NOVA NAZARÉ – Os filhos de Railda vencem as eleições

Eduardo Gomes

@andradeeduardogomes

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Luís Felipe e Marcos Vinícius em ambiente familiar

A vitória eleitoral de dois jovens irmãos em Nova Nazaré no pleito deste mês de outubro não pode ser vista apenas pelo resultado das urnas do município, que pela manifestação da população elegeu o presidente da Câmara, Luís Felipe Alves de Carvalho (MDB), vice-prefeito, e reelegeu Marcos Vinícius Xavier de Carvalho (MDB), vereador. Mesmo reconhecendo suas individualidades e a liderança que exercem, é preciso que se tenha em conta a participação de Railda de Fátima Alves, mãe do primeiro e madrasta do outro.

Luís Felipe tem 28 anos, é advogado e seu trabalho parlamentar em plenário e na Presidência da Câmara é considerado bom, e graças a ele compôs a chapa vitoriosa para a prefeitura, pela coligação É Preciso Coragem para Mudar (PSB/PP/PDT/MDB) que foi encabeçada por Reginaldo Martins Del Colle, o Narizinho (PSB), e que recebeu 1.531 votos (51,76%). Luís Felipe cumpre o primeiro mandato de vereador e em 2020 foi eleito pelo PSD.

O vice-prefeito eleito somente não nasceu em Nova Nazaré, porque a cidade não tem maternidade. Em sua documentação consta que o nascimento aconteceu em Água Boa, mas na verdade ele veio ao mundo em Nova Xavantina, distante 80 km de Água Boa, porém foi registrado naquele município, que à época ainda não contava com o Hospital Regional Paulo Alemão.

Marcos Vinícius tem 33 anos, nasceu em Minaçu (GO), é bacharel em Ciências Contábeis. Reside em Nova Nazaré desde os 15 anos de idade. Em 2020 elegeu-se vereador pelo PSDB.

Nova Nazaré e a MT-326

 

NOVA NAZARÉ – Em 1984 os agricultores Paulo Sereno e Geraldo Vicente Faria chegaram ao rio Borecaia, área no Vale do Araguaia, que pertencia a Água Boa. Na sequência outros em busca de terra para plantar e viver em paz iniciaram o cultivo de lavouras de subsistência. Assim, para suporte da comunidade rural nasceu a vila de Borecaia, que é o nome do rio mais próximo – na calha do rio das Mortes da Bacia do Araguaia.

Raro registro fotográfico de Irmã Vita

O fluxo migratório fez Borecaia ganhar ares de vila e a igreja católica enviou a Irmã Vita, para evangelizar aquela comunidade. Elétrica, versátil, a religiosa passou a liderar a população e foi quem escolheu o nome Nova Nazaré, para substituir a denominação anterior, por acreditar que o espírito pacato da população lhe dava áreas de Nazaré, a cidade bíblica. Irmã Vita é o nome missionário adotado por Catharina Bubniak.

Prefeitura e Câmara de Nova Nazaré se instalaram em janeiro de 2001. O primeiro prefeito foi o pecuarista mineiro, adventista, José Marques de Queiróz, que não está mais entre nós.

Estudos apontam que Nova Nazaré será o porto mais ao Norte da Hidrovia Mortes-Araguaia, quando a mesma passar a ser explorada pela navegação comercial.

Com 4.467 habitantes, o município de Nova Nazaré tem grandes reservas indígenas da etnia Xavante. A rodovia MT-326 divide a cidade ao meio.

LOGÍSTICA – Em junho de 2022, o governo mato-grossense inaugurou a ligação asfáltica de Água Boa a Cocalinho, cruzando Nova Nazaré; no mesmo dia, próximo àquela cidade foi entregue ao tráfego uma ponte com 483 metros de extensão sobre o rio das Mortes – desativando as balsas que faziam a travessia – e essa é atualmente a maior ponte de Mato Grosso . O Estado investiu R$ 56,7 milhões na obra.  E uma enquete conduzida pelo deputado estadual Dr. Eugênio (PSB), deu à obra o nome de Ponte da Integração José Monteiro Guimarães (acima).

A pavimentação da rodovia começou em 2013 no governo de Silval Barbosa, prosseguiu com seu sucessor, Pedro Taques, e somente foi concluída por Mauro Mendes. Esta obra rodoviária integra uma vasta região no Vale do Araguaia em ambas as margens do rio, em Mato Grosso e Goiás, e ela foi fundamental para Nova Nazaré, que assim saiu do isolamento.

A Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO), em construção pela mineradora Vale, terá 383 km e ligará Água Boa a Mara Rosa (GO) cruzando o município de Nova Nazaré e Cocalinho. Seus trilhos se conectarão com a Ferrovia Norte-Sul, naquela cidade goiana criando assim um corredor ferroviário para o Vale do Araguaia escoar commodities para o porto de Itaqui, no Maranhã. A obra deverá ser concluída em 2027.

 

A história de Railda

 

Railda do Afonso Leiteiro, não. Prefeita Railda de Fátima Alves. Afinal, ela venceu a disputa pela prefeitura no ano passado e administra o município de Nova Nazaré.

Logo após a instalação do município de Nova Nazaré, em 2001, Railda mudou-se para aquela cidade acompanhando o marido Adercino Xavier de Carvalho e levando a filha Rayça no colo. Trocou Goiás, onde nasceu, pela aventura no Vale do Araguaia, em busca de dias melhores.

A viagem foi penosa na estrada empoeirada. A velha camionete Chevrolet C-10 movida a GLP – o gás de cozinha – levou o casal e a filha para o lugar que mais tarde os adotaria definitivamente.

Adercino é nome complicado. Daí o marido de Railda virou Afonso e mais tarde Afonso Leiteiro, graças a um lance de sorte. Quando a família chegou com a mudança, o Laticínio Xavante instalava-se em Nova Nazaré e precisava contratar camionetes para puxar leite. Para não criar atrito, relacionou os interessados no transporte e sorteou alguns nomes. Afonso foi um deles.

O casal não tinha com quem deixar Rayça e a levava na C-10 estrada afora, na linha de leite. Railda dirigia. A filha era mantida numa improvisada cama no assoalho diante do banco do passageiro.

Afonso recebia e desembarcava os latões na plataforma. Railda passou sete anos na estrada, ao lado dele, sempre feliz e solidária. A princípio a filha era a única companhia constante dos pais. Mais tarde nasceu Filipe, que passou a dividir o espaço na cabine com a irmã.

“Quem é aquela morena candidata a vereadora?”, perguntavam os novatos do lugar. “É Railda do Afonso Leiteiro”, respondia a cidade. Com esse registro na Justiça Eleitoral elegeu-se vereadora pelo PPS em 2004, com 139 votos – campeã das urnas. Da Câmara para a Prefeitura foi um pulo. Railda venceu a eleição com 707 votos, pelo PPS.

Mulher obstinada e guerreira, Railda luta pelo município. É uma mistura de mãe e líder política de sua comunidade. É também um dos símbolos das mulheres que na força do trabalho escrevem a página das transformações sociais mato-grossenses.

O texto acima, escrito em 2009, conta parte da trajetória de Railda, que em 2012, pelo PSD reelegeu-se com 880 votos – poucas mulheres conseguiram a façanha da reeleição para prefeitura em Mato Grosso.

A política não isolou Railda da realidade feminina, onde mulheres mundo afora lutam em todas as frentes possível em busca de espaço, de igualdade. A goiana que escolheu Nova Nazaré para viver não perde a simplicidade da leiteira ao volante, mesmo após três vitórias eleitorais consecutivas e de conquistar diploma de Pedagoga, com pós-graduação. Uma vencedora.

Não pensem que administrar um município pequeno igual a Nova Nazaré seja fácil. A prefeitura com orçamento reduzido, com receita de tributos municipais quase zero, o que a faz dependente dos repasses da União e Estado. A população engessada pelo turismo de saúde para atendimento de média e alta complexidade no Hospital Regional Paulo Alemão, na vizinha Água Boa, que é sede de sua comarca. A cidade distante dos grandes centros. O mosaico fundiário permeado por assentamentos da reforma agrária, que aguardam por emancipação; e com boa parte da zona rural sem regularização fundiária. Foi nesse cenário que Railda administrou por oito anos.

Quando se critica a classe política – realmente muito desgastada – é preciso que se faça as devidas ressalvas. Nos meios políticos num ponto perdido no Vale do Araguaia existe uma mulher de fibra, corajosa, trabalhadora e dedicada, que um dia deixou o volante de uma camionete que transportava leite para laticínio, subiu ao palanque, colecionou eleições e mostrou o caminho da cidadania e do desenvolvimento aos seus concidadãos na localidade que no passado era chamada de Borecaia. É a terra da guerreira Railda.

PS – O texto A história de Railda foi extraído do livro DNA do melhor lugar do mundo – em sua primeira edição – de minha autoria e escrito em 2023 reunindo coletâneas de matérias jornalistas que publiquei nas últimas décadas.