O Jeep nosso de cada dia

Eduardo Gomes

@andradeeduardogomes

Jeep com pracinhas da FEB na Itália

Quem não dirigiu um Jeep Willys não viveu. Mas, poderá viver desde que encontre um exemplar desse lendário veículo 4×4 em alguma exposição ou à venda.

Veículo militar para reconhecimento e transporte com capacidade de carga reduzida, o Jeep nasceu em 1940 nos Estados Unidos, durante a Segunda Guerra Mundial. Os americanos precisavam de uma viatura leve para contrapor o danado do Volkswagen – o nosso Fusca – que os alemães inventaram para enfrentar as altas temperaturas do deserto (por isso refrigerado a ar).

Guerra Mundial à parte, coisa nenhuma, porque o Jeep ganhou popularidade no Brasil exatamente por suas diabruras na guerra, mostrada pela indústria cinematográfica, principalmente nos filmes e séries sobre os comandos do marechal inglês Bernard Law Montgomery, que montados no pequeno 4×4 arrasavam as forças do marechal alemão Erwin Rommel nas areias do deserto no Norte da África.

Nos anos 1950, 60 e 70 o Brasil era uma nação em colonização, sem estradas. Quem se aventurava na interiorização, via de regra, usava a ferramenta Jeep – a mesma que estava presente em seus lugares de origem.

O Bernardão

Além do Jeep clássico, A  Willys lançou também o Jeep alongado 4 x 4 que era a versão Jeep da Rural Willys a perua famosa daquela montadora. Com quatro portas esse veículos ganhou o apelido de Bernardão.

Traçado – é assim que são chamados em Mato Grosso os veículos 4×4 – e o Jeep ainda tem reduzida.

As três alavancas câmbio ficam no assoalho. A maior é a convencional, com três marchas e a ré; a segunda, situada no meio, liga a tração dianteira; e a terceira e menor aciona a reduzida. Nos anos 1960 o Jeep passou a sair da linha de montagem com roda-livre.

Passageiros – O espaço para passageiros é pequeno no Jeep.  Espremidos cabem dois ao lado do motorista nos dois bancos dianteiros paralelos; sendo somente um, viaja tranquilo. Há um banco traseiro para dois, mas o mesmo não tem praticamente nenhum espaço para as pernas; normalmente esse banco é retirado e assim abre lugar para dois passageiros, um de cada lado, sobre as rodas.

O Jeep clássico

Há duas opções para embarcar na parte de trás: tombando o banco dianteiro do passageiro ou pulando a tampa traseira desde que a cortina da capota esteja levantada.

O Jeep é valente nas estradas com atoleiros e areões, mas não tem bom desempenho e terrenos inundados. Fora da água, não tem ladeira que não suba, por mais escorregadiça que seja. Ser barrado em atoleiro, jamais, salvo quando os cocões – os diferencias dianteiro e traseiro – ficam encavalados sobre o terreno.

À espera do novo dono

Ronco – O diferencial do Jeep ronca até mesmo com o veículo desligado e parado. Essa é uma crítica carinhosa de quem o conhece. Poeira é companhia constante por quem transita por trecho seco e sem pavimentação. Chove mais dentro do que fora, pois a capota de lona não protege do pó nem da água. Desconforto é marca registrada: o danado pula até mesmo em terreno plano e liso. Visibilidade não é seu ponto forte: o limpador não limpa praticamente nada no para-brisa diante do motorista, e o limpador do lado direito é manual; e os faróis são acanhados. Autonomia é mínima para a realidade das viagens atuais. Não se arrisque na estrada por mais de 180 quilômetros se não tiver em mãos um galão reserva de gasolina.

Segurança zero – o Jeep pode ser acionado até mesmo com um cortador de unhas (basta enfiar um cabo sólido em sua partida, que o bichinho pega – não nega fogo).

No mercado automobilístico atual não há espaço para o Jeep em sua versão original. Mas a procura por veículos iguais a ele continua. A Fiat Chrysler Automobiles (FCA) desova no mercado a nova versão do Jeep, cujo carro-chefe é o Jeep Grand Cherokee – um charmoso (e caro) veículo versátil que nem de longe chega aos pés de seu antecessor.

Seus motores de 4 e 6 cilindros. Seus fabricantes nacionais desde a Willys Overland do Brasil. A quantidade produzida mundialmente. Nada disso conta. Trata-se de lenda. E lenda não se quantifica, não tem limitação temporal Jeep é Jeep – como dizia o bordão de sua propaganda.

A lenda Jeep

Mato Grosso – O Jeep foi muito importante em Mato Grosso na ocupação do vazio demográfico nos anos 1970 e na década seguinte. Depois perdeu importância diante da importação de picapes japoneses, sul-coreanas e americanas 4×4 confortáveis. Antes de enfrentar a concorrência internacional, passou por um processo de canibalização que começou no final dos anos 1960, pela Toyota brasileira, que passou a produzir a linha Bandeirante (jipe, picape cabine simples, cabinte dupla e o Bernardão (a versão Toyota do chassi alongado para seu jipe).

Mato Grosso não respeitou a memória do Jeep. O único município que leva o nome de um carro é Comodoro, na fronteira com a Bolívia e divisa com Rondônia, que reverencia um beberrão 1.8 da General Motors, o Comodoro – versão de luxo do lendário Opala. Carlinda, município do Nortão, também se curva aos carros e tem um distrito com o nome de Del Rey, que era o sedã de luxo da Ford, no Brasil, no começo dos anos 1980.