão na carreira continua difícil.