O Porto, uma porta para o mundo…

A propícia malha fluvial que viabilizou a chegada das monções a estas terras, tinha primitivos senhores, que dominavam o rio Paraguai desde a região de Assunção até Mato Grosso. Eram os índios Paiaguás, excelentes caçadores nômades, pescadores, aindaː exímios nadadores, hábeis cavaleiros e peritos canoeiros ! Mais, tinham um código de honra que os impedia de recuar na luta, apenas não voavam … mas aniquilaram Juan Ayolas em terras paraguaias no ano de 1538.

Pascoal Moreira Cabral ao lavrar a Ata da Fundação de Cuiabá em 08 de abril de 1719, isto era no São Gonçalo Velho, portanto sua localização nas imediações da barra do rio Coxipó. Entretanto, o grande impulso para o surgimento do Porto aconteceu por conta da descoberta das Lavras do Sutil, próximo da Igreja do Rosário e São Benedito nas margens do regato da Prainha. Assim, com o incremento populacional devido ao fascínio das notícias do ouro, os decorrentes suprimentos necessários, definiram o local estratégico para instalação portuária nestas cercanias. Inicialmente tão simples quanto o desmate do local e uma rampa de pedras até as águas do rio Cuiabá, porém funcionava a contento para os fins desejados. O primeiro visitante ilustre a chegar, e com pompas, foi o capitão-general de S. Paulo, Rodrigo Cesar de Menezes e comitiva em 1726. O local onde hoje encontra-se a Avenida 15 de Novembro, se transformou originalmente em ponto de escambo e comércio de mercadorias vindas sobretudo da Europa, e morada de uma elite.

Neste diapasão permaneceu o Porto até 1830, quando um jovem tenente da Armada Imperial, Augusto Leverger fundou o Arsenal de Marinha promovendo uma auspiciosa evolução. Sobre o assunto, escreveu um neutro italiano, Bartolomé Bossi em seu livro “Viaje Pintoresco”, publicado em espanhol no ano de 1863, que nos relataː “Sobre a barranca está situado o arsenal da Marinha a cargo do Sr. Capitão Cláudio Soído, oficial de marinha muito inteligente e ativo …” Informa ainda existir um estaleiro para a reparação de vapores, começando a operar uma fundição para produzir peças de toda natureza requeridas. Registra também nossa minguada flotilha, de 4 ou 5 pequenos vapores no serviço em distintos pontos militares. Vale observar que o MD. Almirante Antônio Cláudio Soído, vem a ser hoje o patrono da Cadeira nº 12 da Academia Mato-Grossense de Letras.

Destaca-se neste momento a relevância desse porto inclusive por razões militares para salvaguardar o Estado. Augusto Leverger havia atuado em lutas na bacia do Prata, conhecia das intenções paraguaias, e conforme Visconde Taunay informou ao Imperador Pedro II. Anotou Herculano Ferreira Pena no seu Relatório apresentado à Assembléia Provincial em 1863, que a frota estadual era composta pelo vapores Amambai, Paraná – em fabrico no Arsenal, Jauru, Corumbá e do Patacho Iguaçu, além do Lanchão Constituição, mais outras pequenas embarcações.

Teve um papel fundamental e merece registro na ausência de uma ponte a cotidiana atuação da Barca Pêndulo fazendo o transporte de passageiros, cargas e mesmo veículos entre Cuiabá e Várzea Grande, que iniciou operação em 1874 e veio a ser desativada no ano de 1942.

Sendo demolido o prédio onde funcionou o Arsenal da Marinha, a praça erguida em seu lugar pelo Vice-Intendente Amarildo Alves de Almeida em 31 de março de 1909 recebeu o nome do Capitão-General Luis de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres. O qual foi nomeado em 3 de julho de 1771, fez um destacado trabalho durante sua longa gestão de 16 anos 11 meses e 7 dias. Neste logradouro foi encravado um obelisco comemorativo do bicentenário de Cuiabá, presente da municipalidade de Corumbá inaugurado em abril de 1920, onde se encontra até os dias atuais.

Neste cais tudo e todos chegavam e também partiam, os viajantes seguiam em alto estilo ostentando ternos de linho, tipo Palm Beach e as senhouras de bolsas, chapéus e sapatos da moda, havia muito glamour nestes celebrados acontecimentos sociais. Fundada por irmãos em 1925 a Empresa de Navegação Miguéis, veio a fazer o transporte de cargas e passageiros para Cuiabá, Cáceres, Corumbá até Porto Murtinho, dentre outras localidades. Meu saudoso avô Alencastro Maria Alves era gerente na capital, essa firma chegou a possuir 40 embarcações e chatas que tinham capacidade para transportar 200, 300 e 500 toneladas ! Elas traziam infinitos artigos desde ricas alfaias, manteiga, porcelanas, mobiliário, fios, sedas, ferro, licores, incluso pianos alemães !!!

Surge uma nova era, que indica o declínio do nosso querido, festejado, e decano Porto, quando chega a esta cidade o primeiro hidroavião em 1929, passando para horas trajeto de 9 dias. Depois em 1930, outro hidro chega no Porto, velho amigo que sempre acolheu por terra, água e ar, tratava-se do Iguassu, depois em 1940 iniciam as linha regulares com os trimotores Junkers da “Viação Condor”, secundada pela “Panair Serviços Aéreos”, e nunca deixou de crescer vivamente. Depois inauguram 1942, dia 20 de janeiro a Ponte Júlio Müller construída durante sua auspiciosa intervenção, com vão central de 40 metros e 224 de comprimento, aproximando as cidades irmãs. Finalmente veio a ligação rodoviária com a malha rodoviária através Campo Grande e Brasília, sepultando o esquecido Porto, e só a “Figueira do Adeus”, a bela poesia de Dom Aquino Chorou !

Ubiratã Nascentes Alves, membro da AML – cadeira nº 1
ubirata100@gmail.com